segunda-feira, 18 de outubro de 2010

São Simeão Estilita: Uma vida extraordinária

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A vida de São Simeão foi escrita por três autores, não sòmente contemporâneos, senão também testemunhas oculares da maior parte dos fatos. São êles o bispo Teodoreto, que compôs o seu trabalho dezesseis anos antes da morte de Simeão; Antônio, discípulo do santo, e o sacerdote Cosmas, seu amigo, que governava uma paróquia das cercanias, e que, em nome de tal paróquia, lhe escreveu uma carta que ainda possuímos.

Nascera Simeão numa localidade da Cilícia, chamada Sisan, na fronteira da Síria e, desde a idade de treze anos, guardou ovelhas pertencentes ao pai. Um dia em que o rebanho não podia sair em virtude da neve, foi à igreja com os pais e lá ouviu ler o Evangelho que diz: “Bem-aventurados os que choram, ai dos que riem; Bem-aventurados os que têm puro coração”. Perguntou a um ancião como se podia adquirir tal felicidade. O outro lhe disse que era pelo jejum, pela prece, humildade, pobreza, paciência, e lhe aconselhou a vida monástica como sendo a mais elevada filosofia. Tendo recebido no coração essa semente da palavra divina, Simeão entra numa igreja de mártires, prostra-se no chão, roga Àquele que quer a salvação de todos os homens, que o conduza ao caminho da perfeição. Tendo permanecido longamente em tal postura, sobrevém-lhe um suave sono durante o qual tem uma visão que êle soía narrar assim: “Parecia-me estar cavando um alicerce, e que alguém me dizia que cavasse mais. Desejando repousar, não podia, porque êle me ordenava que continuasse a cavar. Assim procedeu quatro vêzes. Finalmente, disse-me que o alicerce era bastante profundo, e que eu podia, sem temor, erguer uma construção da forma e da altura que me aprouvesse.” A predição, observa Teodoreto, foi verificada pelo fato, pois os fatos superam a natureza humana.

Depois dessa advertência interior, entrou Simeão num mosteiro vizinho, e lá ficou dois anos. Mas o desejo de uma vida mais perfeita o fêz passar a outro, governado por um santo varão chamado Heliodoro, que para êle entrara com a idade de três anos, transcorrendo sessenta e dois sem sair. O mosteiro contava oitenta monges. Simeão demorou-se dez anos e a todos ultrapassou em austeridade, pois, enquanto os outros comiam um dia sim, um dia não, êle só comia uma vez por semana. Os superiores o repreendiam, como se se tratasse de uma irregularidade, mas não conseguiram persuadi-lo, nem diminuir-lhe o ardor pela penitência. Um dia, pegando uma corda trançada de fôlhas de palmeira e, por conseguinte, duríssima, com ela cingiu o corpo desde os rins até os ombros, de tal modo que ela lhe entrou na carne. Levou-a sob o hábito bastante tempo para que todo o corpo se transformasse em úlcera. Perceberam-no finalmente pelo cheiro e pelo sangue que dela escorria. Tiraram-lha com muito esfôrço; a roupa estava colada à carne pelo sangue; para arrancá-la, foi mister umedecê-la durante três dias; quanto à corda, houve necessidade das incisões dos médicos. A operação lhe causou dores tão vivas que o julgaram morto durante algum tempo. Quando sarou, disseram-lhe os superiores que se fôsse, de mêdo que o seu exemplo se tornasse prejudicial a homens mais fracos que pretendessem imitá-lo. Retirou-se para o deserto da montanha, e desceu a uma cisterna sêca, onde continuou a louvar a Deus. Ao cabo de cinco dias, os superiores, repreendidos por visões, arrependeram-se de o haver repelido, e mandaram procurá-lo. Encontraram-no e retiram-no da cisterna com uma corda. Algum tempo depois, rumou êle para Telanissa, localidade situada aos pés de uma montanha perto de Antioquia. Numa pequenina cabana, encerrou-se durante três anos.

