Paulo L. F.
A oração é indispensável. Deixa-la, ensinava-nos Santa Teresa, é como jogar-se no inferno por si mesmo, sem necessidade dos demonios.[1] Porém, quantas dificuldades o ritmo de vida hodierno impõe a esta prática importantíssima. Sentemo-nos novamente aos pés do Mestre Divino e supliquemo-lhe confiantes: “Senhor, ensina-nos a Rezar!”[2] De fato, é preciso orar sempre sem jamais deixar de faze-lo.[3]
Mas o que é a oração? É uma comunicação, um encontro íntimo, pessoal e profundo entre o homem e Deus; encontro este, banhado de silêncios e diálogos, olhares e afetos; mas, nunca de uma solidão vazia, ou um aniquilamento do “eu”, nem de intimismos e fechamento egoísta. O âmago da oração cristã é o diálogo, no sentido mais amplo desta palavra. Com efeito, “comunicar”, mais que falar, é dar-se; e isto ocorre, intensamente, por exemplo, na simples comunhão de espírito entre os dois corações enamorados que se encontram. Aqui, percebe-se mais claramente a existência de um “Eu” humano e de um “Tu” divino que se abraçam sem nunca perderem suas identidades próprias.
Falamos isso, porque, atualmente, dada também a facilidade nos intercâmbios de conhecimentos, muitos cristãos tem confundido a oração cristã com técnicas orientais de meditação. Não negamos algum valor terapêutico em tais métodos, porém, criticamos suas errôneas fundamentações teológico-filosóficas, contrárias à doutrina Católica, instituída pelo Salvador.[4]
Estas técnicas orientais de meditação que almejam um chamado “vazio mental” não tem sentido na espiritualidade cristã ,que se fundamenta no encontro profundo com o “outro”, e não em intimismos egocêntricos, ou negadores do “eu”. Na verdade, quanto mais se preocupam em “desprenderem-se de si” nestas variadas formas de meditação, mais as pessoas se apegam ao desejo velado de um autocontentamento egoísta. Santa Teresa D´avila falava-nos algo em torno disso quando nos lembrava que “o próprio cuidado que se tem em não pensar em nada, despertará o intelecto para pensar em muito.”[5]
Esse esforço, estranho ao cristianismo, de uma suposta imersão no chamado “abismo indeterminado da divindade”, está fundado numa visão equivocada da realidade material criada boa por Deus, mas, que por muitos é tida como uma espécie de obstáculo à vida espiritual. Contrariando esta visão pessimista do mundo, São Paulo nos advertia: “Desde a criação, as perfeições invisíveis de Deus, o seu poder sempiterno e sua divindade, se tornam visíveis à inteligência através de suas obras.” Vê-se aqui, que longe de serem um obstáculo ao encontro com a Trindade Sacrossanta, a criação é, na verdade, uma manifestação das perfeições divinas; o que nos possibilita, segundo São Roberto Belarmino, uma elevação da mente a Deus pelos degraus das coisas criadas. “O firmamento nas alturas é a expressão de sua beleza, o aspecto do céu é uma visão de sua glória. (...) Observa o arco-íris e bendiz aquele que o fez; é muito belo no seu resplendor. São as mãos do Altíssimo que o estendem de um ponto a outro.(...) o Senhor está acima de todas as suas obras. Que podemos nós fazer para glorifica-lo?”[6]
Procurar prescindir de tudo o que é terreno, sensível e conceptualmente limitado, para, supostamente, subir ou “imergir-se” na chamada esfera do divino que, enquanto tal, não é nem terrestre, nem sensível, nem conceituável, é negar a mediação salvífica do Filho de Deus, feito homem no ventre da santíssima Virgem Maria. Ora, Cristo não se fez terreno? Não possuía um corpo sensível? Não transmitiu sua Doutrina de salvação em conceitos claros e objetivos? Sim! “O Verbo divino se fez carne e habitou entre nós.”[7] Negar, pois, o valor das coisas materiais, extensas e contingentes, no que tange a nossa vida espiritual, é prescindir do caminho ordinário, querido pelo Todo-poderoso, como meio natural de nosso relacionamento com Ele. Com efeito, o Espírito do Senhor enche todo o universo.[8]
Esta tendência de alguns grupos, cada vez mais descristianizados, em pretender o Ser Absoluto sem o concurso da imagem e de conceitos lógicos, negando assim que as coisas do mundo possam ser vistas como um vestígio que reenvie para a infinitude do Criador, é uma afronta à doutrina da Encarnação. A Sagrada Escritura é clara neste aspecto: “Há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, o homem que se entregou como resgate por todos.”[9] Prestemos bastante atenção, caro leitor, naquilo que nos diz o Texto Sagrado: “ ... Jesus Cristo, o homem ...” . Sim! “ ...o homem...”! O único mediador entre criador e criatura é um ser plenamente humano composto de corpo material e alma espiritual; obviamente que verdadeiro Deus, porém - não nos esqueçamos – verdadeiramente homem, se bem que agora em seu estado de glorificação.
