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sexta-feira, 22 de julho de 2011

SOBRE O CONHECIMENTO NA PERSPECTIVA KANTIANA E INFLUÊNCIA DE DESCARTES


Immanuel Kant


Por Fr. R. G. dos Santos

INTRODUÇÃO
O presente texto tem como objetivo instaurar uma compreensão acerca do modo Kantiano de conceber a possibilidade do conhecimento. Para isso, iremos nos deter no que se convencionou chamar “revolução copernicana na filosofia”. Nela, iremos perceber a valorização da noção de sujeito na aventura epistemológica e chegar a uma explicação plausível da realidade. Nessa perspectiva, vamos estabelecer uma relação entre a proposta kantiana e aquela forjada por Descartes, percebendo, então, como foi a influência do pensador do “cogito”, na reflexão do ilustre prussiano”.
Ao final, teremos instaurado uma compreensão acerca da proposta kantiana do processo de conhecimento que marcará profundamente o pensamento hodierno.
REVOLUÇÃO COPERNICANA E SUA TRANSPOSIÇÃO PARA A FILOSOFIA
Para entendermos o que foi a revolução copernicana na filosofia, faz-se mister remetermo-nos ao que foi, pelo menos em seus aspectos gerais, a “originária” revolução copernicana.
Copérnico, ao analisar os fenômenos da realidade física e propor uma explicação adequada para eles, propôs uma inversão radical na dinâmica da relação entre a terra e o sol. Ao contrário do aceito naquele tempo, ele considerou que o sol era fixo no cosmos, enquanto a terra gira ao seu redor. Tal concepção “desalojou”, por assim, dizer, as teorias de cunho geocêntrico que eram então tidas como certas.
Analogamente, a “revolução copernicana na filosofia” vai produzir um efeito de semelhantes proporções. Como? “Desalojando” uma noção de conhecimento que até então se erguia como factual: o sujeito deve adequar-se ao objeto no processo epistêmico. Tal noção, que toma vigor em Aristóteles e é assumida no medievo, começa a ser abalada já em fins da Idade Média.
No início da Idade Moderna, com Descartes, há sinais mais evidentes de abalo no “equilíbrio” da relação sujeito e objeto. Embora não demonstre em suas reflexões um menosprezo tácito pela possibilidade de o objeto evidenciar-se a, Descartes acentua com alguma ênfase, a importância do sujeito para a percepção da realidade como algo concreto. Afinal, é a partir do “cogito” realizado pelo sujeito que se passa à consideração das demais coisas.
Em Kant, a idéia de sujeito, já levantada por Descartes, embora não aprofundada por ele bem como sua importância, é redimensionada e quiçá, radicalizada. Ele chega à conclusão de que o sujeito é a instância norteadora no processo de conhecimento. Em outros termos, propõe que não é o homem que deve se deixar conduzir pelo que o objeto é em si. Ao contrário, são os objetos que devem subordinar-se às determinações e intuições do sujeito.
Dito de outra forma, os objetos aqui passam a ser regulados pela natureza da prerrogativa intuitiva do homem, que possui categorias à priori do entendimento e da sensibilidade, por exemplo, para dar cabo à aventura cognitiva.
Eis mostrada, grosso modo, o que seja a revolução copernicana na filosofia. A relação entre sujeito e objeto é, como vimos, “re-feita” em seus aspectos essenciais. O acento no sujeito cognoscente é evidente. Mais do que isso, há claro acento na noção de subjetividade, ou dito de outra forma, naquilo que seja o homem de fato, entendido,  sobretudo, como autonomia e liberdade.
A esse respeito, surge o questionamento. Até que ponto podemos perceber, nesse processo de “intervenção cognitiva” desenvolvido por Kant, uma influência de Descartes? Vemos que há aqui duas notações de relevância a serem feitas.
Em primeiro lugar, é nítido que Kant parte da idéia cartesiana relativa ao sujeito enquanto instância capaz de conhecer. Afinal, foi o ilustre e controvertido filósofo francês que abriu à filosofia essa perspectiva com certa ênfase. Entrementes, Kant irá desenvolver e radicalizar a noção de sujeito e até de subjetividade. 
René Descartes
Desse modo, se em Descartes a idéia de sujeito enquanto ser pensante parece estar posta em função de comprovar a realidade dos objetos, em Kant ela tem status de determinante dos mesmos, pelo menos em seus delineamentos essenciais.
Aqui, o sujeito que se define como, autoconsciência e liberdade, passa a tematizar as coisas. É, portanto, um acento radical no mesmo (sujeito) que supera em larga medida a proposta cartesiana embora dela seja como que uma conseqüência lógica.
CONCLUSÃO
São estas, portanto, as considerações a serem feitas a respeito da reviravolta kantiana na filosofia, sob a égide da questão do sujeito e de seu papel no processo de conhecimento. Há aí uma ênfase no “eu” que produzirá marcas profundas no pensar filosófico que se seguirá até a contemporaneidade.
OBRAS CONSULTADAS
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Trad. J. Gunsburg e Bento Jr. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
KANT.  Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rodhen e Udo Moosburguer. São Paulo: Abril Cultural, 1980
REALE,Giovanni, ANTISSERI, Dário. História da Filosofia- vol. 4 de Espinosa a Kant. São Paulo: Paullus, 2004.

