Por Prof. Pedro M. da Cruz
“O que adorais sem conhecer, eu vo-lo anuncio!” [1]
“É Nele que temos a vida, o movimento e o ser.” [2]
“No seu amor Ele nos predestinou...” [3]
A via espiritual é um caminho inevitável para o homem. Pela própria estrutura do seu ser, quer queira, quer não, (mesmo que não o busque conscientemente) descobrir-se-á envolvido nas teias dessa realidade que o solicita, penetra e consome.
Todas as coisas existem em Cristo. Como, então, imaginar um vivente neste mundo que não se suponha, ao menos confusamente, submergido nesta magnífica atmosfera? “Nele foram criadas todas as coisas... por Ele e para Ele.” [4]
Claro: a alguém que jamais ouviu falar da Revelação Sobrenatural, caberá sentir-se nesta “atmosfera crística” dum modo todo peculiar ao seu estado; porém, não será privado desta graça. Num dado momento terá aquela impressão “sem nome”, então, idéias correlatas surgirão “num pulo” em sua mente, e, por fim, ver-se-á às portas de especulações metafísicas.
Tudo isso parecerá improvável ao leitor, talvez, “sofisticado demais” para ocorrer em mentes simples como a de silvícolas, “famintos da áfrica” ou dementes, porém, as nuances em que podem dar-se essas “experiências” variam ao infinito. Além do mais, antes de chegarem às aprimoradas formulações racionais (possíveis, mas difíceis para alguns) elas se dão no mais íntimo da alma, num amplexo entre o que há de natural no homem e as sutilissimas carícias do Espírito que tudo ama, mantem e penetra misteriosamente.
A bem da verdade, em última instância, isto é sempre uma ação amorosa de Deus no mais recôndito das almas humanas, todavia, como conseqüência lógica do próprio ser enquanto ser. [5] Ou seja, pelo simples fato de o homem ser como é, por exemplo, criatura racional, ele está susceptível a estas sensações, percepções, “luzes”, “intuições”, em escala variável, óbvio - como já indicamos - dependendo do estado em que se encontra cada indivíduo.
Poderão vir num simples “arrepio”; ou, na fruição estranha do que é certa bondade enigmática, mirífica, sugerida pelo cuidado atento e demorado da mãe; quem sabe num frêmito, num frenesi; não se sabe... Referimo-nos a qualquer coisa que “eleve”, “sublime”; que faça o indivíduo dar um passo para além da ordinariedade nua e crua (mesmo esta, tomada pela interpenetração irrefragável entre natural e sobrenatural). Com efeito, Deus está em tudo[6]; e, em certo sentido, é concomitante aos seres criados. Tomistas chamarão “Presença de imensidão” a esta realidade estupenda.
Há “percepções interiores” que, em determinado ponto, escapam a toda codificação, não se condensam em palavras. O fato é que Deus jamais priva o homem desse “ósculo”, mesmo inominável; mas, ao contrário, por tê-lo criado neste modo de ser, atiça-o constantemente às mais possíveis degustações de suas possibilidades no cadinho das vivências cotidianas.[7]
Pode ser que ocorra tomado pela grandiosidade da natureza, ou, inclusive, pela própria mediocridade de algumas ações humanas; mas, a verdade, é que haverá um “estopim”, um fato desencadeador qualquer, que possibilitará ao indivíduo a constatação desse “veio místico”, digamos assim, que lhe é peculiar.
“Tudo isso para que procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo como que às apalpadelas, pois na verdade Ele não está longe de cada um de nós.” [8]
Estará andando pelas ruas; fazendo compras; ouvindo música; admirando uma pessoa, uma paisagem, um fato convencional, por mais banal que pareça; ou, quiçá, passando por um problema grave, talvez, a morte dum parente a perda de um amor... não importa. Então, num abrir e fechar de olhos, um “não sei o que”, um “raio súbito” inundará sua alma, um sentimento estranho de enlevo, finitude ou impotência encherá seu intimo. Assim, terá emergido, desde o mais recôndito, aquela benéfica sensação do imponderável, um toque sobrenatural, ele que nos chama e “enfeitiça”.