Quis, então, imitar o jejum de Moisés e de Elias, e passar quarenta dias sem comer. O abade Bassus, superior de um mosteiro vizinho, estava incumbido de inspecionar os sacerdotes do campo. Simeão rogou-lhe que tapasse a porta com barro, sem lhe deixar nada na cela. Respondeu-lhe Bassus que matar-se não era um a virtude, e sim o maior dos crimes. “Meu pai, retrucou-lhe Simeão, deixai-me, então, dez pães e uma jarra de água; se tiver necessidade de alimento, tê-lo-ei à mão”. Assim se fez. Ao cabo de quarenta dias, voltou Bassus, tirou o barro com o qual estava fechada a porta e, entretanto, viu todos os pães intactos, a jarra ainda cheia de água e Simeão prostrado, sem voz, sem movimento, sem respiração. Pedindo uma esponja, o superior umedeceu-lhe os lábios, e lhe ministrou os divinos mistérios. Fortalecido, Simeão levantou-se e tomou algum alimento, isto é, alface, chicória e semelhantes verduras, que mastigou e engoliu, pouco a pouco. Bassus, arrebatado, regressou ao seu mosteiro, que contava mais de duzentos monges, e lhes narrou a maravilha. Desde então, continuou o nosso santo a jejuar dessa maneira todos os anos, quarenta dias seguidos, e já havia transcorrido vinte e oito anos em tal modo, quando Teodoreto compôs o seu trabalho. Ficava de pé nos primeiros dias, em seguida sentava-se, continuando a orar, depois estendia-se, semimorto.

Depois de passar três anos na cela perto de Telanissa, subiu ao tôpo da montanha, e mandou fazer um cinto de muralhas sem teto, no qual se encerrou, com uma corrente de ferro, de vinte côvados de comprimento, prêsa por uma extremidade a uma grande pedra, e pela outra ao pé direito, a fim de, mesmo que o quisesse, não poder sair daquele espaço. Lá, entretinha-se na meditação das coisas celestes. Melécio, então vigário de Antioquia, aconselhou-o a tirar a corrente, mostrando-lhe que a vontade bastava para manter o corpo parado com liames intelectuais. Rendeu-se Simeão e, mandando chamar um ferreiro, livrou-se da corrente.

Espalhou-se por tôda parte a reputação de Simeão, e todos acorriam a êle, não sòmente da vizinhança senão também de lugares distantes vários dias de caminhada. Levavam-lhe paralíticos, rogavam-lhe que curasse enfermidades. Os que recebiam o que tinham solicitado voltavam com alegria, e publicavam os benefícios, o que atraía ainda maior número de pessoas. Tôda espécie de povos aparecia: ismaelitas, persas, armênios, iberos, homeritas e árabes dos mais longínquos. Vinham das extremidades do Ocidente, da Itália, da Gália, da Espanha, da Grã-Bretanha. A reputação do santo estendia-se até os etíopes e os citas nômades. Em Roma, era tão grande que os artesãos tinham pôsto pequeninas imagens do santo na entrada de tôdas as lojas, para atrair a sua proteção. Teodoreto afirma que assim ouviu dizer.

Sentia-se Simeão importunado pela incalculável multidão que se apinhava em volta dêle para tocá-lo e tirar uma bênção das peles que o cobriam. Parecia-lhe impertinente submeter-se a tão excessivas honras, e penoso ser constantemente daquela maneira instado. Foi o que o levou a ficar de pé numa coluna, em grego style ou stylos, donde lhe veio o nome de Estilita. No ano de 423, mandou fazer uma de seis côvados de altura, na qual viveu quatro anos. Mandou erguer uma de doze côvados, depois outra, de vinte e dois. Ficou treze anos em ambas. Os últimos vinte e dois anos de vida, passou-os numa quarta coluna de quarenta côvados de altura. A coluna terminava com uma balaustrada, formando um pequeno recinto de três pés de diâmetro. Foi lá que Simeão se mantinha de pé, noite e dia, inverno e verão, exposto aos ventos e à chuva, à neve e à geada.

Os monges do deserto mandaram perguntar-lhe que modo tão estranho de vida era aquêle, ordenando-lhe que o abandonasse e seguisse o caminho trilhado pelos pais. Tinham dito ao enviado: “Se êle obedecer de boa vontade, deixai-o viver ao seu modo; ser resistir e se mostrar escravo da própria vontade, tirai-o da coluna à fôrça.” O enviado expôs a Simeão a ordem dos Padres, e Simeão avançou imediatamente um dos pés para descer. O enviado disse-lhe que permanecesse lá e se animasse, visto que o seu estado vinha de Deus. Os monges do Egito, escandalizados com tal novidade, mandaram dizer-lhe que estava excomungado. Melhor informados, porém, do seu mérito, de novo com êle se comunicaram.

