sábado, 26 de setembro de 2009

Luiz Gonzaga e o domínio dos sentidos

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O Dominador dos Sentidos

Se os olhos eram os servidores mais buliçosos, os restantes quatro sentidos não eram menos rebeldes.

O ouvido, por exemplo, com os seus dois pequenos pajens semelhantes a um funil levá-lo-iam de bom gôsto para as tagarelices.

As duas orelhas rosadas, com aparência de flôres delicadas eram duas curiosas incorrigíveis. Puxavam-no por todos os lados bisbilhotando:

- Luís, escuta aqui que boato atraente; escuta lá que litígio interessante!

A todo instante êles queriam parar, aguçando-se ávidos e atentos. Mas, Luís que era um jovem honrado e nobre de verdade, ordenava

- Continuai o vosso caminho; não deveis parar a cada porta como mendigos desprezíveis.

Os ouvidos gostavam de recolher tôdas as maledicências.

- Deixai aquela sujeira, - dizia Luís. - Vós sois os sevos da minha alma. Não permito que vos contamineis com palavras feias.

Pior ainda se lhe traziam palavras torpes. Luís nem tomava conhecimento. Era um surdo voluntário. Por isso os dois pajens logo compreenderam que com um dono assim só deviam escutar palavras boas e conversas elevadas.

Depois havia o olfato. Aqui a luta foi diuturna. Aquêle servo rebelava-se aos maus cheiros. Quando Luís entrava nos hospitais para assistir os doentes, seu narizinho delicado, logo entrando, recalcitrava. Dizia:

- Não prossigo. Não agüento mais. - Foi necessária tôda a autoridade do jovem descendente de capitães. Êle impôs ao nariz suportar os cheiros mais desagradáveis. Obrigou-o a cuidar de cancerosos, aproximou-se a roupa mais nojenta.

- Coragem, - dizia-lhe, exortando-o a ser forte. - Também os soldados frente ao perigo, sentem a tentação de fugir; e tu, diante de um cheiro repugnante queres recuar? Ânimo, meu servo. Lembra-te de que carregas as minhas insígnias. Não sejas covarde. Avança entre os maus cheiros, como o bom soldado avança entre as fileiras do inimigo!

E também o olfato acabou por obedecer ao dono e senhor.

Da mesma maneira Luís fêz com que o gôsto lhe obedecesse.

Quando na mesa aparecia alguma comida que não apreciava, o gôsto fechava a bôca, pegava a língua contra o paladar, gritando:

-Não gosto!

Luís sorria.

-Não gostas? Espera um pouco te vou satisfazer.

Fazia então horríveis misturas. O gôsto procurava pôr em revolução também o estômago. Chamava em socorro e enjôo.

Luís, calmo, seguro de si, obrigava os dentes a se abrirem, despregava a língua do paladar, obrigava o servo teimoso a saborear devagarinho aquela comida repelente.

Assim também o gôsto se tornou submisso à vontade do dono. Vencer qualquer nojo e aceitou tôdas as comidas.

Mas o domínio maior de Luís se deu com o último e mais perigoso dos sentidos: o tacto.

Êste sentido está sempre presente e sempre à espreita. Mesmo quando estamos dormindo, o tacto está acordado. É possível fazer calar os outros sentidos, fechando os olhos, tapando os ouvidos, obstruindo o nariz, cerrando a bôca, mas o tacto é o mais difícil a ser dominado.

Êle se estende por tôda a superfície do corpo, e não é fácil se defender dêle, da ponta do mindinho ao tôpo dos cabelos. Não é fácil frustar tôdas as suas manhas.

E a manha, a traição do tacto, consiste em mudar em prazer ocioso o que é útil conhecimento. Tocando um objeto sabemos se é frio ou quente, duro ou macio, liso ou áspero.

Até aqui o tacto é um servidor correto e assaz útil, mas quando o toque se torna uma carícia demorada, quando a carícia transforma-se em prazer ocioso, quer dizer que o tacto atraiçoou, e o servidor operoso tornou-se servidor vicioso.

Luís conseguiu manter no ofício certo o mais perigoso dos sentidos. Nunca lhe permitiu se tornar vicioso. Guardou intacto o condor do seu corpo, nunca se entregando a uma ato impuro.

