sábado, 18 de abril de 2009

Doutor Angélico: fragmento da Súmula Contra os Gentios

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Filippino Lippi - O Triunfo de São Tomás de Aquino sobre os hereges - Afresco

 

Não constitui leviandade dar assentimento às coisas da fé, mesmo quando ultrapassam a nossa razão

 

No dizer da segunda Epístola de São Pedro, os que dão fé a uma tal verdade, “cuja experiência não pode ser feita pela razão humana”, não agem com leviandade, “como se andassem atrás de fábulas sofisticadas” (capítulo 1, versículo 16). Pois foi a própria Sabedoria divina, que conhece perfeitamente todas as coisas, quem se dignou revelar “estes segredos da Sabedoria divina” (Livro de Jó, capítulo 9, versículo 6).

Com efeito, Deus manifestou a sua presença, bem como a verdade do seu ensinamento e da sua inspiração, através de provas adequadas, operando de maneira bem visível coisas que ultrapassam de muito as possibilidades da natureza inteira, no intuito de confirmar as verdades que superam as forças do intelecto humano: curas maravilhosas de enfermos, ressurreições de mortos, alterações impressionantes dos corpos celestes e, o que é mais admirável, inspiração do espírito dos homens, de tal modo, que pessoas ignorantes e simples, uma vez repletas do dom do Espírito Santo, lograram em um instante a mais alta sabedoria humana e a mais elevada eloqüência.

Diante de tais coisas, uma inumerável multidão, movida pela eficácia de uma tal demonstração, não pela violência das armas nem pela promessa de prazeres materiais, e, o que é ainda impressionante, sob a tirania dos perseguidores, não somente pessoas simples, mas também pessoas muito sábias, inscreveram-se sob o signo da fé cristã, esta fé que prega verdades inacessíveis à inteligência humana, reprime os desejos da carne e ensina a desprezar todos os bens do presente mundo. Que os espíritos dos mortais dêem o seu assentimento a tudo isto, e que, menosprezando as realidades visíveis, só se desejem os bens invisíveis, eis certamente o maior milagre e a obra evidente da inspiração de Deus. Tudo isto não aconteceu de um só golpe e como que ao acaso, mas conforme uma disposição divina. Para comprová-lo, existe o fato que Deus, muito tempo antes, predisse tudo isto pela boca dos Profetas, cujos livros nós veneramos, visto que são portadores de um testemunho em favor da nossa fé.

A Epístola aos Hebreus faz referência a este tipo de confirmação, ao dizer: “Esta – a salvação do homem -, inaugurada pela pregação do Senhor, nos foi garantida por aqueles que o ouviram, apoiando Deus mesmo os testemunhos deles mediante sinais, prodígios e diversas comunicações do Espírito Santo” (Hebreus, capítulo 2, versículo 3).

Esta tão admirável conversão do mundo a Jesus Cristo constitui uma prova muito firme em favor dos milagres antigos, tal que não é necessário que eles se renovem, pois transparecem com evidência nos seus efeitos. Certamente seria um milagre mais impressionante do que todos os outros o fato de que o mundo tenha sido vocacionado, sem sinais dignos de admiração, por homens simples e de extração humilde, a crer verdades tão altas, a operar obras tão difíceis, a esperar bens tão elevados. E, mesmo assim, Deus, ainda em nossos dias, não cessa de confirmar a nossa fé pelos milagres dos seus santos.

Os fundadores de seitas procederam de maneira inversa. Tal é o caso evidente de Maomé, que seduziu os povos com promessa de prazeres carnais, a cuja base está a concupiscência da carne. Soltando as rédeas à voluptuosidade, Maomé promulgou mandamentos conformes às suas promessas, mandamentos aos quais os homens carnais podem obedecer com facilidade. No que concerne às verdades, Maomé só revelou verdades fáceis de compreender para qualquer espírito medianamente aberto. Em compensação, entremeou as verdades do seu ensinamento com muitas fábulas e com as doutrinas mais falsas. Não trouxe quaisquer provas sobrenaturais, as únicas que constituem um testemunho adequado em favor da inspiração divina, quando uma obra visível, a qual só pode ser obra de Deus, demonstra que o doutor de verdade é invisivelmente inspirado por Deus. Ao contrário, Maomé alegava que tinha sido enviado para usar a força das armas, provas que costumavam aduzir os ladrões, assaltantes e tiranos. De resto, os que desde o começo creram nele não foram pessoas instruídas nas ciências humanas e divinas, mas homens selvagens, habitantes dos desertos, completamente ignorantes de qualquer ciência de Deus, sendo que um grande número deles o ajudou, pela violência das armas, a impor a sua lei aos outros povos. Além disso, não há nenhuma profecia divina que dê testemunho em favor de Maomé. Ao contrário, Maomé deforma os ensinamentos do Antigo e do Novo Testamento mediante histórias legendárias, como se torna evidente a todo aquele que estudar a sua lei. Além disso, usando de medida cheia de astúcia, proíbe aos seus discípulos a leitura dos livros do Antigo e do Novo Testamento, que poderiam convencê-los de laborarem em erro. É, por conseguinte, evidente que os que dão crédito às palavras de Maomé o fazem com leviandade.