Estranhava-se então, e ainda hoje se estranha um gênero tão extraordinário de vida. Pergunta-se qual a utilidade disso, e quais podem ser os objetivos da Providência. Os biógrafos contemporâneos de Simeão mostraram tais objetivos nos resultados para a humanidade e a Igreja. O padre Cosme, em particular, nos dá a conhecer a especial vocação de Simeão. Por duas vêzes lhe apareceu o profeta Elias num carro de fogo, e lhe recomendou fortemente duas coisas, o zêlo pela Igreja e a defesa dos pobres. “Cuida, disse-lhe, de que ninguém despreze o sacerdócio, e que todos obedeçam aos ministros sagradas. Sobretudo, porém, cuida dos pobres; saibam os infelizes de tôda espécie, os oprimidos, os órfãos e as viúvas que o teu auxílio jamais lhe faltará, e que serás sempre para êles pai e defensor. Cuida de jamais cederes às ameaças dos prefeitos e dos reis, ou de parecer ambicionar o favor dos ricos. Mas repreende com a mesma eqüidade, e em público, tanto o rico como o pobre. Sê, pois, firme, e está pronto a tudo sofrer. Arma-te de paciência e de doçura, a fim de que nunca possa coisa nenhuma arrancar-te ao dever. Depois dessa advertência celeste, Simeão decuplicou as austeridades. Durante nove anos, sofreu, entre outras coisas, de uma horrível úlcera no pé esquerdo. Todos, os sacerdotes, os bispos e o próprio imperador, por cartas, lhe rogavam descesse da coluna até que se curasse. Lá ficou êle, embora a tal dor se unissem ainda várias outras; e quando, no fim da quaresma, que êle, como habitualmente, passou sem comer nem beber, julgavam encontrá-lo morto, viram-no milagrosamente curado; recebeu a comunhão pascal das mãos do bispo de Antioquia, Domnus, sobrinho e sucessor de João.

Em breve teve o santo a oportunidade de desempenhar o novo mister. Trezentos pobres obreiros de Antioquia foram ao pé da coluna queixar-se do prefeito da cidade. Devia a corporação dêles, todos os anos, tingir de vermelho para a cidade de Antioquia, certo número de peles. O prefeito, varão cruel, teve a triste idéia de exigir três vêzes mais. Os obreiros, vendo-se arruinados por aquêle impôsto tirânico, sobretudo se se tornasse perpétuo, enviaram trezentos dos seus a Simeão o qual, comovido, mandou dizer ao prefeito que não oprimisse os infelizes, e se contentasse com o tributo comum. Riu-se o prefeito do santo, e ameaçou os obreiros de os fazer apodrecer no calabouço. Não teve tempo para isso. Ainda não tinha os trezentos legados saído do recinto de Simeão, quando alguém trouxe a notícia de que o prefeito, atacado de súbita hidropisia, rolava pelo chão torturado por espantosas dores; chegaram imediatamente cartas em que se rogava ao servidor de Deus que dêle se apiedasse; finalmente, todos os sacerdotes do seu govêrno rumaram para o pé da coluna pedindo ao santo que lhe devolvesse a saúde. Respondeu Simeão que era preciso deixar a questão a Deus; ao mesmo tempo, benzendo um pouco de água, disse: Se Deus prevê que êsse homem, uma vez curado, se há de portar melhor, desde que o molhem com esta água, sentirá a graça de Jesus Cristo; mas se Deus prevê o contrário, eu vos predigo, o enfêrmo não verá absolutamente esta água. Um mensageiro, imediatamente enviado, envidou todos os esforços; mal, porém, entrou na casa, soube que o prefeito acabava de expirar no meio de espantosas convulsões. O exemplo espalhou um salutar terror entre os maus, e reanimou a esperança dos oprimidos (1).

Uma rainha de árabes tinha um ministro que tiranizava viúvas e órfãos, bem como o país inteiro. Os habitantes enviaram legados a Simeão, que mandou dizer ao cruel ministro: Cuida de te corrigir dos crimes de que te acusam, para que, roubando o bem alheio, o teu não percas. Mas o homem, longe de aquiescer a tal censura, maltratou o enviado que lha transmitira. O castigo não tardou. Nem ainda partira o legado, quando o ministro caiu como que petrificado, e morreu dizendo: Simeão, por favor, tende piedade de mim (2).

