sábado, 13 de dezembro de 2008

Concupiscência da carne e Regeneração pela Graça

Rembrandt - Christ In The Storm On The Sea Of Galilee

Por Prof. Pedro M. da Cruz


O católico encontra-se qual ilha no oceano, no mais tempestuoso dos oceanos, o das paixões humanas. Mesmo libertado, pela graça, da dominação satânica, ele é constantemente assediado sofrendo as consequências do pecado original. Assim pois, se por um lado em nosso espírito somos submissos à lei de Deus, por outro lado, dada nossa natureza decaída, somos escravos da lei do pecado [1]. Sendo deste modo é que podemos compreender, na medida do possível, a desconcertante situação dos filhos de Deus: deleitando-se interiormente na vontade do Senhor, sente em seus membros outra lei que luta contra a lei do espírito e atormenta-o com o horror do pecado. Então quantas quedas! Quantas fraquezas! Quantas decepções nas várias lutas! Há quem julgue que tão somente as lágrimas possam afogar tantos desmandos, erros e incoerências. Mas não! Urge a Voz do amado que flue terminante e eficaz da penumbra mística do confessionário. Ali, um tácito sacerdote, num ato misteriosamente divino, faz-nos puros, torna-nos mais brancos que a neve [2]. Ante um espírito profundamente contrito e um coração arrependido e humilhado, enquanto traça o sublime sinal da cruz, o sacerdote é canal da graça sobrenatural que renova o espírito de firmeza e restitui a alegria da salvação [3]. Pobres dos que se deixam levar pelas más inclinações da natureza e não refreiam os apetites descontrolados! Os que satisfazem a cobiça indômita da alma são a alegria dos demônios.[4] O próprio semblante do homem o condena; seu aspecto exterior faz parecer as disposições interiores; o corpo e a fala são os mexeriqueiros da alma. De fato, mesmo “... as vestes do corpo, o riso dos dentes e o modo de andar de um homem fazem-no revelar-se”.[5]

“Como é grande a fragilidade humana, inclinada sempre ao mal! Hoje confessas os teus pecados, a amanhã cometes outra vez os mesmos que confessastes. Resolves agora acautelar-te, e daqui à uma hora te portas como quem nada propôs. Com muita razão nos devemos humilhar e não nos ter em grande conta, já que tão frágeis somos e tão inconstantes. Assim, facilmente se pode perder pela negligência o que tanto nos custou a adquirir com a divina graça.” [6]

Não consintamos, pois, que reine o pecado em nosso corpo mortal, de modo que venhamos a obedecer aos apetites desconjuntados; se assim o fizermos seremos meros instrumentos do mal;[7] como crianças imaturas ao redor das ondas, agitados inclusive, por qualquer sopro de doutrinas heréticas, ao capricho dos homens e de seus artifícios enganadores.[8] Muito ao contrário, amemos a Deus sobre todas as coisas, cumprindo com toda nossa força sua santa vontade: a nossa santificação![9] Assim fazem os filhos da Igreja, todos os demais buscam os seus próprios interesses e não os de Nosso Senhor Jesus Cristo.[10] Porém não ignoremos uma Verdade fundamental da Fé Católica! É necessária a graça de Deus, seu auxílio sobrenatural, para vencermos a natureza decaída desde Adão. O ser humano está sempre propenso ao mal porque foi corrompido pelo pecado original.[11] O criador formou a natureza humana boa e reta no jardim primordial, agora entretanto, devemos considera-la como enferma e enfraquecida pela perversão inicial. Se observarmos bem, perceberemos que o ser humano quando abandonado à si mesmo, à mercê de seus movimentos e impulsos desnorteados, é arrastado à baixeza e indignidade. A pouca força que lhe restou após o pecado original é como uma centelha oculta debaixo das cinzas, incapaz de fazer tudo o que julga correto, já que não possui a plena luz da verdade, nem a pureza primitiva de seus afetos.[12] Percebe-se aqui a gritante necessidade da graça divina que auxilia a liberdade vulnerada pelo pecado.[13]

“O homem é ajudado por Deus com a graça santificante, mediante a qual conservando embora a própria personalidade, é modificado na sua natureza e na sua capacidade de agir.” [14]



