Mito estúpido e venenoso, o da alma irmã criada especialmente para cada um de nós e que é suficiente encontrar para realizar na terra o paraíso do amor. Sem dúvida, um mínimo de harmonia pré-estabelecida é indispensável á eclosão de um grande amor, mas este mínimo de consonância entre as almas pode ser realizado a priori por centenas de mulheres em relação a um homem e por centenas de homens em relação a uma mulher. É precisa toda a candura da juventude e uma completa ignorância da vida para desconhecer esta verdade. É preciso também muito orgulho: julgar-se único e solitário como um deus a quem só um outro deus, igualmente único e solitário, pode compreender e amar.
Um só Tristão para uma só Isolda: divinização do amor humano que, como todas as idolatrias, conduz em linha recta à destruição do ídolo. D. João é filho de Tristão e parece-se tremendamente com o seu pai. Ambos se encontram cativos do mito do amante único e perfeito, preparado de antemão pelo destino: um imagina possuí-lo, outro procura-o. Ambos crêem no absoluto, no paraíso do amor, mas num paraíso gratuito e terreno, criado pelo mero encontro e pela simples presença.
Na realidade a harmonia única e insubstituível entre duas almas, não é mais, na hora do encontro, que um começo indeterminado no meio de uma ganga de ilusão. É da comunhão quotidiana, das alegrias, das dores, dos esforços e sacrifícios partilhados que ela tirará depois a sua forma precisa e imutável. “A alma irmã”, “a metade de nós mesmos”, não é dada a priori, mas posteriori: são o nosso amor e a nossa fidelidade que a criam. Ela poderia ter sido outra, mas, depois da prova do amor, ela só podia ter sido essa. A esposa única merece-se. A verdadeira monogamia, isto é, a fusão de dois destinos, encontra-se mais no termo do que na origem do amor.
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Livro:O QUE DEUS UNIU, p. 179-180
Autor: Gustave Thibon