terça-feira, 6 de maio de 2008

A Filosofia de Kant

Kant: a verdade subjetiva

Por Peter Kreeft

Resumo:Immanuel Kant (1724-1804) parecia ser uma pessoa cordial e pacata. Poucos daqueles que o conheceram talvez imaginassem que as suas teorias teriam um impacto destruidor sobre a filosofia e a mentalidade contemporâneas.
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Na história da filosofia, houve poucos pensadores tão ilegíveis e áridos como Immanuel Kant. Contudo, poucos tiveram um impacto tão devastador sobre o pensamento humano como ele.

Conta-se que Lumppe, o seu dedicado assistente, teria lido fielmente cada uma das publicações do mestre. Mas nem mesmo ele conseguiu ler a obra mais importante publicada pelo filósofo, A crítica da razão pura; na verdade, chegou a começar a leitura, mas interrompeu-a dizendo que, se tivesse de terminá-la, haveria de ser num hospital psiquiátrico. Desde então, muitos estudantes têm-se feito eco dessa opinião.

No entanto, penso que esse professor abstrato, que escrevia em estilo abstrato sobre questões abstratas, é a fonte primária da idéia mais perigosa de todas para a fé (e, portanto, para as almas): a idéia de que a verdade é subjetiva.

Os simples cidadãos da sua Königsberg natal (atual Kaliningrado, Rússia), onde o filósofo viveu e escreveu durante a segunda metade do século XVIII, parecem ter entendido isso melhor do que muitos acadêmicos profissionais, porque lhe deram o apelido de “o destruidor” e davam o seu nome aos cachorros.

Pessoalmente, Kant era um homem amável, gentil e piedoso, tão pontual que os vizinhos ajustavam os relógios pelos seus passeios. Também o intuito básico da sua filosofia era nobre: restaurar a dignidade humana num mundo cético que idolatrava a ciência.

Essa intenção pode ser ilustrada com o seguinte episódio. Em certa ocasião, Kant assistiu à palestra de um astrônomo materialista sobre o lugar do homem no universo. Quando o cientista concluiu a palestra com as palavras: “Assim, vemos que o homem é evidentemente insignificante em termos astronômicos”, o filósofo levantou-se e disse: “Professor, o senhor esqueceu o mais importante: o homem é o astrônomo”.

No entanto, mais do que qualquer outro pensador, foi ele quem impulsionou a deriva tipicamente moderna da objetividade para a subjetividade. Isso pode parecer bom até nos darmos conta de que implicava a redefinição da própria verdade como algo subjetivo. E as conseqüências dessa idéia têm sido catastróficas.

Quando conversamos com alguém que não crê, percebemos que o obstáculo mais comum à fé hoje em dia não é nenhuma dificuldade intelectual honesta (como o problema do mal ou o dogma da Trindade), mas a convicção de que a religião não pertence ao campo dos fatos nem das verdades objetivas. Assim, qualquer tentativa de tentar convencer outra pessoa de que a fé é verdadeira – objetivamente verdadeira, verdadeira para todos – passa a ser considerada de uma arrogância intolerável.

