Lionello Spada - St Jerome
Interpretação da Bíblia
“O sentido autêntico das Sagradas Escrituras podemos conhecê-lo pela Igreja, porque só a Igreja não pode errar na sua interpretação” [24]. Já da definição da Sagrada Escritura, ensina da pelo Concílio Vaticano I, se desprende esta condição essencial da interpretação da Bíblia, a saber, que unicamente a Igreja, mediante o seu Magistério, é o intérprete autêntico da Sagrada Escritura. E isto no duplo sentido positivo e negativo: há que aceitar como sentido bíblico o que tenha sido proposto pelo Magistério da Igreja (quer directamente que de uma maneira indirecta); deve ser rejeitada toda a interpretação que não concorde com esse sentido proposto pelo Magistério. Por isso a Sagrada Escritura não pode ser plenamente entendida por quem não tenha a fé cristã. Acontece perante a Bíblia o que acontece perante a figura de Jesus Cristo: quem não tiver a fé, só poderá ver um Jesus um homem evidentemente extraordinário e singular; mas com isso fica muito longe da verdade, e portanto, não entenderá Jesus Cristo quem não crer que é o Filho de Deus Encarnado, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o único Salvador e Redentor da humanidade.
Paralelamente, a Bíblia, no seu sentido profundo, não pode ser entendida por quem não crer na sua Inspiração divina e em que tem Deus por autor principal. Este facto é norma imprescindível para uma recta interpretação da Bíblia, não podendo ser substituída por nenhuma técnica humana: literária, histórica, filosófica, etc.
Santo Agostinho, depois de esclarecer várias dificuldades sobre a interpretação da Escritura, respondia a um amigo seu: “Faça-se cristão o que as propôs, não aconteça que, se espera resolver todas as questões acerca dos livros santos, acabe esta vida antes de passar da morte para a vida. Há inumeráveis problemas que não podem ser resolvidos antes de crer, com o risco de terminar a vida sem fé. Uma vez aceite a fé, podem estudar-se com empenho para exercitar o deleite piedoso da mente fiel” [25].
Enquanto é também um livro humano de notável antiguidade, são úteis por vezes certos esclarecimentos de carácter histórico, literário, etc., como acontece com qualquer documento antigo.
A este propósito podemos recordar a comparação que fazia Santo Agostinho: os Israelitas ao sair do Egipto levaram consigo objectos valiosos de ouro, prata, pedras preciosas, vestidos, etc., que os Egípcios utilizavam para o seu adorno pessoal ou para o culto idolátrico. Mas precisamente desses objectos preciosos se valeram os Hebreus para fabricar os ornamentos para prestar culto ao verdadeiro Deus. O santo Bispo de Hipona recolhe esta ideia aplicando-a ao uso das ciências humanas (filosofia, história, literatura, etc.), para a inteligência das Escrituras, com a condição de as aplicar verdadeiramente ao serviço das Escrituras, que dizer, com humildade e reverência e com a invocação da graça divina: “Aquele que se dedica ao estudo das Sagradas Escrituras (...), não deixe de pensar naquela máxima apostólica: a ciência incha, a caridade edifica (1Cor 8,1); porque sentirá que, apesar de ter saído rico do Egipto, se não celebra a Páscoa, não poderá salvar-se” [26].
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Notas:
[24] Catecismo Maior, n° 887
[25] Epistola, 102,6,38
[26] De doctrina christiana, 2,9,14.
Veracidade e Inerrância Bíblica
Tudo aquilo que o hagiógrafo afirma, enuncia ou insinua, deve reter-se como afirmado, enunciado ou insinuado por Deus, que não pode nem enganar-Se nem enganar-nos. A veracidade indica a adequação do que se diz com o que se pensa ou sente; a inerrância significa carência absoluta de erro. Portanto, na Sagrada Escritura não pode haver erro algum, pois, uma vez que é toda inspirada, o autor de todas as suas partes é o próprio Deus.
Nas coisas da natureza, que são próprias das ciências físicas, etc., Deus não quis ensinar de modo sobrenatural aos homens a íntima constituição do mundo visível e, por isso, tão-pouco os autores sagrados afirmaram algo propriamente sobre esta matéria. O que realmente ensinam são as verdades necessárias para a nossa salvação: a criação do mundo e do homem por Deus, a Sua providência e governo do mundo, a liberdade e omnipotência que Deus tem para fazer milagres. É costume darem-se duas razões de conveniência, que nos ajudam a compreender por que razão é que o Senhor não revelou a constituição íntima do mundo visível: primeira, o conhecimento dessas coisas não afecta directamente a doutrina da salvação; e, segunda, é que precisamente essas questões foram deixadas por Deus para a livre investigação da ciência humana. Por isso, os hagiógrafos aludem aos fenômenos da natureza usando as expressões e os conceitos normais da sua época e área cultural. Por terem escrito em épocas já antigas relativamente ao desenvolvimento das ciências, costumam os autores sagrados acomodar-se às coisas tal como são captadas imediatamente pelos sentidos e na sua interpretação vulgar de todas as épocas: o sol nasce, a lua põe-se, etc. É petulância superficial a daqueles que, sobretudo no século passado, exigiam aos autores sagrados que tivessem falado segundo as teorias científicas mais modernas, às vezes rejeitadas depois pela mesma ciência. Graças a Deus, os hagiógrafos falaram com uma linguagem simples, de modo que todos os homens pudessem entendê-los, aplicando o mínimo de senso comum.
Pelo contrário, em matérias históricas, a questão é muito diferente. Se a explicação de fenômenos da natureza é assunto em que não tem por que entrar a Revelação divina, a história humana, porém, tem em muitos aspectos uma conexão estreita com a verdade revelada. A causa é que a Revelação bíblica não se ocupa somente de verdades abstractas, mas também da intervenção misericordiosa de Deus em certos acontecimentos da história humana. Os fundamentos da Revelação cristã e os grandes dogmas estão enraizados muito concretamente na história. Por exemplo, que o mundo foi criado por Deus está na base de toda a Revelação acerca do conceito de Deus, do mundo e do homem. Que Jesus Cristo nasceu de Santa Maria Virgem por obra do Espírito Santo, sem concurso de varão, é uma verdade realmente acontecida na história e que está no centro da fé cristã. Que Jesus morreu e ressuscitou em tempos de Pôncio Pilatos é o acontecimento histórico essencial da História da Salvação e não se pode mudá-lo nem renunciar a ele, nem pode tomar-se num sentido que negue a sua exacta historicidade.
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-Dados Gerais-
Bíblia Sagrada
Anotada pela Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra
Santos Evangelhos
Reimpressão corrigida
Tradução portuguesa das Introduções e notas de comentário de José A. Marques
Com a colaboração de Augusto Ascenso Pascoal e Pio Gonçalo Alves de Sousa
EDIÇÕES THEOLOGICA BRAGA - 1994
Título: Introdução geral à Bíblia
Interpretação da Bíblia
Páginas: 36-37
Veracidade e Inerrância Bíblica
Páginas: 38-39
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