Por Guido Manacorda
No domínio teórico: A imanência integral do materialismo histórico-dialético, (Tudo é um e um é tudo), choca inevitável e irreparavelmente contra a transcendência e a personalidade do Deus cristão-católico. Para o catolicismo, Deus existe nos seres, mas nem os seres são Deus, nem Deus é os seres. Deus existe na natureza: mas nem a natureza é Deus, nem Deus é a natureza. Deus existe no homem: mas nem o homem é Deus, nem Deus é o homem. Para o catolicismo, Deus, Ser, Espírito, Pessoa, Razão, Amor, criou o universo do nada. Nenhum, absolutamente nenhum vestígio de um tal Deus se encontra no materialismo histórico-dialético.
Além disso, negada a imortalidade da alma, aquele paraíso católico “que só tem por limites amor e luz, converte-se num grotesco paraíso terrestre, povoado por homens reduzidos à condição de térmites. Quanto a paródia da Igreja sem Deus (idem pág. 187), essa fala por si bastante eloquente.
A pessoa humana: No marxismo – [apenas como a realidade humana: o corpo social, por outro lado, o indivíduo não tem realidade alguma em si ou para si. Para Marx o indivíduo separado do coletivo social tem a mesma serventia que um dente fora de uma roda metálica, que separado dela, se lança com desinteresse para outras coisas inúteis.] O aniquilamento total da pessoa humana” no corpo social choca, não menos inexoravelmente, com a granítica afirmação do catolicismo, para quem essa pessoa é o fulcro de toda a atividade espiritual prática. [Para o catolicismo] No além, salva-se ou condena-se, não uma classe, não uma raça, não uma elite, mas sim a pessoa individual, e essa somente.
O mesmo trágico choque se verifica quando o marxismo afirma que o Catolicismo “justifica todas as infâmias e prega todas as qualidades da canalha”(Marx)[irônico e sínico]. Com tudo, isto há entre nós quem recentemente tenha declarado, com inefável candura, que o Comunismo “possui tudo o que de justiça, humanidade e espirito cristão existe ainda sobre a terra”. [O que dizer da história de um país durante um governo comunista?]
Domínio cultural: São superestruturas destinadas a desaparecer a arte, a ciência, a filosofia e, numa palavra, todas as mais altas atividades do espírito. Apenas poderão “ser salvas” se se tornarem partidária, isto é, instrumentos do partido, vítimas dóceis e destinadas ao suicídio. A intransponível distância entre o comunismo e o catolicismo pode ser facilmente observada ao confrontar-se o atual neoclassicismo da arquitetura soviética, mistura de estilo 1900 e de folclore russo, com nossas catedrais; ou o realismo pictórico e escultural da Rússia hodierna com toda a nossa milenar tradição sagrada e profana nas duas artes. O mesmo se verifica quanto às restantes superestruturas.
No domínio prático (moral e social): A luta de classes é claramente condenada pelo catolicismo. Em lugar é estatuído o princípio de que as divergências sociais devem ser resolvidas mediante uma obra legislativa e jurídica. Meta final: a concórdia e a colaboração das classes, depois de rejeitado, como manifestamente absurdo e radicalmente anticristão, o postulado de uma infalibilidade racional, e a superioridade radical de qualquer classes sobre as outras.
Trabalho: “Quem não trabalha não come”. Esta grande advertência de S. Paulo (2 Tess.,10) é introduzida na Primeira Constituição Soviética (art. 18), certamente sem a mínima consciência da sua origem cristã. São ainda diametralmente opostos os conceitos, embora sejam idênticas as palavras. Para o Comunismo, o trabalho é o homem, todo o homem (Panlaborismo). Trabalho, logo existo. Trata-se de trabalho material, é claro, já que todo o trabalho meramente espiritual é superestrutura, ídolo, fetiche.
Para o catolicismo, o trabalho é meio necessário e, por isso mesmo, nobilíssimo, da subsistência do indivíduo e da daqueles por quem é responsável. É considerado como instrumento de purificação, de elevação e de aperfeiçoamento moral. Trata-se, sem dúvida, de um primado do espírito, mas que não tira nada ao valor intrínseco do mais humilde e material dos trabalhos. Muito pelo contrário, fundamenta e unifica os dois tipos de trabalho num equilíbrio harmônico e num recíproco apoio.
Propriedade: No comunismo é praticamente destruída. Com efeito, uma propriedade sobre o que o indivíduo tem apenas um puro direito abstrato, sendo-lhe rigorosamente negado todo o uso e gozo pessoal, é uma paródia de propriedade e um escárnio cruel.