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Fonte: Tomás de Aquino, coleção "Os Pensadores", 1996, ed. Nova Cultural, p. 141-143.

domingo, 12 de abril de 2009

Páscoa

The Resurrection of Christ and the Women at the Tomb - Fra Angelico

 

Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo

É a Páscoa do Senhor! Festa das festas, solenidade das solenidades!

É a Páscoa do Senhor, a Páscoa do Senhor, direi outra vez em honra da Trindade: é a Páscoa do Senhor! Festa das festas, solenidade das solenidades, eleva-se, não somente acima das festas humanas e terrestres, mas até mesmo das que são de Cristo e se celebram em sua honra, assim como o sol que obscurece a luz das estrelas. Que belo espetáculo, o de ontem, das vestimentas alvas e das luzes, nossa obra, a um tempo pessoal e comum, quando homens de todas as condições e de todas as categorias iluminavam a noite com o fulgor das lâmpadas.

            Essa imensa claridade assemelhava-se à luz ofuscante que o céu nos envia do alto como um sinal, iluminando o universo com o fulgor dos astros. A imagem dessa luz era também superior à beleza das estrelas, dos anjos e da Trindade – os anjos participando da luz da Trindade – luz indivisa da qual procede toda luz, comunicando-lhes o fulgor.

            Mais brilhante e mais excelente é a solenidade de hoje. Pois a luz de ontem era o prenúncio desta grande luz que surge, era como o alegre prelúdio da festa. Hoje celebramos a própria ressurreição, não mais como esperança, mas como realidade, que atrai para si todo o universo.

Ontem, imolava-se o cordeiro; marcava-se com seu sangue os portais; o Egito chorava seus primogênitos; o Exterminador poupava-nos, diante de um sinal que respeitava e temia; um sangue precioso protegia-nos. Hoje, purificados, fugimos do Egito, do Faraó, cruel soberano, e de seus implacáveis feitores. Já não estamos condenados à argamassa e ao tijolo, e ninguém nos impedirá de celebrar, em honra do Senhor nosso Deus, o dia em que saímos do Egito, e de celebrá-lo não com o velho fermento nem com o fermento da maldade ou da iniqüidade, mas com os pães ázimos da sinceridade e da verdade (1Cor 5, 8).

            Ontem, eu estava crucificado com Cristo; hoje, sou glorificado com ele. Ontem, eu estava sepultado com Cristo; hoje, saio com ele do túmulo. Levemos, pois, nossas primícias àquele que sofreu e ressuscitou por nós. Credes que falo aqui de ouro, prata, tecidos, pedras preciosas? Ó frágeis bens da terra! Eles não saem do solo senão para cair, quase sempre, nas mãos de celerados, escravos deste mundo e do Príncipe do mundo.

            Ofereçamos nossas próprias pessoas, que são o presente mais precioso aos olhos de Deus e o mais próximo dele. Rendamos à sua imagem o que mais a ela se assemelha. Reconheçamos nossa grandeza, honremos nosso modelo, compreendamos a força desse mistério e as razões da morte de Cristo.

            Sejamos como Cristo, pois Cristo foi como nós. Sejamos deuses para ele, pois ele se fez homem por nós. Ele tomou o pior, para dar-nos o melhor; ele se fez pobre, para nos enriquecer com sua pobreza; ele tomou a condição de escravo, para obter-nos a liberdade; ele se abaixou, para exaltar-nos; ele foi tentado, para nos ver triunfar; ele se fez desprezar, para nos cobrir de glória. Ele morreu, para salvar-nos. Ele subiu aos céus, para atrair-nos até ele, a nós que roláramos no abismo do pecado.

            Demos tudo, ofereçamos tudo àquele que, por nossa causa, se deu a si mesmo como preço de nossa redenção. Não daremos nada de maior que nós mesmos, se compreendermos esses mistérios e nos tornarmos para ele tudo o que se tornou para nós. 

 

Oratio 45, 2, in Sanctum Pascha: Patrologia Grega 36, 623-626;
Oratio 1, 3-5, in Sanctum Pascha et in tarditatem: Patrologia Grega 35, 398-399

 

Fonte: http://www.osb.org.br/lectio_08abril07.html