Deste modo – reconheçamos - a meditação cristã jamais pode prescindir da idéia de “Filho humanado”, Deus que se encarnou. O contrário seria uma espécie de traição ao evangelho que nos foi apresentado. Neste aspecto, a oração cristã, longe de nos conduzir a algo próximo da idéia oriental de Nirvana[10], nos coloca em um relacionamento pessoal e consciente com o mistério trinitário, onde nossa liberdade finita interage amorosamente com a liberdade infinita de um Deus boníssimo, que se deixa encontrar num céu povoado de seres gloriosos; num céu habitado pela Virgem ...
Além do mais, não podemos deixar de ver nesta aversão à pessoalidade humana e à sua individualidade, os resquícios da antiga gnose, que negava o cosmos como um todo juntamente com o criador, que ela pretendia desmascarar como um tenebroso tirano e pérfido guardião da “prisão material”.[11] Esta terrível heresia dualista, afirmava que todas as coisas materiais seriam desprezíveis, porque criadas por um “deus mau”; divindade esta, muitas vezes, identificada com Javé, o Deus do Antigo Testamento, criador do céu e da terra, e por isso mesmo, tido como o malvado aprisionador do espírito no “cárcere material”.
Partindo de tais princípios maniqueístas[12] negava-se a encarnação do Verbo, e por fim, a paixão e a ressurreição do Redentor. Para os gnósticos seria impensável um Deus que tomasse carne humana, enquanto eles pretendiam libertar-se dela para, supostamente, fundirem-se novamente no “Tudo” primordial, chamado, muitas vezes, de “Princípio indeterminado”, uma espécie de “não-ser”.
Ali, toda diferença seria suprimida, e, com ela, todo tipo de personalidade humana, segundo eles, limitadora do Ser. Os vários “eus” perderiam sua existência, uma vez que a matéria que os aprisionava teria sido vencida, e agora, reinaria novamente um perfeito “Igualitarismo”, igual ao que, supostamente, teria existido no princípio, quando o “deus-mau” ainda não havia criado a matéria.
É óbvio que o ódio pela vida e pelo mundo sensível, erigido em doutrina - já nos recordava Gustave Thibon - foi perseguido pela Igreja como uma espécie de heresia. Mas, a par da “heresia doutrinal”, fermenta a chamada “heresia afectiva”. Assim, pensa-se de um modo, porém, vive-se de acordo com a idéia oposta daquilo que se diz crêr. Com efeito, inúmeras almas, fiéis à Igreja pelo seu pensamento, orientam os seus sentimentos e as suas ações na vida espiritual de acordo com uma espécie de Maniqueísmo prático, que só ofende ao Evangelho de Cristo.[13]
Deixando para outro momento os meandros desta questão obscura e cheia de contradições, cremos haver demonstrado sucintamente a incompatibilidade entre certas práticas orientais, centradas sobre o “eu”- aqui entendido como uma parte substancial e difusa da Divindade - e a oração cristã que nos liberta duma espiritualidade intimista e nos coloca em relação pessoal com o Deus transcendente Uno e Trino, revelado por Nosso Senhor Jesus Cristo.
