Não cabe neste livro a história da vida pública de nosso Senhor. Embora tenha sido de três anos apenas, é bastante longa, movimentada e complexa. As poucas noções aprendidas na História Sagrada devem ser completadas com a leitura constante dos Santos Evangelhos e o estudo de uma boa vida de Jesus (1). Mas não podemos deixar de dar aqui, ao menos, uma visão de conjunto. Muitas vezes perguntamos: Como seria Jesus Cristo? A esta pergunta pretendemos responder.
A fisionomia exterior
Só podemos imaginar que Jesus tenha sido homem de extraordinária beleza. Não de uma beleza suave e doce, como nossa Senhora, mas de uma beleza máscula, forte e viril como devem ser os homens em todo o seu esplendor. O salmista tinha profetizado: “Superas em formosura a todos os homens” (Sl 44, 3). A impressão extraordinária que ele causava a todos que o viam havia de ser, em grande parte, devida à sua fisionomia.
Naquele semblante magnífico destacava-se o olhar. Ele mesmo disse que a luz do corpo está no olhar (cfr. Mt 6, 22). A gente imagina que ele teria olhos tranquilos, luminosos e profundos, olhando para os homens com uma expressão e uma força, que os Evangelhos nos deixam entrever. Foi assim que bastou um olhar de Jesus a são Pedro para o que o Apóstolo compreendesse todo o mal da sua negação e saísse a chorá-la amargamente (cfr. Lc 22, 61).
Um homem forte
Jesus não era nem podia ser um homem franzino e doentio. A sua figura denotava um homem de grande vigor físico, como é fácil de ver pelos Evangelhos.
Era um trabalhador infatigável. Levante-se, ainda alta madrugada (Mc 1, 35) e desde a aurora já chama os Apóstolos para o trabalho (Lc 6, 13).
Os seus dias são cheios até alta noite, às vezes sem ter nem tempo de comer (Mc 3, 20). Mesmo enquanto descansa um pouco, trabalha, como no episódio da Samaritana (cfr. Jo 4, 6 e ss). E ainda de noite, ia atender aos que o procuravam (cfr. Jo 3, 2).
Não tinha sequer onde reclinar a cabeça (cfr. Mt 8, 20), vivendo, portanto, em longas e constantes caminhadas através dos caminhos poeirentos ou montanhosos da Judéia e da Galiléia.
Só um homem forte e robusto seria capaz de viver assim.
Um dominador
O Evangelho nos mostra Jesus admiravelmente calmo e imperturbável.
Quando a tempestade se levanta e a barca parece naufragar, os Apóstolos se desorientam, mas Jesus continua calmo e senhor da situação (cfr. Mt 8, 26).
Em face dos inimigos, que lhe propõem questões terríveis para perdê-lo, conserva a mesma serenidade inquebrantável (Mt 22, 18-22).
O próprio demônio não o perturba, nem nas tentações do deserto (Mt 4, 4, 7 e 10) nem nas outras oportunidades em que fazia o espanto dos homens (cfr. Mt 8, 28).
Dominava a todos. Quando pregava, todos reconheciam a sua autoridade, até mesmo os adversários. Os inimigos, por fim, não tinham mais coragem de lhe dirigir perguntas, porque ele os esmagava com suas respostas admiráveis. Os próprios discípulos viam nele uma tão elevada autoridade, reconheciam nele uma tão grande superioridade que, às vezes, não ousavam ao menos interrogá-lo (cfr. Mc 9, 31). Ele vivia no meio do povo, amigo de todos, compadecido de todos, acessível a todos; mas era tal o seu poder de domínio que ninguém lhe ousava tocar (Mt 9, 20) e, embora atraídos por ele, se sentiam também tomados de um respeito, que chegava a ser verdadeiro medo (cfr. Mc 10, 32).
Homem de coragem
Já vimos como se porta Jesus diante da tempestade: os outros tremem apavorados, ele está tranquilo. Os demônios fazem o povo fugir: Jesus os enfrenta e vence.
Os seus inimigos não descansam. Não podendo diminuir o seu prestígio diante do povo, os fariseus mandam agentes para o prender (Jo 7, 32): Jesus os enfrenta, e eles nada fazem. Tomam pedras para o matarem (Jo 10, 31), Jesus nem pestaneja diante deles. Atiram-se indignados contra ele (Lc 4, 30), e ele, em vez de fugir, passa corajosamente pelo meio deles. Aconselham-no a fugir, porque Herodes quer matá-lo (Lc 13, 31). Ele responde chamando ao rei de “raposo” e dizendo que continuará a sua missão até o fim.
Eram sem dúvida por causa dessas coisas que o povo tanto o admirava, porque o povo gosta dos homens dominadores e de coragem.
A bondade de Jesus
Era extremamente bom.
Compadecia-se dos que sofriam, a ponto de multiplicar o pão para saciar os famintos no deserto (Mt 15, 32) e ressuscitar o morto para consolar a pobre mãe chorosa (Lc 7, 14). São inúmeras as curas que fez, para aliviar os padecimentos humanos.