Entretanto, foram contar a Simeão que inúmeras pessoas se queixavam das suas advertências e das suas importunas intercessões nas causas de viúvas, órfãos e outros desventurados. Tratava-se de criaturas que, pouco temendo os juízos de Deus, oprimiam o povo. Resolveu êle, então, nada mais fazer, e deixar tudo à Providência; proibiu aos discípulos que admitissem queixosos ao seu recinto, pelo menos até que lhe fôsse dado conhecer de maneira mais precisa a vontade de Deus. Vários foram, pois, obrigados a voltar tristemente. Não tardou o nosso santo em ter uma visão, na qual foi severamente repreendido pela fraqueza, e ameaçado de ver passar a outro a vocação e autoridade; a fim de reparar o êrro, foi-lhe ordenado fazer o possível para a defesa dos pobres e aflitos, e deixar o resultado a Deus.

Pouco depois, dois irmãos, ainda moços, chegaram de Antioquia para lhe rogar proteção contra o conde de Oriente, crudelíssimo varão, que os perseguia em virtude de uma velha inimizade como o pai dêles que morrera. Simeão, que fôra amigo do pai, admoestou o conde nestes têrmos: “Não façais mal nenhum a êstes rapazes, pois me pertencem.” Respondeu o conde que, longe de lhes querer mal, estava pronto a prestar a êle, com os dois rapazes, os mais humildes serviços. Era um gracejo. Aproximava-se a quaresma, em que Simeão não admitia ninguém ao seu recinto. Tendo os jovens regressado à cidade, o conde mandou prendê-los, ameaçou-os de prisão se se não submetessem a tôdas as suas exigências, e de tudo informou zombeteiramente o santo, mediante uma carta. Respondeu-lhe Simeão estas palavras: “Advirto-vos pela segunda vez; não façais o menor mal a êstes rapazes, para que não suceda sejais vós próprio levado perante a justiça, sem terdes a quem recorrer. Replicou o conde: “Sei que, durante êstes quarenta dias, fechais o vosso recinto, para passá-los no retiro. Far-me-eis, pois, o favor de empregar todo êsse tempo em me desejar o mal, pois se me desejardes o bem, não quero me sobrevenha. Simeão disse: Infeliz! Desejou a maldição em vez da benção. Deus há de ouvi-lo antes de que êle pensa.” No terceiro dia da primeira semana do jejum, dois dias depois de se haver Simeão encerrado, atravessava o conde, num carro, a praça pública, quando subitamente o detiveram cinco oficiais do palácio. Com uma corda ao pescoço foi levado ao tribunal, onde numerosos acusadores exigiam vingança pelas suas inúmeras iniqüidades. O mestre da cavalaria, que recebera as ordens secretas do imperador, condenou-o a uma grande multa e mandou que o atirassem ao calabouço. O homem, então, suplicou humildemente aos dois jovens que por êle intercedessem com Simeão, e obtivessem missivas ao imperador. Responderam-lhe os dois que era precisamente o tempo em que o santo não recebia ninguém; que, a não ser tal, trataria indubitàvelmente da sua questão com o imperador e os prefeitos do pretório. Abandonado por todos, foi o infeliz ignominiosamente conduzido por tôdas as cidades até Constantinopla, onde o imperador o privou de todos os bens e o condenou ao exílio. Não chegou sequer ao lugar de exílio, uma vez que morreu mìseramente em caminho (1).

Após semelhantes fatos, a acorrência de infelizes de tôda espécie tornou-se prodigiosa. Reclamava-se a intercessão do santo, não sòmente contra a injustiça dos homens, senão também contra tôda espécie de calamidades. Assim, o território de Afsão foi devastado por uma multidão de ratos que atacavam os próprios animais, e os habitantes não tiveram dúvida em recorrer a Simeão. Mostrou-lhes êle, em primeiro lugar, que se tratava de um castigo pelos pecados cometidos; depois, ordenou-lhes que lhe levassem ao pé da coluna um pouco de pó, com êle fizessem três cruzes em cada casa, e uma nos quatro cantos da cidade, celebrassem as vigílias, com o santo sacrifício, durante três dias, e abrandassem a Deus mediante orações. Obedeceram-lhe e no terceiro dia não se viu mais um sequer dos inúmeros bichos (2).

No meio da multidão de homens que afluíam de tôda parte, Simeão era sempre um apóstolo no trono, a pregar constantemente tanto para os cristãos como para os pagãos. Aos primeiros, lembrava a perfeição do Evangelho, com os meios de correção dos defeitos. Assim, para desabituá-los de jurar pelo nome de Deus, pedia-lhes jurassem pelo seu (1).