No mais, torna-se desnecessário afirmar que, vivendo sob esta ótica católica, a prática da caridade transforma-se num imperativo. De fato, na perspectiva do evangelho, o amor a Deus implica, não somente numa postura de encanto e respeito perante natureza, mas também numa atitude resoluta de entrega amorosa de si mesmo a todos os Filhos de Deus espalhados pelo mundo.
[1] LIGÓRIO, S. Afonso de. A prática do amor a Jesus Cristo. Trad. Pe. Gervásio F. doa Anjos, C.SS.R.. São Paulo: Editora Santuário, 1996. Pg. 101
[2] S. Lucas 11,1
[3] S. Lucas 18,1
[4] Realmente, alguns livros que tratam destes métodos procuram inculcar que os mesmos se reduzem a um meio de recuperação do equilíbrio físico e cerebral através de um relaxamento geral; porém, cuidado, certas cosmovisões heterodoxas são apresentadas furtivamente entre umas e outras práticas. Confira, por exemplo: AUGUSTE, Pierre. El Yoga. Coleção Apréndalo por sí mismo. Trad. María Ángeles Aguilera Nieto. Madrid: Espasa-calpe,S.A, 1974. Pg.6.
[5] Documentos pontifícios, 233. Alguns aspectos da meditação cristã. Congregação para a Doutrina da fé. Petrópolis: Vozes, 1990. Pgs. 15-16.
[6] Eclesiástico 43, 1-37
[7] S. João 1, 14
[8] Sabedoria 1,7. Lembremo-nos, porém, do que escrevia Gustave Thibon: “Os que penetram até ao âmago da profunda e miserável natureza humana sabem quanto a carne é rica e que inefáveis colóquios ela mantém com a alma e com Deus, mas conhecem também a sua opacidade, o seu peso e a sua resistência em face do espírito. (...) ‘O segredo para viver alegre e contente – escreve Pascal – é não estar em guerra nem com Deus nem com a natureza.’” Conf. THIBON, Gustave. O que Deus uniu. Coleção Éfeso. Trad. Mário Pacheco. Lisboa: Aster, 1958. Pg.. 47-48.
[9] I Timóteo 2,5
[10] Nirvana: nos textos religiosos do budismo, um estado de repouso que consiste na extinção de qualquer realidade concreta, enquanto transitória e, por isso, causa de ilusão e de dor. Conf. Ibidem. Documentos pontifícios, 233. Alguns aspectos da meditação cristã. Pg. 16. Ver também: Biblioteca do Saber. Volume 3. São Paulo: Século XXI Editorial, 1983. pg. 98.
[11] RATZINGER, Joseph. A união das nações. São Paulo: Edições Loyola, 1975. Pg. 22. A Fé Cristã sempre apresentara o mundo e a humanidade presentes como efêmeros, insuficientes, perturbados e aviltados pelo pecado. Mas, por outro lado, nunca deixara subsistir sombra de dúvida quanto a ser este cosmos obra do próprio Deus e, por conseguinte, obra boa.
[12] Maniqueísmo: defende a existência de dois princípios divinos opostos, o princípio do Bem, criador do mundo espiritual, e o princípio do Mal, criador da matéria, da qual os homens devem se libertar. Usamos o termo, obviamente, como expressão de uma idéia que é anterior ao próprio movimento maniqueu, gerado pelo espírito gnóstico.
[13] Ibidem. THIBON, Gustave. O que Deus uniu ... pg. 36.
Mais um rico texto do carissimo Lázaro! Perseverança nesse apostolado irmão...
ResponderExcluirADOREI O TEXTO, REALMENTE ELUCIDATIVO.PARABÉNS!
ResponderExcluirÉ UMA PENA QUE AS PESSOAS ESTEJA CAMINHANDO WM RUMOS TÃO RUINS. ESTE TEXTO AJUDARÁ MUITA GENTE! PARABÉNS PARA O BLOG.
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