quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Reflexões em torno do axioma: “Fora da Igreja não há salvação”

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Por R. G. Santos

 

Em meio a mentalidade atual, marcada pelo relativismo [1] e, assim, pela aversão às verdades objetivas, surgem falsas intelecções e concepções da realidade que querem se fazer valer por si mesmas, como verdadeiros “dogmas”. Dentre estas errôneas intelecções da realidade, que abarcam todo o vasto e complexo campo do ser e agir do homem, iremos nos deter de modo específico na esfera religiosa.

Nesta, tem-se dado largas a “idéias” (falsas, diga-se de passagem) do tipo “religião não salva ninguém”, “o que vale é o amor no coração”, “tanto faz ser católico ou ser protestante ”, “o importante é crer em Deus”, e etc. E as pessoas, se deixando dominar por esta verdadeira “cultura e indústria do relativismo”, acabam aclamando e “dogmatizando”, mesmo que imperceptivelmente, tais noções. E assim, “de requinte em requinte”, como diria doutor Plínio Correa de Oliveira [2], as verdades imutáveis de Cristo Rei vão sendo esquecidas e também ignoradas. De modo especial, uma destas verdades, devido aos já citados motivos acima descritos, vem sendo “ocultada” espetacularmente pela “hodiernidade”.  Trata-se do axioma “fora da Igreja (Católica) não há salvação.” Iremos nos deter na explicitação deste, que, por ser tão fundamental no Cristianismo, é talvez o mais combatido pela “indústria do relativismo” e dos menos compreendidos pelas pessoas.

Antes de mais nada é necessário ressaltar que Cristo fundou a Igreja,  seu “corpo Místico”(Cf. Col I, 18); e lhe deu uma dimensão visível (institucional) e invisível[3] alem de características próprias[4], pelas quais pudesse ser claramente identificada.  Conferiu seu governo nesta terra a um chefe, também visível, S. Pedro, “pedra sobre a qual Cristo edificou sua Igreja” (Cf. Mat XVI, 18) e, na dependência deste, instituiu também o “colégio apostólico”, composto pelos demais apóstolos. Assim sendo, ensina-nos o Apóstolo das Gentes que, no que se refere à salvação, Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens (Cf. I Tim II, 5). Se a Igreja é o Corpo Místico de Cristo, logo, para além de Cristo e de seu Corpo Místico, não pode existir salvação.  Neste sentido, quando o Santo Evangelho nos diz que Nosso Senhor Jesus Cristo é o caminho (Cf. Jo XIV, 6), entendemos que, por ser dEle seu Corpo Místico, a Igreja Católica é a única que nos conduz a salvação. Explicitando esta doutrina, o Catecismo da Igreja Católica ensina-nos que “(...) a Igreja é o redil, do qual Cristo é a única e necessária porta” (P. 216, Par. 754).

Segundo Pascucci, para que a salvação se propagasse aos homens “(...) quis [Cristo] instituir uma sociedade, onde precisamente pudessem os homens encontrar os meios de conseguir a salvação eterna. A tal sociedade chamou-lhe Igreja...” (p. 62). Ainda segundo Pascucci, é a Igreja “(...) a sociedade dos verdadeiros Cristãos, isto é, dos batizados, que professam a fé e a doutrina de Jesus Cristo, participam dos seus sacramentos e obedecem aos pastores por Ele estabelecidos” (p. 63).  Apesar de não deixar de exorcizar uma linguagem “ligeiramente” progressista em sua obra, também Battistini aceita e explicita a verdade sobre a Igreja de Cristo; que de acordo com sua reflexão é “(...) sinal de salvação: quem pertence a Igreja de Jesus, quem é membro vivo da Igreja está salvo, pois a Igreja [Católica] é Cristo continuado no tempo...”(p. 87). Falando ainda da verdadeira Igreja, Batistini conclui que “a Igreja Católica resplandece no mundo como único sinal divino de salvação” (p. 87). Por sua vez, e para lançar mais um foco de luz sobre esta nossa reflexão acerca da Santa Igreja, Negromonte afirma que a Igreja é caminho único para a comunhão com a Divindade quando diz que “o nosso contato direto não é com Deus, nem com Cristo, mas com a Igreja; unidos a Ela, unidos a Cristo, unidos a Deus...” (p. 9).  Mayer avança um pouco mais em sua reflexão acerca da Verdadeira Igreja de Cristo quando afirma que todos têm o dever de nela entrarem. Assim, diz ele que “entre os preceitos divinos, está a obrigação de ingressar na Igreja Católica, instituída por Jesus Cristo como o meio único de salvação para todos os homens” (p. 296).