Várias vêzes, em seguida às suas exortações, uma paróquia, uma localidade inteira, empenhava-se por escrito em ser fiel ao trato. Vimos um exemplo na carta que lhe escreveu a localidade de Fanir. Está em nome do sacerdote Cosme, dos diáconos, dos leitores e de todo o povo, com os seus magistrados; todos, unânimemente, subscrevem aos preceitos que êle lhes impôs: santificar o domingo e a sexta-feira, não ter duas medidas, mas apenas uma, justa, não deixar ultrapassar os limites do seu campo, não recusar o salário aos obreiros, reduzir à metade o juro do empréstimo, devolver os penhores aos que pagam, julgar, segundo a eqüidade, a causa dos pequenos e dos grandes, não ter nenhuma deferência com a justiça, e não receber presentes contra quem quer que seja, não caluniar ninguém, não manter relações com malfeitores e ladrões, reprimir os desdenhadores das leis, de freqüentar assiduamente a igreja. Seja anatemizado quem violar essas regras, quem se apoderar do bem alheio, oprimir os inocentes, subornar os juízes, tirar qualquer coisa aos órfãos, às viúvas, aos pobres, ou raptar mulher. Pois tudo quanto nos prescrevestes, e que nós ratificamos, queremos seja observado no futuro. E o que prometemos, juramos cumprir, juramo-lo por Deus, por Cristo e pelo Espírito vivificante e santificante, e pela vitória dos nossos imperadores. Se alguém ousar desobedecer, seja anatemizado segundo a vossa palavra; nós o repreenderemos, não teremos ligação com êle, a igreja não lhe receberá a oferta, não assistiremos ao sepultamento dos seus (1). Vê-se por êsse exemplo a salutar influência de Simeão nos contemporâneos. O padre Cosme, que lhe dirigiu a carta assinada por todos é o mesmo que lhe escreveu a vida.

Pelas suas pregações e pelos seus milagres, convertia Simeão particularmente milhares e milhares de infiéis: iberos, armênios, persas, árabes, especialmente árabes ismaelitas. Iam vê-lo em grandes grupos de duzentos ou trezentos, às vêzes de mil, renunciavam em voz alta aos erros dos antepassados, particularmente ao culto de Vênus, e quebravam os ídolos na sua presença; recebiam o batismo, e aprendiam dos seus lábios as leis segundo as quais deviam viver. O biso Teodoreto assistiu um dia à conversão de um grupo de ismaelitas. Quase foi sufocado até, pois tendo Simeão dito que fôssem pedir-lhe benção episcopal, acudiram os ismaelitas com selvagem afoitamento; uns o puxavam pela frente, outros por trás, outros pelos lados; os mais afastados, montando nos outros, alongavam os braços, pegavam-no pela barba ou pelas vestes; ia ser esmagado, quando Simeão gritando, os afastou (2).simeão estilita

Muitas vêzes, ao pé da coluna, os credores perdoavam as dívidas aos devedores, os amos libertavam gratuitamente os escravos (3). Quando, no fim da quaresma, se reabriram as portas do seu recinto, não sòmente a montanha de Telanissa, senão também as montanhas das cercanias fervilhavam de gente. Vê-lo de longe bastava a grande número de pecadores e pecadoras para abraçarem a penitência e retirarem-se em mosteiros. Invocavam-no, tanto ausente como presente. Os marujos iam agradecer-lhe havê-los socorrido na tormenta e salvado do naufrágio (1). Os cristãos da Pérsia lhe enviavam cartas e legados para agradecer-lhe haver libertado da prisão trezentos e cinqüenta dêles, e feito cessar a perseguição com o trágico fim do mago que a instigara (2). O próprio rei da Pérsia concebeu pelo santo a mais elevada estima. A uns legados que lhe falavam do santo, perguntou como vivia êste e quais eram seus milagres. A rainha, sua espôsa, pediu azeite abençoado por Simeão e o recebeu como grande presente. Todos os cortesãos, apesar das calúnias dos magos, cuidavam de se instruir com êle, e lhe chamavam varão divino.