Vimos como desde a infância, êle prometera a Nossa Senhora ser igual a um lírio. O lírio é completamente branco, do fundo do cálice à ponta das pétalas. Luís alcançou ser cândido em todo o corpo, e essa foi uma das suas maiores vitórias.

Mas para explicar essa vitória é necessário ter presente que êle teve o cuidado de empregar todos os outros sentidos para a custódia do último e mais perigoso servidor.

Refreou os olhos para que o tato não fôsse excitado; deixou em paz os ouvidos para que o tacto não fôsse subornado; castigou o olfato para que o tato fôsse mortificado; castigou o gôsto para que o tacto fôsse humilhado.

E nisso mostrou-se estrategista mais esperto de que todos os seus antepassados comandantes.

O Marquês de Castiglione, seu pai, sabia que para vencer uma batalha era necessário vencer em todos os lados. Não adiantava vencer na extremidade esquerda, se havia derrota na direita. Era perigoso avançar no centro, quando se recuava aos lados.

De mesma forma, o jovem noviço da Companhia de Jesus compreendeu que não adiantava ser obedecido pela vista, se o ouvido dominasse; não adiantava subjugar o olfato, se o gôsto continuava rebelde. Era preciso vencer em tôda a linha, isto é, assenhorear em todos os sentidos, e a vitória final dessa batalha obtida sôbre todos os sentidos, chamava-se “pureza”!

Luís venceu, por isso foi puro. Mostrou-se mais valente do que os mais valentes capitães, mais arrojado de que os mais arrojados soldados, mais precavido do que os mais precavidos estrategistas.

Deus lhe deu a vitória na terra. E a vitória conseguida por Luís na terra foi a pureza.

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O Lírio dos Gonzaga
Autor: Piero Bargellini
Editora: Paulinas
Tradução: Pe. José Valsánia
Páginas: 77 - 84

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Por uma Honduras livre

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Se você quer se informar sobre o que verdadeiramente está acontecendo em Honduras, não procure nos grandes jornais escritos ou televisivos. Eles, há muito tempo, já não são meios idôneos de informação para vários assuntos. Recomendamos para acompanhamento os links abaixo:

Reinaldo Azevedo

Coturno Noturno

 

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O Dom das Línguas, segundo o Padre Vieira