De acordo com essa mentalidade, a religião é teórica, não prática; tem a ver com valores, não com fatos; é subjetiva e privada, não objetiva e pública. O dogma seria um “extra”, e um “extra” daninho, porque fomentaria o dogmatismo. Ou seja, a religião, no fundo, não passaria de uma ética. Além do mais, uma vez que a ética cristã é muito parecida com a ética das outras grandes religiões, pouco importaria se você é cristão ou não; o importante é ser “boa gente”. (Geralmente, as pessoas que acreditam nisso também acham quase todo o mundo “boa gente”, com exceção de Adolf Hitler e Charles Manson).

Kant é em larga medida responsável por essa maneira de pensar. Ele ajudou a enterrar a síntese medieval entre fé e razão, e descreveu a sua filosofia como “tirar do caminho as pretensões da razão para abrir espaço à fé”, como se fé e razão fossem inimigas, não aliadas. Assim, consumou o divórcio entre fé e razão iniciado por Lutero.

O filósofo pensava que a religião jamais poderia ser objeto da razão – uma evidência, um argumento ou sequer um objeto de conhecimento –; deveria ser unicamente uma questão de sentimentos, de emoções e de atitudes. Esse postulado influenciou profundamente a maior parte dos educadores religiosos atuais (entre os quais redatores de catecismos e teólogos), que deixaram de lado a rocha-mãe da fé, os fatos objetivos narrados na Sagrada Escritura e resumidos no Credo dos Apóstolos. Fregueses da filosofia kantiana, divorciaram a fé da razão e casaram-na com a psicologia pop.

“Duas coisas me deixam maravilhado”, confessou Kant certa vez: “o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim”. Aquilo que maravilha um homem preenche o seu coração e dirige o seu pensamento. Reparemos que, entre as coisas que maravilham o filósofo, não estão Deus, Cristo, a Criação, a Encarnação, a Ressurreição e o Juízo, mas apenas “o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim”.

“O céu estrelado” é o universo físico, tal como a ciência moderna o entende; e tudo o mais é relegado para o campo da subjetividade. Assim, a lei moral não estaria “fora”, mas “dentro de mim”; não seria objetiva, mas subjetiva; enfim, não seria uma Lei Natural com certos e errados objetivos, mas uma lei feita por nós mesmos à qual escolhemos vincular-nos. (Mas será que estamos realmente vinculados quando só nos vinculamos a nós mesmos?) A Moral seria, portanto, apenas uma questão de intenção subjetiva; não teria qualquer conteúdo com exceção da Regra de Ouro* (o “imperativo categórico” de Kant).

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(*) A regra de ouro é considerada classicamente o princípio central de toda a ética. Na sua formulação negativa – “não farás aos outros aquilo que não queres que te façam” –, encontra-se em diversos pensadores de quase todos os povos. Cristo deu-lhe uma formulação positiva: Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles (Mt 7, 12) (N. do T.).
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Se a lei moral veio de Deus e não do homem, o homem não seria livre no sentido de ser autônomo, o que é verdade. Mas, para Kant, o homem tem de ser autônomo, e portanto a lei moral não vem de Deus, e sim do próprio homem. Partindo da mesma premissa, a Igreja afirma que a lei moral realmente vem de Deus, e portanto que o homem não é autônomo; ele é livre para optar por obedecer-lhe ou não, mas não é livre para criar a lei.

Embora se considerasse cristão, o filósofo negou explicitamente que pudéssemos conhecer ao certo a existência (1) de Deus, (2) do livre arbítrio, e (3) da vida eterna. Disse que deveríamos viver como se essas idéias fossem verdadeiras, porque caso contrário não levaríamos a moral a sério. É essa justificação da fé por razões puramente práticas que constitui um erro terrível. Kant acredita em Deus não porque Ele exista, mas porque é útil. Se for assim, por que não acreditar no Papai Noel? Se eu fosse Deus, preferiria um ateu honesto a um deísta desonesto; e penso que Kant é um deísta desonesto, porque há apenas um único motivo honesto para acreditar seja no que for: o fato de essa coisa ser verdadeira.

Aqueles que tentam vender a fé cristã no sentido kantiano, como um “sistema de valores” em vez da verdade, têm fracassado geração após geração. Com tantos “sistemas de valores” no mercado, por que deveria alguém preferir a variante cristã a outras mais simples, com menos teologia e com uma moral mais fácil e menos inconveniente?

Com efeito, Kant fugiu da batalha ao bater em retirada do campo dos fatos. Acreditava no grande mito do século XVIII, o Iluminismo (nome irônico!). Acreditava que a ciência de Newton tinha vindo para ficar e que, para sobreviver, o cristianismo teria de encontrar um lugar na nova paisagem mental esboçada pela nova ciência. E o único lugar que lhe sobrava era a subjetividade.