No catolicismo, porém, a propriedade privada é claramente prescrita como direito natural e característica da dignidade humana, como dom ou recompensa de Deus. O proprietário deve reconhecer-se devedor dela a Deus, e usá-la retamente para vantagem da comunidade. O desejo constante do catolicismo, embora se não divise ainda a sua realização, é que “todos sejam proprietários”. É essa a única solução digna e radical do pauperismo. A meta do comunismo, ao contrário, por infelicidade rapidamente alcançada, é estourada: “nenhum proprietário”. Consequência inevitável: uma pequena minoria riquíssima, bem alimentada, viciada, luxuosa, de altos jerarcas (políticos, diplomatas, funcionários, técnicos, escritores e artistas de partido, etc.), embora com o espectro de uma destituição imprevista sempre diante dos olhos, com a consequente confissão, arrependimento, trabalhos forçados, ou tiros de pistola na nuca; e uma maioria enorme de pobres párias, tiranizados, ludibriados, esfomeados e embrutecidos.
A este propósito, duas importantes observações se impõem. Primeira: todas as comunidades cristãs que puseram como fundamento da sua doutrina social a negação da propriedade privada _ joaquimitas, albigenses, valdenses, cátaros, anabaptistas, etc._incorreram, por esta ou outras razões, na condenação forma da Igreja católica. Segunda: a aproximação feita por tantos espíritos, que entre a comunhão de bens nos primitivos cristãos de Jerusalém, quer entre a doutrina e prática das ordens mendicantes ou de outras ordens religiosas católicas, e a doutrina e prática comunista, de modo nenhum é defensável. Num e noutro caso, tratou-se e trata-se, com efeito, de renúncia espontânea a uma propriedade particular completamente legítima, e de uma oferta da própria renúncia a Cristo _ Deus transcendente_ em espírito de caridade e de fraternidade no mesmo Cristo e no mesmo Deus; numa palavra, trata-se de um sacrifício e de um dom recíproco. O comunismo, pelo contrário, sob a pressão de uma lei inexorável e por uma imposição violenta da autoridade, que se afirma intérprete infalível desta lei, não só destrói a propriedade privada, mas constrói uma sociedade mecanizada, que nada tem de humana.
Na realidade, como se não pode servir a dois senhores, assim também se não pode admitir compromisso algum entre o ateísmo integral e a fé católica, nem entre as respectivas morais que daí resultam. Foi isto mesmo que sempre testemunharam os mártires e ainda hoje testemunham, nestes nossos tempos tão negros. A Igreja recolheu esse testemunho heroico, selando-o com o seu magistério. Aqueles que encontram “pontos de contato entre o Comunismo e o Catolicismo, no que se refere a uma maior justiça social” (Oh! Humana e cristã “justiça social” aplicada aos pobres da União Soviética!), e não veriam com maus olhos “compromissos práticos” entre duas partes, não diversos dos atualmente existentes na U.R.S.S. (isto é, um cigalho de vigiadíssima liberdade de culto, não apostolado nem de educação, pago com as mais baixas adulações ao Ditador e com o desfile do Chefe Supremo da Igreja diante de sua pessoa, juntamente com outras autoridades soviéticas, na Praça Vermelha), esses deveriam, a meu ver, antes de tomarem posições tão ligeiras sobre problemas de tal complexidade e gravidade, procurar-se uma preparação algo mais sólida. Deveriam ler, estudar e meditar as obras, ensaios e discursos de Marx, Engels, Lenine e Estaline, que evidentemente ainda não conhecem, a não ser por qualquer fragmento em segunda ou terceira mão; e tomar consciência (que evidentemente lhes falta) das Constituições, dos Códigos, dos decretos, das providências efetivas do regime soviético, dos textos oficias por ele mesmo regularmente enviados às revistas do partido espalhadas por todo o mundo, inclusive na Itália.
Então, o seu espírito, já não ofuscado por uma propaganda conscientemente mentirosa ou por uma capciosa sofística, se abriria em franca, plena e imperiosa adesão às palavras inequívocas da Divine Redemptoris: O Comunismo é intrinsecamente perverso. Não se pode admitir, em nenhum campo, a colaboração com ele, se se deseja salvar a civilização cristã. E se alguns, induzidos em erro, colaborem na vitória do Comunismo em seus países, cairão entre as primeiras vítimas do seu erro. Quanto mais as regiões, onde o Comunismo consegue penetrar, se distinguem pela antiguidade e grandeza da sua civilização cristã, tanto mais devastador aí se manifestará o ódio dos “sem Deus”.
____________________________________________
Tirado do Livro: Heresias de nosso tempo – Capítulo: Marxismo e Catolicismo, páginas 194 a 199.