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Padre Vieira 

Por Prof. Pedro M. da Cruz

“E que grande mercê seria do Espírito Santo, se neste mesmo lugar sagrado onde estamos aparecessem agora as línguas, e com elas nos achássemos de repente com socorro de missionários...” [1]
O Pe. Antônio Vieira (1608 – 1697) é, segundo os mais entendidos, uma das maiores glórias do Brasil no século XVII. Jesuíta incansável, muito lutou pela evangelização do Novo Mundo. Deste modo, seguindo as pegadas de Santo Inácio de Loyola, buscava, junto à Companhia de Jesus - onde fora ordenado sacerdote em 1635 – uma sempre maior receptividade quanto às línguas faladas nas Colônias; assim, pretendia alcançar melhores frutos na evangelização local...
Afim de defender seu ponto de vista, fez, no Colégio da Bahia, uma interessantíssima exortação, onde, inclusive, falou da idéia que se tem na Igreja Católica sobre o incompreendido Dom das Línguas. Ali, durante a véspera do Espírito Santo, presenteia-nos com mais uma prova de tudo quanto se tem defendido neste blog sobre o assunto em questão.
Observai, caro leitor, que o Padre Vieira, em nenhum momento, trata o Dom de Línguas como qualquer coisa não idiomática ou ininteligível; nem se refere a ele como algo semelhante a um simples balbuciar de sons desconexos, murmúrios infantis, ou gemidos chorosos. Muito ao contrário, sempre se refere a este Dom do Espírito Santo como sendo a maravilhosa capacidade de falar idiomas estrangeiros, até então, desconhecidos pelos missionários.
Portanto, para Antônio Vieira, assim como, para os Padres da Igreja primitiva, o Dom de Línguas, de que nos fala as Sagradas Escrituras, não é, de forma alguma, uma “Shiriacândara, cândara, lai, laiálaiá cãndara, cândara, cândara ...” – entre outras coisas semelhantes que se pronuncia como e quando se quer – é, isto sim, a possibilidade, sobrenatural, infundida por Deus (gratis data) do domínio de línguas humanas desconhecidas pelos servos de Deus que lutam na causa evangélica.
Em outros artigos trataremos novamente da questão, oferecendo diversos exemplos deste Dom na vida de muitos Santos. Por hora, contentemo-nos com as palavras do grande orador brasileiro, como orgulhosamente é chamado:
“ 444. Apareceram sobre os Apóstolos línguas de fogo partidas, as quais se assentaram sobre cada um deles. Este foi o sinal visível com que o Espírito Santo desceu sobre o Colégio Apostólico, e esta a traça maravilhosa com que a misericórdia divina, sobre as ruínas de uma fábrica que sua justiça tinha derrubado, levantou e edificou a maior obra que nunca intentaram os homens. A maior obra que intentou a ambição e vaidade humana foi aquela que depois se chamou Torre de Babel, tão alta nos seus pensamentos que chegasse até o céu.[2] E Deus, que nunca sofreu altivezas muito menores, que meio tomaria para desfabricar aquela máquina, para desbaratar aqueles intentos, e para fazer que antes de ser torre fosse ruína? ‘Vinde, confundamos a sua língua.’[3] Aqueles homens, que eram quantos então havia no mundo, todos falavam uma só língua, e esta língua confundiu Deus de tal maneira que de repente se começaram a falar e ouvir em toda aquela multidão de trabalhadores tantas línguas quantos eram os mesmos homens. Todos depois disto falavam, e todos ouviam, mas, como bem notou Filo Hebreu, todos no mesmo tempo ficaram surdos e mudos. Surdos, porque falando nenhum percebia o que diziam.
445. Tal foi o delito e tal o castigo antigamente; mas hoje estamos na véspera de um dia em que, trocada a justiça em misericórdia, querendo Deus edificar outra torre própria sua, do mesmo delito tomou a traça, e do mesmo castigo os instrumentos. O delito daqueles homens foi quererem edificar uma torre que chegasse até o céu, e Deus, seguindo a mesma traça e o mesmo desenho, não se contentou com menos que com edificar outra torre, que não só chegasse ao céu, mas levasse e metesse no céu os mesmos autores daquele pensamento. Esta torre é a Igreja Católica, a qual desceu a fundar o Espírito Santo por sua mesma pessoa, e na qual se verifica propissimamente o cujus culmen pertigant ad caelum [4]- porque, sendo militante na terra, é juntamente triunfante no céu. E para que a Segunda circunstância fosse tão maravilhosa como a primeira, assim como do delito tomou Deus a traça da sua obra, assim do castigo tomou os instrumentos dela, fundando e levantando uma torre com os mesmos instrumentos com que tinha abatido a outra. Quais foram os instrumentos com que Deus abateu e confundiu a Torre de Babel? Foram as novas e várias línguas em que dividiu e multiplicou aquela língua universal e única que todos falavam. Pois, por isso desceu o Espírito Santo sobre os apóstolos em forma também de línguas, muitas e repartidas: “Apareceram repartidas umas como línguas...” (At. 2,3) – para que por este modo, assim como, confundindo as línguas nos edificadores da torre, impediu a obra que eles intentavam, assim, infundindo as línguas nos apóstolos e pregadores da fé, fundasse, estabelecesse e propagasse a sua, que era a Igreja.