Isso implica ou ignorar os acontecimentos sobrenaturais e miraculosos da história do cristianismo ou interpretá-los como mitos. A estratégia de Kant foi essencialmente a mesma que seguiria Rudolf Bultmann (1884-1976), o pai da “demitologização” e talvez o principal responsável pela perda da fá entre inúmeros universitários católicos. Muitos professores de teologia perfilham as suas teorias exegéticas, que reduzem os milagres contidos na Bíblia, relatados por testemunhas oculares, a simples “mitos”, “valores” e “interpretações piedosas”.

Com relação ao suposto conflito entre fé e razão, Bultmann disse: “A visão científica do mundo veio para ficar e fará valer os seus direitos contra qualquer teologia, por mais impositiva que seja, que venha a entrar em conflito com ela”. Ironicamente, a “visão científica do mundo” oferecida pela física de Newton e aceita como absoluta e imutável por Kant e Bultmann é hoje quase universalmente rejeitada pelos próprios cientistas!

A questão básica de Kant era: Como podemos conhecer a verdade? Na sua juventude, aceitava a resposta racionalista de que conhecemos a verdade pelo intelecto, não pelos sentidos, e de que o intelecto possuía as suas próprias “idéias inatas”. Mais tarde, leu o empirista David Hume, que, em palavras do próprio Kant, o “despertou do sono dogmático”. Como outros empiristas, Hume acreditava que o homem só pode conhecer a verdade mediante os sentidos e que não existem “idéias inatas”. Mas as premissas de Hume conduziram-no ao ceticismo, à negação de que seja possível conhecer a verdade com certeza. Kant considerou inaceitáveis tanto o “dogmatismo” racionalista como o ceticismo empirista e procurou uma terceira via.

Ora, havia uma terceira teoria disponível desde os tempos de Aristóteles: a filosofia do senso comum, que é o realismo. De acordo com o realismo, podemos conhecer a verdade por meio do intelecto e dos sentidos, desde que ambos trabalhem corretamente em conjunto, como as lâminas de uma tesoura. Em vez de voltar-se para o realismo tradicional, Kant inventou toda uma nova teoria do conhecimento, geralmente chamada idealismo. Considerava-a a sua “revolução copernicana na filosofia”. Mas o nome mais simples para ela é subjetivismo, pois o que pretende é redefinir a própria verdade como subjetiva, não objetiva.

Todos os filósofos anteriores tinham dado por assente que a verdade é objetiva. Aliás, de acordo com o senso comum, é simplesmente isso o que queremos dizer ao falar de “verdade”: conhecer o que realmente é, conformando a mente segundo a realidade objetiva. Alguns filósofos (os racionalistas) julgavam ser capazes de atingir essa meta apenas com a razão. Os primeiros empiristas (como Locke) julgavam que podiam atingi-la através dos sentidos. O empirista cético Hume, posterior, julgava que não havia maneira alguma de atingir com certeza a verdade.

Kant negou a premissa comum a essas três filosofias concorrentes, ou seja, negou que a verdade devesse ser atingida, que a verdade significasse conformidade com a realidade objetiva. A “revolução copernicana” de Kant redefine o próprio conceito de verdade como realidade que se conforma segundo as nossas idéias. “Até hoje, sustentava-se que o nosso conhecimento devia adequar-se aos objetos [...]. Haverá mais progresso se assumirmos a hipótese contrária, de que são os objetos de pensamento que devem adequar-se ao nosso conhecimento”.

Kant afirmou que todo o nosso conhecimento é subjetivo. Bem, essa afirmação é um conhecimento subjetivo? Se é, então o conhecimento desse fato também é subjetivo, et cetera, e todos estamos aprisionados num infinito salão de espelhos. A filosofia kantiana é perfeita para o inferno. É possível que os condenados creiam não estar realmente no inferno; seria apenas coisa da cabeça deles. E talvez seja isso mesmo: é possível que o inferno seja exatamente assim.

Peter Kreeft
Professor de Filosofia no Boston College. É autor de mais de uma dezena de livros de filosofia e apologética cristã.

Site do autor
www.peterkreeft.com

Tradução e fonte: http://www.quadrante.com.br/