No meio dessa glória, era êle tão humilde que se julgava o último dos homens. De fácil acesso, doce e agradável, respondia a todos, fôsse artesão, camponês, mendigo. Dizia aos que libertara suas enfermidades: “Se alguém vos perguntar que vos curou, dizei que foi Deus; guardai-vos de falar de Simeão, pois recaireis no vosso mal”. Teodoreto, que o vira e com êle conversara várias vêzes, e que lhe escreveu o resumo da vida, bem via a dificuldade de acreditar em tais maravilhas. É por isso que diz: “Ainda que eu disponha por testemunhas, se assim devo falar, de todos os homens vivos, temo que a minha narração pareça à posteridade uma fábula inteiramente destituída de verdade. O que aqui se passa está acima da humanidade; entretanto, costumam os homens medir o que lhes diz pelas fôrças da natureza, e quando alguma coisa lhe ultrapassa os limites, afigura-se mentira aos que desconhecem as coisas divinas” (1).

No ano de 459, sofreu a cidade de Antioquia espantoso desastre.

Foi, na narrativa de uma testemunha ocular, durante a noite de 7 para 8 de junho, durante a noite do domingo de Pentecostes para a segunda-feira (2). O povo acabava de se entregar a tais desordens e brutalidades que superavam em muito a ferocidade das feras, segundo a expressão de Evagro (3). De súbito, pelas quatro horas da noite, verificava-se um tremor de terra tão furioso que fez desabar quase tôda a cidade, e sobretudo a parte mais rica e povoada. Várias localidades dos arredores tiveram a mesma sorte. O refúgio dos infelizes, na época, era o grande Simeão Estilita. Viu êste chegar ao pé da sua coluna uma multidão em pranto, sacerdotes e leigos, trazendo grandes cruzes, archotes e incensórios fumegantes. A afluência durou cinqüenta e um dias. Era tão grande o terror que ninguém ousava entrar nas casas nem trabalhar nos campos. Por tôda parte se ouviam gritos e gemidos. A única esperança da turba era Simeão. Estava pronta para tudo quanto êle ordenasse.

Após os cinqüenta e um dias de luto, houve, no mês de julho, uma grande solenidade, a última do bem-aventurado Simeão. Não creio, diz o autor da sua vida, testemunha ocular, que jamais tenha havido reunião tão numerosa; era como se Deus tivesse arrancado dos seus países todos os povos do universo para os reunir num mesmo lugar, a fim de dizer o derradeiro adeus ao seu amado servidor. Êle, como pai que dita as últimas vontades a filhos dóceis, tendo mandado chamar os sacerdotes e o povo, consolou-os a princípio, e em seguida os exortou muito a observar os mandamentos de Deus. Acrescentou, então: “Agora, voltai para vossos lares, e celebrai vigílias cristãs durante três dias; depois, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, ide, sem temor, cuidar dos vossos afazeres, e retomem os artesãos o seu respectivo trabalho; tenho a certeza de que Deus se apiedará de vós no futuro.” Disse, e a todos despediu.

Trinta dias depois da partida dêles, em 29 de agôsto, um sábado, às onze horas, na presença de alguns dos seus discípulos, o servidor de Deus foi repentinamente atacado de um mal que, alastrando-se-lhe pelo corpo todo, em breve se fêz mortal. Do domingo à têrça-feira, o seu estado foi, pouco mais ou menos, o mesmo. Entretanto, emanava-se-lhe do corpo uma suavidade e uma variedade de odores incomparáveis. Finalmente, na quarta-feira, 2 de setembro, às nove horas, estando presentes todos os discípulos, prepôs dois dêles aos demais, e recomendou todos ao Senhor. Em seguida, ajoelhou-se três vêzes e, depois de se levantar, olhou para o céu. Gritando-lhe de todos os lados a multidão: “Abençoai-nos, Senhor!” êle volveu o olhar para as quatro partes do mundo, e, erguendo a mão, o abençoou e o recomendou ao Senhor por três vêzes; depois, erguendo de novo os olhos ao céu e batendo três vezes no peito, pousou a cabeça no ombro do primeiro discípulo e expirou. A multidão continuava a lhe contemplar o rosto, sem saber se estava vivo ou morto. Um dos discípulos valeu-se do tempo e daquela incerteza, para mandar avisar às ocultas o bispo de Antioquia. Temia-se que o povo lhe raptasse o corpo. Pelo mesmo motivo, os discípulos não o baixaram da coluna para colocá-lo no relicário; pelo contrário, mostraram o relicário sôbre a própria coluna, aguardando o dia do funeral.