446. Qual fosse o número das línguas cuja notícia receberam os apóstolos não se pode definir ao certo. Só se sabe que foram tantas, nem mais nem menos, quantas originalmente tiveram seu princípio na Torre de Babel. Na Torre de Babel nasceram, dali se dividiram em várias nações, depois se estenderam por todo o mundo, e ultimamente se tornaram a ajuntar no Cenáculo de Jerusalém, sendo tão milagrosa esta última união como tinha sido milagrosa sua primeira origem. E se alguém perguntar como, sendo estas e aquelas línguas em tudo as mesmas, tiveram tão diversos e contrários efeitos, que umas impediram e fizeram parar a obra, e as outras a adiantaram e fizeram crescer tanto, a razão é manifesta. As línguas dos edificadores da torre eram línguas que os homens ignoravam e não entendiam, e essas mesmas línguas no Cenáculo de Jerusalém eram línguas que os apóstolos entendiam, e de que tiveram inteira e perfeita ciência, e essa é a grande diferença que há em obrar com ciência das línguas ou com ignorância delas. Todos os homens quantos havia no mundo, com ignorância das línguas, não puderam acrescentar à torre uma pedra sobre outra pedra; e doze homens no Cenáculo, com ciência das línguas, puderam fundar a Igreja, e estendê-la por todo o mundo: “O Espírito do Senhor encheu o universo, e, como abrange tudo, tem conhecimento de tudo o que se diz.”[5] (...) porque o mundo teve ciência das vozes, que foi quando os apóstolos receberam o dom das línguas, esse foi o modo e o meio com que eles encheram o mundo do Espírito Santo, ou o Espírito Santo por eles encheu o mundo: ‘O Espírito do Senhor encheu toda a terra.’
447. De todo este discurso se convence quão importante coisa é, e quão totalmente necessária a todos os que imitam o espírito apostólico e se ocupam na conversão das almas, a ciência e inteligência das línguas. Mas se o dom das línguas se acabou com a primitiva Igreja, e passou com os fundadores dela, que faremos nós, empenhados na mesma obrigação, sem esta ajuda de custo, e mandados trabalhar na mesma obra, sem Deus nos dar os mesmos instrumentos? (...) se aos apóstolos deu as línguas de fogo, aos que têm espírito apostólico dá o fogo das línguas. No mesmo texto o temos, coisa muito digna de se advertir: Apareceram sobre os apóstolos línguas de fogo, o qual fogo se assentou sobre eles.[6] – De maneira que não foram as línguas as que se assentaram, senão o fogo. E por quê? Porque as línguas vieram de passagem, e passaram com a primitiva Igreja; porém o fogo das mesmas línguas este não passou, mas permaneceu e ficou de assento: Sedit . E que fogo de línguas é este? É o zelo e fervor ardente que tem e sempre tiveram os herdeiros do espírito apostólico de saber, estudar e aprender as línguas estranhas, para com elas pregar o Evangelho, propagar a fé e amplificar a Igreja.
448. (...) O que fez Santo Inácio foi fundar e levantar outra terceira torre, também fornecida e armada de todas as línguas, para que, instruidos repartidamente seus filhos em todas, pudessem ensinar e converter com elas todas as nações. A primeira torre foi a de Nembrot, em que se confundiram as línguas; a segunda torre foi a do Espírito Santo, em que se infundiram; a terceira torre é a de S. Inácio, em que não se confundem nem se infundem. Não se confundem, porque se aprendem distinta e ordenadamente; nem se infundem, porque não são graça gratis data, como o dom das línguas, mas adquirida e comprada a preço de muito estudo e grande trabalho, e por isso com muitos e grandes merecimentos.”
Org.: Paulo L. F.
Conferir: VIEIRA, Pe. Antônio. Sermões, Padre Antônio Vieira. Vol. VIII. Revisão e adaptação de Frederico Ozanam Pessoa de Barros. Erechim, EDELBRA , 1998. Pág. 44-59. (Os negritos são nossos. No mais, retiramos citações em latim para suavizar o texto, e distribuímos citações em notas de rodapé.)
 
"Ora pro nobis Sancta Dei Genetrix, ut digni efficiamur promissionibus Christi"
 

[1] VIEIRA, Pe. Antônio. Sermões, Padre Antônio Vieira. Vol. VIII. Revisão e adaptação de Frederico Ozanam Pessoa de Barros. Erechim, EDELBRA , 1998. pg. 51.
[2] Gênesis 11,4
[3] Ibid. 7.
[4] Parte do texto de Gên. 11, 4 onde se lê: “... cujo cume chegue até o céu.
[5] Sabedoria 1,7
[6] Atos 2, 3
Referências Bibliográficas:
VIEIRA, Pe. Antônio. Sermões, Padre Antônio Vieira. Vol. VIII. Revisão e adaptação de Frederico Ozanam Pessoa de Barros. Erechim, EDELBRA , 1998. 478 pg.
COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Vol. I. 2 Ed. Rio de janeiro: Sul Americana, 1968. 400 pg.