A criatura racional, pelo mesmo fato de ser limitada e contingente – repitamos - traz em si a ânsia pelo “Perfeito”. Na verdade, é a Ele que “busca” toda criação[9], Nele se encontra a plenitude almejada, satisfação cabal de nossos desejos. Os anjos, os homens, enfim, a totalidade dos seres, apresenta-se neste processo qual “rastilho” nas mãos do Onipotente.
Agora, a pessoa – infelizmente - afogada no ativismo, escrava da materialidade, subjugada pelos prazeres fugazes desta vida, entre outras coisas, obviamente que terá maior insensibilidade às “coceiras” da natureza, se assim podemos chamar. Porém, elas sempre estarão ali o incomodando, atraindo-o às profundidades, dizendo-lhe íntima e repetidamente: “Há algo mais, há algo mais, há algo mais...”. Sim, por que há! E, sendo esta a realidade, fugir é cair na ilusão, viver frustrado, rumar a mais triste depressão.
“As perfeições invisíveis de Deus, seu poder sempiterno e divindade, se tornam visíveis à inteligência.” [10]
“... dando-lhes testemunho a sua consciência, bem como os seus raciocínios, com os quais se acusam ou se escusam...” [11]
“O que se pode conhecer de Deus eles o lêem em si mesmos” [12]
Falamos parágrafos acima de certa “experiência humana” inerente ao seu estado natural. Não é isto, também, graça do bom Deus? Após esta “antecâmara”, ou nela, encontrar-se-á o advento duma graça diferente, especial, toda própria do cristianismo, e, em suas possibilidades mais raras, sempre dependente deste.
De fato, há graças que só nos vem pela Igreja. Mesmo aqueles que, sem culpa própria, desconhecem o Cristo, mas levaram vida digna, tomarão parte em graças por uma misteriosa relação com o mesmo Corpo Místico de Nosso Senhor, por ele ignorado.
Temos, assim, estupendos movimentos de alma que precedem à conversão. Pessoas, na idade da razão, tendo alcançado certa “disposição humana adquirida” (porque estimulada) serão terrenos férteis para a evangelização. Estas “experiências interiores”, se acompanhadas de boa formação humana e doutrinal, poderão levá-las às Águas Batismais, onde terão acesso não só à Graça Habitual (Presença Santificante) como, também, a uma constelação de Graças Atuais que muito auxiliarão na Vida Espiritual.
Portanto, se bem canalizada essa ânsia interna, presente em todas as almas, poderemos conduzir incontáveis seres humanos ao conhecimento da verdade, à única Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, Católica, Apostólica e “mil vezes!” Romana.
“Deus, porém, não levando em conta os tempos de ignorância, convida agora todos os homens de todos os lugares...” [13]
Maria Santíssima, rogai por nós!
[1] At. 17,23
[2] At. 17, 28
[3] Efe. 1,5
[4] Jô. 1,15-18
[5] O Homem, por ser como é, anseia por algo “imponderável em sua totalidade”. Então, Deus, que o fez assim (limitado, contingente... – e não poderia ser de outro modo, pois sendo criatura jamais possuiria a característica de “Absoluto”, própria da divindade), vem ao seu encontro, primeiro pelo “livro da Natureza”, depois pelo “livro Revelado”. O fato é que o primeiro encontro – no livro da Natureza (aqui o termo “Natureza” entendido de forma ampla, filosófica) - gera no homem uma série de moções interiores que o predispõe, com o auxilio de muitos outros meios, a graças superiores. Comumente não temos valorizado este “primeiro amor” que, a pesar de inferior ao “amor perfeito” da união sobrenatural, não deixa de ser indispensável, por que é parte de um processo natural querido por Deus.
[6] Negamos, obviamente, toda idéia errônea de panteísmo e gnose.
[7] Pensemos aqui no bem que faria às crianças e jovens o contato com a arte em sua expressão mais ordenada e sadia. O teatro, a música, a dança, a pintura, a fotografia... Enfim, tudo poderia ser um meio eficaz de elevação da mente a Deus, ou, até mesmo, de uma potencializarão de reações conhecidas em direção a um fim predeterminado, como, por exemplo, a comoção do indivíduo perante realidades que conduzem a reflexões de interesse.Afirmamos é que tudo deve ser usado para a maior glória de Deus, salvação das almas e exaltação da Santa Igreja.
[8] At. 17, 27
[9] Rom. 8, 22.
[10] Rom. 1,20
[11] Rom. 2,15
[12] Rom. 1,19
[13] At. 17, 30