Os Cristãos são justificados no Senhor Jesus, por quanto pelo batismo se tornam verdadeiramente filhos de Deus, partícipes da natureza divina[15], e portanto realmente santos.[16] No entanto, já Santo Agostinho seguindo a tradição apostólica, faz uma distinção entre a remissão dos pecados que é plena no batismo e o renovamento interior que é progressivo e será perfeito somente após a ressurreição, quando o homem se tornar participante da imutabilidade divina.[17]Entende-se deste modo que a graça não dispensa esforço humano por vencer suas limitações. Com efeito, Deus “... condicionou a luz da visão beatífica ao mérito que o homem deve conquistar desenvolvendo nesta vida a sua atividade...” [18] Finalmente, pelo batismo adquirimos de fato a vida divina da graça, a inabitação do Espírito Santo, a misteriosa deificação; recebemos no entanto como que em gérmen todo esse tesouro. Como uma semente que deve crescer e frutificar através da correspondência livre do ser humano à graça de Deus. “O livre arbítrio não é tirado porque vem ajudado, mas é ajudado porque não vem tirado.” [19] Sendo assim, aquele que nos criou sem nosso auxílio, jamais nos dará a salvação eterna sem nosso esforço por fazer sua vontade soberana. De fato, Deus não nos ordena o impossível, mas ao dar-nos uma ordem, admoesta-nos a fazer aquilo que aguentamos e a pedir o que não conseguimos por nós mesmos. Eis a imponderável coexistência da liberdade e da graça, tão magnificamente sintetizada na gloriosa e sempre Virgem Maria Imaculada.

 
Citações

[1] Romanos 7, 26.
[2] Salmo 50, 9.
[3] DE KEMPIS, Tomás. Imitação de Cristo. Trad. Frei Tomás Borgmeier, O.F.M. 13ª edição, editora Vozes, Petropolis, RJ, 1965, 283 pgs. (Livro II, cap. VI. Pg. 76).
[4] Eclesiástico 18, 30-31.
[5] Eclesiático 19, 26-27.
[6] Imitação de Cristo, Livro I. Capítulo 22, pg. 52. Edição citada.
[7] Romanos 6, 12.
[8] Efésios 4, 14.
[9] Tessalonicenses 4, 3.
[10] Filipenses 2, 21.
[11] Romanos 5,12-14. O pecado original de Adão transmitiu-se a todos os homens com sua sanção; a Virgem Maria entretanto foi preservada, por causa dos méritos de Cristo, do pecado original.
[12] Imitação de Cristo. Livro III, Capítulo 55. Pg.204-205.
[13] Gaudium Et Spes. (Constituição Pastoral do Vaticano II).
[14] DEL GRECO, Pe. Teodoro da Torre. Teologia Moral. Ed. Paulinas. São Paulo, 1959, pg. 35.
[15] II Pedro 1, 4.
[16] Lumen Gentium. Cap. V.
[17] João Paulo II. Carta Apostólica sobre Santo Agostinho de Hipona.
[18] Teologia Moral, pg. 35. Obra citada.
[19] Carta Apostólica sobre Santo Agostinho de Hipona, pg. 32.



12 comentários:

  1. Artigo muito providênte. Evidencia, a luz da Doutrina Católica o sublime ideal que deve nortear a vida de todos os Católicos, verdadeiros Cristãos: A visão beatífica na gloria eterna mediante a feitura da vontade de Deus nesta terra, que, como nos sugere a Salve Rainha, é um "vale de Lágrimas". Mesmo carregando em sí as tristes sequelas da culpa original que podem por vezes serem agravadas em meio ao modo de ser e viver "hodierno"; o homem, por divina disposição, conta com os providentes auxílios de Deus.
    Assim, lutemos por Cristo, sempre abertos à sua graça, para que como Ele possamos vencer e com Ele reinar. Parabéns ao autor.

    Salve Maria!

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  2. muito bom!!!!!!!!! -adorei o texto!!!!!
    Igor

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  3. Texto muito legal.Parabéns.Esse cara batizado é um judeu???

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  4. O néofito (aquele que recebeu ou acabou de receber o batismo) da foto era muçulmano.

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  5. Adorei o texto.Esta parte é assim mesmo??? Creio que talvez o autor deva ter digitado displicentemente.

    "]. Antes um espírito profundamente contrito e um coração arrependido e humilhado, enquanto traça o sublime sinal da cruz, o sacerdote é canal da graça sobrenatural que renova o espírito de firmeza e restitui a alegria da salvação [3]. "

    No mais o texto esta muito legal memso.Parabéns.

    Antônio Neto

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  6. O texto esta magnífico.Maia uma vez um artigo que me curou de feridas...


    Renato

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  7. adorei o texto . parabéns!

    joão.

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  8. Obrigado por relembrar tantas verdades esquecidas.Adoro este blog que é tão fiel a doutrina catolica calada pelos padres que vivem só do vaticano II mal interpretado.

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