A nova da sua morte divulgou-se imediatamente por todo o mundo. Houve, ao mesmo tempo, luto e júbilo. Os órfãos e as viúvas perguntavam, entre lágrimas e soluços: Aonde iremos encontrar-vos agora, Simeão, vós que, após Deus, fôste a nossa única esperança? Os que se viam oprimidos pelos poderosos e privados dos seus bens exclamavam com amargura: nós, os mais infelizes dentre os mortais, agora é que iremos temer a cólera e a cobiça dos lôbos! Como livrar-nos de tais angústias? Que auxílio invocaremos? Ah, quem despertará do sono êste leão cuja voz formidável fazia tremer todos os animais ferozes? Os enfermos diziam, chorando: aonde poderemos ir, encontrar um médico igual a vós, Simeão, vós que expulsáveis a enfermidade antes de ver o enfermo? O clero o lamentava como firme sustentáculo da fé e da disciplina. Ao mesmo tempo, todos se alegravam, refletindo que, após uma vida tão santa, fôra coroado no céu.

No seu funeral, houve incontável multidão. O patriarca na Antioquia, Martírio, apareceu com vários bispos. Ardaburo, que governava o Oriente com um poder quase soberano, também apareceu com vinte e um condes, um grande número de tribunos ou generais, seguidos das tropas romanas. Os habitantes de Antioquia tinham lhe pedido a honra de conservar na cidade as relíquias do santo, para lhes substituírem as muralhas que haviam desabado. Foi com tal pompa que o corpo foi transportado, a princípio pelos sacerdotes e bispos, desde o recinto da coluna até a primeira aldeia, pelo espaço de quatro milhas; em seguida, puseram-no num carro escoltado por guardas de honras, pelos príncipes, por todos os magistrados da cidade, pelas tropas romanas e por uma multidão sem fim de povo. Ao canto dos hinos, ao esplendor dos archotes, misturava-se o perfume que ardia à passagem do cortejo. Homens e mulheres, anciãos e moços, plebeus e nobres, desertavam as cidades para venerar as relíquias do santo, e receber dêle a sua derradeira bênção. O cortejo durou cinco dias, sendo a distância de quinze léguas. Na segunda-feira, tiraram-no do recinto, na sexta-feira entrou em Antioquia, onde o corpo foi depositado na grande igreja. Um energúmeno, que fôra curado durante a passagem do corpo, o acompanhou até lá. O patriarca e o seu clero instituíram um ofício cotidiano em sua honra. Verificaram-se ainda mais milagres no seu túmulo do que os realizados durante o tempo em que vivera. O imperador pediu aos habitantes de Antioquia que lhe deixassem transportar os seus restos a Constantinopla. Mas êles lhe rogaram deixasse o corpo do santo na sua cidade, para substituir as muralhas ruídas pelo tremor de terra, o que lhes foi concedido. Eis a narração do padre Cosme, testemunha ocular, o qual, quinze anos depois da morte de Simeão, terminou de lhe escrever os atos ou a vida, em sírio.

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Notas:

(1) Assemani, Acta S. Simeon, Stylit., pág. 311.

(2) Ibid. pág. 343.

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(1) Assemani, Acta S. Simeon. Stylit., pág. 315.

(2) Assemani, Acta S. Simeon. Stylit., pág. 318.

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(1) Bolland, 5 de janeiro.

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(1) Assemani, Acta. S. Simeon. Stylit., 396.

(2) Teod. Pág. 883.

(3) Assemani, 345.

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(1) Ibid. 331-335.

(2) Ibid. 329-332.

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(1) Teod., 877, 887.

(2) Acta S. Simeon. Stylit. Evod. Assemani, p. 404. Romaem 1748.

(3) Liv. II, c. XII.

 

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-Dados da Obra-
Livro: Vidas dos Santos
5° dia de Janeiro - São Simeão Estilita
Paginas:165-183
Autor: Padre Rohrbacher
Edição atualizada por Jannart Moutinho Ribeiro sob a supervisão do Prof. A. Della Nina (Bacharel em Filosofia)
Volume I
Editora das Américas - São Paulo
Nihil Obstat Padre Antônio Charbel. S.D.B
Iprimatur São Paulo, 10 de Julho de 1959
† Paulo Rolim Loureiro Bispo Auxiliar e Vigário Geral

Um comentário:

  1. Se possível, divulgue isto daqui: http://laicatolico.blogspot.com/2010/10/vamos-ir-as-ruas-catolicos.html

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