Fundamentando-se assim nas evidências extraídas da Divina revelação, a Igreja definiu esta Verdade de fé, ou dogma [5] de que, por vontade de Cristo, seu divino fundador, fora dela não há salvação. Diante deste dado real da revelação e de sua difícil aceitação e intelecção na atualidade, surgem até naturalmente, poderíamos dizer, algumas duvidas acerca do correto entendimento deste axioma: Mas como se explica em pormenores esta doutrina? Se só se salvam os que pertencem à Igreja Católica, os que dela não forem membros visíveis estão invariavelmente destinados a eterna danação? Respondendo a estas questões, e explicitando pormenorizadamente este dogma, ensina-nos o Catecismo que “toda a salvação vem de Cristo–cabeça através da Igreja que é seu corpo...” (par. 846, pg. 243). Ensina-nos ainda o Catecismo, citando o Concílio Vaticano II, que “(...) não podem salvar-se aqueles que, sabendo que a Igreja Católica foi fundada por Deus através de Jesus Cristo como instituição necessária, apesar disso não quiserem nela entrar, ou então perseverar” (par. 846, p. 244).   Dando continuidade ao ensinamento do dogma, diz o catecismo ainda que

aqueles, portanto, que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e da sua Igreja, mas buscam a Deus com coração sincero e tentam, sob o influxo da Graça, cumprir por obras a sua vontade conhecida através do ditame da consciência, podem conseguir a salvação eterna” (Par. 847, p. 244). [negrito nosso]

Chegamos aqui a um ponto interessante nesta reflexão. Alguém, ao fazer uma leitura superficial desta ultima citação poderia pensar: “Então, segundo a doutrina ensinada pelo catecismo, os que sem culpa ignoram a Igreja de Cristo podem se salvar sem estar de algum modo unidos a Igreja Católica.” Ledo engano. Fazer tal interpretação seria forçar inadvertidamente o texto do catecismo. Quando o catecismo põe a possibilidade de salvação eterna aos que andam involuntária e inconscientemente no erro, é porque estes, se se salvarem, será unicamente pelos méritos de Cristo, e por derivação lógica, por meio da união, misteriosa, mas real, com seu corpo Místico. 

Os que andam no erro involuntário e numa ignorância invencível acerca da verdadeira Igreja de Cristo se salvam (ou podem se salvar) por pertencerem à alma da Igreja [6]. Segundo Pascucci

“aqueles que (...) estão no erro invencível, mas observam a própria religião de boa fé e se esforçam por agradar a Deus, segundo os lumes da consciência individual, podem pertencer à alma da Igreja e salvar-se, ou porque são efetivamente batizados ou porque têm implícito o desejo do batismo no ato de caridade que os dispõe a fazer o que Deus reclame deles” (p. 76). [negrito nosso]

Assim, quem se salva é por estar invariavelmente unido a Igreja, de uma forma ou de outra. Também Devivier aceita e expõe mais detidamente esta doutrina:

Se, com efeito, a verdadeira religião, a religião de Jesus Cristo é obrigatória para todos os homens, e, se esta religião, a única, é professada e ensinada só pela Igreja católica, apostólica, romana, força é reconhecer que fora desta Igreja não há salvação, e que ninguém pode alcançar o céu sem a ela de algum modo pertencer. Não é, portanto, a Igreja que há de ser acusada por falar assim; se algum fosse digno de censura, seria o seu divino Fundador, que tornou a sua religião indispensável para todos”(negrito nosso)[7].

 

O mais recente pronunciamento do magistério da Igreja sobre o assunto, a Declaração Dominus Iesus, da Congregação Para a Doutrina da Fé é esclarecedor. Diz a Dominus Iesus que “(...) deve crer-se firmemente que a Igreja, peregrina na terra, é necessária a salvação” (n. 20, p.39). E arremata magistralmente, contra qualquer irenismo e pregação mitigadora da verdade, que

 

“(...) Seria (...) contrário à fé Católica considerar a Igreja como um caminho de salvação ao lado dos constituídos pelas outras religiões, como se estes fossem complementares à Igreja, ou até substancialmente equivalentes à mesma...” (n.21, p. 41).[negrito nosso]

 

