sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Como explicar os pecados dos que pertencem à Igreja?

Igreja santa e pecadora? (Pe. Penido)

Uma das causas comuns de apostasia [da fé] é o horror provocado pelos desfalecimentos humanos no seio da Igreja. A religião pa­rece fonte de imoralidade, ou, pelo menos, não corresponder, na prática, ao que ensina em teoria.

E se o escândalo provoca apostasias, maior ainda o número de conversões que ele faz abortar: “Eu, agregar-me aos católi­cos? Por que, se eles não valem mais do que os outros - muitos deles até valem menos? Eu, ajoelhar-me aos pés de um padre, pecador ele também, talvez mais do que eu?” Tanto mais ferinas as críticas quanto maiores as pretensões da Igreja: ela se diz di­vina, santa, imaculada? Pois mostre-nos o que vai de tudo isso na vida cotidiana!

Escândalo ilógico, digamo-lo imediatamente. Jamais foi pro­metido por Cristo que a graça supriria o esforço pessoal. Os ta­lentos que o Mestre nos dá, ele exige que os façamos frutificar; não se substituirá jamais a nosso livre arbítrio.

Deveria até confirmar a fé, o fato de que uma sociedade com­posta de homens fracos, falíveis, sujeitos às mesmas paixões que os demais, não haja todavia descambado na mais absoluta cor­rupção, mas antes mantenha rígidos os princípios de moral purís­sima e os pratique, em que pesem os numerosos e indisfarçáveis desfalecimentos individuais.

A Igreja produziu até um tipo novo, original, de homem: o Santo. Tão novo, tão original que Bergson se abalançou a atribuir ao Santo uma essência diversa da nossa. Porém somos assim feitos que menos nos impressionam as vir­tudes do que os desfalecimentos. E por isso vemos tantos e tan­tos abandonarem a fé, porque encontraram um padre cúpido ou devasso, ou simplesmente malcriado; porque tal carola não passa de grandíssimo patife; porque tal senhora misseira, e até beata, é a pior língua da localidade.

Em nossa época este escândalo revestiu forma peculiar; apresenta-se corno reivindicação de justiça social. Embora os Papas hajam condenado não apenas o comunismo senão ainda os abusos do capitalismo, é infelizmente verdade que aquele que não se con­tenta de louvores teóricos às encíclicas, mas procura aplicá-las na prática, incorre muitas vezes na ira dos chamados bem-pen­santes que lhe assacam as pechas de socialista, comunista, etc. Donde ser o catolicismo acusado de querer perpetuar as injus­tiças sociais, de ser o derradeiro baluarte do capitalismo burguês.

Apostasias ilógicas, repetimos, pois não distinguem entre a mensagens divina que merece nossa crença e seus portadores hu­manos, talvez menos dignos. Por ser portador desta mensagem, o mau padre merece ainda ser ouvido e obedecido, embora não faça o que prega. Porventura recusaríeis precioso tesouro, sob pre­texto que vos é trazido por um homem esfarrapado e imundo? pergunta Catarina de Sena. Nem deixa de ser verdadeira a re­ligião porque muitos dos seus adeptos não a praticam. Tão me­díocre a humanidade, apesar da religião, que seria sem religião?

Ademais, com suma injustiça olvidaríamos o que de sublime houve e há na Igreja: aquela plêiade de mártires, de confesso­res, de virgens, que nos causa justo orgulho; a multiplicidade de obras e instituições; as miríades de almas tiradas do lodo; os incontáveis atos de bondade, de misericórdia, de justiça; as inú­meras tentações vencidas. Quantos e quantos atestam que na re­ligião e nela só, encontram força para não resvalar, para cumprir o dever a todo custo? Além dos grandes santos, há os incontá­veis “pequenos” santos, que vivem de cotidiano heroísmo cristão.

Na Encíclica “Mit brennender Sorge”, o Papa Pio XI fez valer uma outra consideração, ao aludir à exploração pelos na­zistas, dos escândalos da Igreja:

“A divina missão que a Igreja cumpre entre os homens e deve cumprir por meio de homens, pode ser dolorosamente obscurecida pelo que de humano, talvez de demasiadamente humano, desponta por vezes qual cizânia en­tre o trigo do reino de Deus. Quem conhece a frase do Salva­dor acerca dos escândalos e dos que os dão, sabe como a Igreja e cada indivíduo deve julgar sobre o que foi e é pecado. Todavia, quem, fundando-se sobre esses lamentáveis contrastes en­tre fé e vida, palavra e ação, atitude externa e sentir interior de alguns ou mesmo de muitos, esquece ou passa sob silêncio o imenso cabedal de esforço genuíno em prol da virtude, o es­pírito de sacrifício, o amor fraterno, o heroísmo de santidade de tantos membros da Igreja, este manifesta injusta e reprovável cegueira”.

De fato, maior direito nos assistira de gemer sobre a inépcia de alguns hierarcas e a mediocridade da maioria dos católicos, se começássemos por gemer sinceramente sobre nossa própria inépcia e mediocridade, muito maiores ainda…

Todavia, não se nos aquieta inteiramente o espírito. Afigura-­se-nos a Igreja qual realidade híbrida, plasmada de crimes he­diondos e de virtudes inigualáveis - e não já, como afirma o Apóstolo: “Sem mácula, sem ruga, mas santa e irrepreensível”.

Como resolver a antinomia?

Os membros pecadores da Igreja.

Uma primeira resposta - tão fácil quanto errônea - con­siste em afirmar que a Igreja só compreende os justos. Por con­seguinte, a massa de pecadores que encontramos na cristandade faz tão pouco parte da Igreja quanto os apóstatas ou os pagãos endurecidos.

A Santa Igreja é aquele puro ser de glória que contemplava o Vidente de Patmos. E por isso mesmo se esconde a nossos olhos de carne.

Tal foi, no século IV, a solução dos Donatistas; na Idade Média, dos Valdenses e dos Hussitas; nos tempos modernos de Lutero, Calvino, Quesnel e do Sínodo de Pistóia. — No fundo, esta opinião identifica Igreja militante e Igreja triunfante.

Porém, como sabiamente adverte Leão XIII, quando inqui­rimos da natureza da Igreja, não nos devemos perder em deva­neios sobre o que poderia ter Cristo feito, senão procurar o que ele de fato quis fazer, e que fez na realidade. Ora, as próprias palavras de Jesus nos revelam o mistério da presença de pecado­res dentro do Corpo Místico.

Na alegoria da videira, Jesus nos diz, logo a princípio: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o lavrador; toda a vara em mim que não dá fruto, ele a tira, e poda aquela que dá fruto para que dê mais fruto” (Jo 15, 1-2). Temos aqui claramente indica­do que tanto o justo como o pecador estão no Corpo Místico de Cristo. Em condições bem diversas, por certo. Um como membro fecundo, destinado à fecundidade maior; outro como membro es­téril, destinado a ser cortado, a secar, e mais tarde a ser lançado ao fogo (15, 6). Só se corta fora o que faz parte de um con­junto, não o que lhe não pertence.

(PENIDO, Pe. Dr. Maurílio Teixeira-Leite: “O Mistério da Igreja”, Editora Vozes, Petrópolis, 2 ed., 1956, pp.243-245).

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Fonte: http://salterrae.org/2008/08/31/igreja-santa-e-pecadora-pe-penido/

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