O povo humilde lhe despertava vivos sentimentos de piedade (cfr. Mt 9, 36; Mc 8, 2). Chama os que sofrem e estão sendo oprimidos, prometendo aliviá-los (Mt 11, 28). Atrai os pequeninos, e repreende os Apóstolos porque os afastam (Mc 10, 14). Trata os pecadores com especial carinho, dizendo mesmo que eles precisam de mais cuidados, porque são doentes (Mt 9, 12). Tem os seus amigos particulares, aos quais quer tanto bem a ponto de chorar quando eles morrem (Jo 11, 35).
Mas a bondade de Jesus não é uma bondade mole e complacente com o mal. Diante da hipocrisia, ele desencadeia as suas repressões severíssimas (Mt 23, 14 ss) Ao ver o desrespeito pelo templo, toma o chicote e expulsa decididamente os profanadores (Mc 11, 15). Quando Pedro se opõe à sua missão, ele o repele, chamando-o de Satanás (Mt 4, 10).
Um decidido
Esta energia do Mestre bem nos mostra a sua decisão. Desde menino que ele foi assim. Quando nossa Senhora o encontrou no templo entre os doutores da lei, e perguntou por que ele tinha feito aquilo, a resposta foi esta: “Não sabeis que é necessário que me ocupe das coisas de meu Pai?” (Lc 2, 49).
Mais tarde, quando chamar os seus discípulos, a primeira coisa que exigirá deles é esta decisão pronta e heróica às vezes. “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos” (Mt 8, 22). E chama com uma tal decisão que eles deixam tudo, para segui-lo (Mt 1, 16; Mc 1, 20).
Tem apenas 12 Apóstolos, mas se esses não quiserem crer nas suas palavras, podem ir-se embora: “E vós também não me quereis abandonar?” (Jo 6, 68).
Quando Jesus decidiu uma coisa, ninguém se lhe oponha, porque já está decidido. Ele sabe o que quer, e sabe admiravelmente querer. É por isto que ele podia ensinar a seus discípulos: “Seja o teu sim, sim, e o teu não, não” (Mt 5, 37).
Com semelhante modo de agir, ele ama os que sabem ser decididos e lhes promete enorme recompensa (Mt 19, 28), mas se entristece ao ver homens indecisos (Mc 10, 23).
O grande prestígio
Vinha de tudo isto o imenso prestígio de Cristo no meio do povo, dos discípulos e dos próprios inimigos.
A sua vida era realmente misteriosa e incompreensível. Cheio de misericórdia com os pecadores, mas terrível na sua cólera contra os fariseus e os hipócritas. Obediente à autoridade, chamara de raposo ao próprio rei. Atrai as criancinhas, conversa com os homens simples e as mulherzinhas do povo, mas infunde nos que o cercam um tal respeito que chega a ser verdadeiro temor (Mc 9, 5; 4, 40; 9, 31).
A todos dava a impressão de ser um homem diferente dos outros homens. A sua superioridade era reconhecida até dos inimigos (Mc 12, 14).
Causava maravilha o seu modo de viver. Ele multiplicara o pão para alimentar o povo, mas deixava os Apóstolos padecer fome. Cura doentes e ressuscita mortos, mas se cansa a ponto de dormir ao relento e repousar ao longo dos caminhos. Quando quis dinheiro para pagar o imposto, fê-lo tirar da boca de um peixe; mas vivia das esmolas que lhe davam. Em face da sua vida de pobre, os seus milagres são um verdadeiro mistério; mas em vista dos seus milagres, a sua vida é realmente incompreensível.
No capitulo seguinte, provaremos que este homem é também verdadeiro Deus; mas, mesmo diante do povo que não sabia que ele era Deus, o seu prestígio era tão grande que fazia as máguas e a inveja dos seus adversários.
Para viver a Doutrina
A humanidade vive voltada para Jesus Cristo. Ele é o “sinal de contradição” (Lc 2, 34), a quem os homens amam ou odeiam. Mas nós devemos amá-lo, admirá-lo, segui-lo.
Para isto, precisamos de conhecer a Jesus. A sua vida está nos Evangelhos. Ler e estudar os Evangelhos é uma obrigação. É uma necessidade. Só assim, a figura de Jesus terá aos nossos olhos as suas verdadeiras proporções. Quanto melhor o conhecermos, tanto mais o amaremos.
Uma literatura mal intencionada costuma apresentar nosso Senhor como “o doce e meigo Rabi da Galiléia”, uma figura suave e afeminada. Repilamos esta literatura. O verdadeiro Jesus era de uma bondade infinita, porém másculo, corajoso, decidido, amigo dos pecadores, mas inimigo irreconciliável do mal.
Para Jesus devem ser os nossos entusiasmos, o nosso ardor, a nossa admiração. Ele é o nosso herói, o nosso ideal, o nosso Senhor.
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N. do E.: alguns acentos foram acrescentados ao texto original para melhor adaptá-lo à ortografia atual.
Livro: A Doutrina Viva - para o curso secundário
Autor: P. A. Negromonte
Editora "Vozes" - Petrópolis - Est. do Rio
Páginas: 72 - 79
NIHIL OBSTAT. Petrópoli, die Juanuarii MCMXXXIX. Fr. Fridericus Vier, O.F.M. Censor.
IMPRIMATUR. Por comissão especial do Exmo. e Revmo. Sr. Bispo de Niterói, D. José Pereira Alves. Petrópolis, 10-03-1939. Frei Heliodoro Müller, O.F.M.