Prof. Pedro M. da Cruz.
“Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo”(Mateus 28,20)
A Igreja Católica, além do poder de ensinar infalivelmente verdades de Fé e Moral - Poder de Jurisdição Magisterial DECLARATIVO, Ordinário (Universal) ou Extraordinário (Solene) – possui também, em conexão com este, o Poder de Jurisdição Magisterial CANÔNICO.
Neste modo não infalível de ensino, a Igreja goza de uma assistência prudencial do Espírito Santo que será mais ou menos prudente de acordo com a matéria e a intenção de ensinar dos detentores do poder canônico.
Explica-nos o Cardeal Journet: “Nas promessas de Jesus, ora a Pedro sozinho: ‘Apascenta minhas ovelhas.’(Jo., XXI,17), e ‘Tudo o que ligares na terra será ligado no céu.’ (Mat., XVI,19); ora a Pedro e aos outros apóstolos: ‘Tudo o que ligares na terra será ligado no céu.’ (Mat.,XVIII,18), designam-se – além dos poderes excepcionais e intransmissíveis do apostolado – dois poderes distintos por seu exercício: o poder de transmitir, de idade em idade, as revelações divinas (magistério declarativo) e o poder de promulgar decisões eclesiásticas (magistério canônico).”
Para aprofundarmos um pouco mais esta questão tão interessante transcrevemos abaixo textos do Pe. Penido, muito citado no que se refere a estes assuntos:
“Magistério não infalível. – Nem sempre a Igreja exerce o seu Magistério solene ou ordinário universal, e, por conseguinte, nem sempre assiste-lhe garantia absoluta de não errar. O Papa raramente fala ex cathedra; entretanto, ensina diariamente, já por exortação ou cartas a indivíduos, grupos, nações, já por documentos destinados à Igreja Universal: encíclicas, decisões doutrinais das Congregações romanas.
Quanto a estas últimas é de notar que são infalíveis, logo irreformáveis, quando o Papa – rara vez - as faz pessoalmente suas (Assim Pio X avalizou por motu próprio o Decreto Lamentabili do Santo Ofício – Denz. nn. 2065 a, 2114). Aprovadas, porém, na forma comum, não são absolutamente isentas de erro, logo podem vir a ser reformadas. (pelo que, combatem contra moinhos de vento os que opõem à infalibilidade papal a condenação de Galileu.)
Comporta assim o tesouro da doutrina católica enorme acervo de verdades que não são objeto de fé divina. Umas delas poderão vir a ser definidas – e por isso sói-se dizer de algumas que estão próximas da fé; por ex.: ‘Maria é medianeira de todas as graças.’ – outras jamais poderão sê-lo; por ex.: as aparições de Lourdes.
Como é sabido, a Igreja, além do Dogma, ensina também a moral. Cabe aqui igualmente a distinção entre magistério infalível (por ex.: a Igreja pregando o decálogo, definindo que o celibato religioso é mais perfeito do que o estado conjugal – Denz. 981 (Concílio de Trento) ; e o magistério não infalível, por ex.: nas grandes Encíclicas dos últimos papas, sobre a questão social ou contra os totalitarísmos, temos grande número de verdades morais ou sociais, ou de erros condenados, sem intenção de definir irrevogavelmente.
O fato de não ser este ensino absolutamente garantido contra o erro, não significa que esteja eivado de falsidade. Muita vez pode até ser considerado praticamente infalível, por ex.: a condenação do aborto médico, da esterilização, da inseminação artificial.
A diferença entre os dois tipos – infalível ou não - de Magistério provém da autoridade em virtude da qual ensina. No primeiro caso, é a autoridade imediata de Deus; a Igreja age apenas como porta-voz, transmite-nos fielmente a palavra revelada (2 Cor., 5,20). No segundo, é a autoridade imediata da Igreja, em virtude de seu poder pastoral sobre seus filhos. Sem dúvida, tal poder, a Igreja recebeu-o de Deus, porém a autoridade divina intervém apenas relativamente, como fonte e guia da autoridade da Igreja.
Figura que dê ênfase à frase: “Quem vos ouve a mim ouve, quem vos rejeita a mim rejeita.” (Luc. 10,16)
À primeira doutrinação deve corresponder, de nossa parte, a obediência da fé cristã (2 Cor., 10,5);
ao segundo, o assentimento interno, fruto de uma submissão religiosamente filial.1 Com efeito, o ensinamento não infalível da Igreja é também assistido pelo Espírito Santo,
embora não de maneira absoluta.
Muito se enganaria, pois, quem cuidasse que ele nos deixa inteiramente livres de assentir ou de discordar
. Não obrigar sob pena de heresia está longe de eqüivaler a não obrigar de todo, conforme ensina o Concílio Vaticano
I:
‘
Não bastaria evitar a perversão da Heresia, se não fugíssemos ainda diligentemente dos erros que dela se aproximam mais ou menos.’
2. Pio X condenou os que pretendiam eximir de qualquer culpa moral quem não levasse em conta as censuras decretadas pelas congregações romanas
3. Cabe à Igreja não só propor a verdade revelada, como ainda mostrar o que – direta ou indiretamente – a ela leva ou dela afasta.
Nem basta acolher este ensinamento com um silêncio respeitoso; impõe-se uma adesão intelectual.4 Dando-a, nossa piedade filial se curva a Cristo, que conferiu autoridade sobre nós a sua Esposa. Assim, embora esta modalidade de ensino não esteja garantida, de meneira absoluta, contra o erro, sempre acertamos, aceitando-a com docilidade, porque rendemos homenagem ao Senhor Jesus, nosso Mestre.”
O autor arremata na página 300:
“Quando aceitamos o ensinamento não infalível, poderia nossa obediência ser denominada de eclesiástica, pois então é a própria autoridade da Igreja que motiva assentimento. Não mais ouvimos a voz do Esposo, senão a da Esposa (porém da Esposa guiada pelo Esposo). E embora o Magistério possa errar neste ou naquele caso particular, podemos todavia atribuir-lhe uma infalibilidade global, porque em conjunto, tais decisões são verídicas e santificantes. Cristo Jesus está com a Igreja não apenas quando ela define o Dogma e a Moral, senão ‘Todos os dias’. (Mat., 28,20)
Muito melhor que obediência eclesiástica, diríamos docilidade filial.”
Cf. M. T. – L. Penido. O Mistério da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1956, p. 293-294. (n.n) (Colocamos em nota de fim de texto algumas citações para que o mesmo não ficasse pesado ao leitor.)
Sub tuum praesidium confugimus, sancta Dei Genitrix!
1 O
silêncio respeitoso liga somente a língua e a pena; rompê-lo implica malícia da vontade que se não submete; a
adesão interna liga também a inteligência – conquanto não absolutamente; negá-la implica temeridade intelectual. (
Também do Pe. Penido)
2 Denz. 1820; Código de Direito Canônico, c. 1324 [Novo Código, Cân. 754]; Pio XII,
Humani Generis, n. 17
3 Denz. 2008; cf. 1684, 1698, 1722 – Pio IX.
4 Denz. 1350 – Clemente XI ; 2007 – São Pio X
Referência bibliográfica:
RODRIGUES, Paulo. Igreja e Anti-Igreja. Teologia da Libertação. São Paulo, T. A. Queiroz, Editor, 1985, 345 pg.