Tendo exposto mais detalhadamente esta verdade de Fé, podemos chegar às seguintes conclusões: É difícil dizer quem, embora não pertencendo ao corpo pertença, contudo, à alma da Igreja. Só o Senhor sabe e conhece aqueles que serão salvos. De acordo ainda com tudo o que acima foi exposto, podemos afirmar como Pascucci, que “(...) ninguém vai para o inferno sem culpa própria; (...) que Deus nos quer a todos salvos e a todos liberaliza a graça santificante...”(p. 76). Acerca do merecimento da condenação eterna, Devivier afirma que

 

“Ninguém, pois, se perde senão por culpa sua, menosprezando a lei, a qual, porém, não obriga senão depois de conhecida ou promulgada, pois não obriga em consciência a quem a desconhece. E, por isso é que o Senhor só depois de haver dito aos apóstolos: “Ide por toda a terra e ensinai o Evangelho a toda a gente”, é que acrescentou: “Quem não crer será condenado”. Supõe, pois, conhecer-se a verdade, quando se incorre em condenação por causa da incredulidade”[negrito nosso][8].

 

Esta, portanto, é uma tentativa modesta de explicitação da doutrina católica acerca da necessidade da pertença a Igreja para a salvação, sem pretender aqui esgotar tema tão amplo e rico. Doutrina esta que é tão combatida e banalizada atualmente pela já citada cosmovisão relativista, e portanto errônea, da realidade. Fujamos das vãs opiniões e reflexões dos inimigos de Cristo e de sua Igreja e nos apeguemos à verdade sempre. Afinal Cristo é a verdade (Cf. Jo XIV, 6).

 

Notas:

 

[1] Esta é, infelizmente, uma forte tendência do homem, mais acentuada na “hodiernidade”. A este respeito, cabe citar aqui um providente constatação do Papa João Paulo II acerca do relativismo atual, na Encíclica Veritatis Splendor, numero 1: “(...) Abandonando-se ao relativismo e ao ceticismo (...) ele[o homem “hodierno”] vai à procura de uma ilusória liberdade fora da própria verdade.”

[2] Fundador da Sociedade de defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP)

[3] Pascucci elucida bem a distinção entre dimensão visível e invisível da Igreja. Enquanto esta se caracteriza por ser “sobrenatural no fim a colimar, que é a vida eterna, e nos meios que nos conferem a graça...”(P. 63); aquela pode ser facilmente reconhecida por ser uma instituição. Esta instituição é, por vontade divina, desigual e hierárquica.

[4] São elas, a Unidade, a Santidade, a Catolicidade e a Apostolicidade. Por estas características podemos distinguir a Verdadeira Igreja de Cristo no mundo; visto que a Verdadeira Igreja conserva em si inseparavelmente todas elas.

[5] Verdade revelada e como tal, proposta pela Igreja para a anuência religiosa dos fiéis. O dogma é uma verdade superior, porem não contrária a razão. Sobre sua importância, diz Dom Mayer: “(...) O dogma é tão fundamental à Religião Cristã, que todos devem dele ter noção clara e exata.” (P. 4).

[6] Segundo Pascucci, a alma da Igreja “(...) é aquilo que a vivifica e lhe faz produzir obras sobrenaturais, dignas da vida eterna, como a graça santificante e os dons do Espírito Santo.” (p. 75)

[7] DEVIVIER, W. Fora da Igreja não há salvação. PERMANÊNCIA Internet

Disponível em: http://www.permanencia.org.br/revista/atualidades/fora.htm#[1]

 

[8] Idem

 

 

Referencias:

BATTISTINI, Frei. A Igreja do Deus Vivo – Curso básico popular sobre a verdadeira Igreja. Petrópolis: Vozes (38ª edição), 2008

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Edições Loyola, 1993

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ.  Declaração Dominus Iesus. São Paulo: Paulinas, 2000

DEVIVIER, W. Fora da Igreja não há salvação. PERMANÊNCIA Internet

Disponível em: http://www.permanencia.org.br/revista/atualidades/fora.htm#[1]

Acessado em: 10/12/08

 

JOÃO PAULO II. Carta Encíclica “Veritatis Splendor”. São Paulo: Paulinas, 1993

 

MAYER, Dom Antonio de castro. Por um Cristianismo autêntico. São Paulo: Ed. Vera Cruz, 1971

 

NEGROMONTE, Pe. Álvaro. A doutrina Viva. Petrópolis: Vozes, 1938

 

PASCUCCI, Mons. Francisco. Doutrina Cristã. Rio de janeiro: Editora ABC, 1939