sábado, 28 de junho de 2008

Qual o destino dos que morrem?

"O Juízo Final", de Michelangelo (Capela Sistina - Vaticano)

Org.: Paulo Oliveira


ESCATOLOGIA: ESTUDO DAS REALIDADES DO ALÉM

O estudo da Escatologia individual diz respeito aos acontecimentos que afetarão cada indivíduo no fim de sua jornada terrestre. São eles: Morte, Juízo Particular, Purgatório, Inferno e Céu. E a Escatologia coletiva trata dos acontecimentos relacionados com o fim dos tempos, a saber: Parousia (2a. vinda de Cristo), Ressurreição da Carne, Juízo Final ou Universal e os "Novos Céus e Nova Terra". A MORTE é onde se dá a separação entre o corpo e a alma.(...)”(1)

“Nesta partida que é a morte, a alma é separada do corpo.Ela será reunida no seu corpo no dia da ressurreição dos mortos.”(2)

”O JUÍZO PARTICULAR ocorre imediatamente após a morte, e define se a alma vai para o Céu, inferno ou purgatório. Não há uma ação violenta de Deus, mas simplesmente a alma terá nítida consciência do que foi sua vida terrestre, e assim, se sentirá irresistivelmente impelida para junto de Deus (Céu), ou para longe da presença de Deus (Inferno) ou ainda para um estágio de purificação (Purgatório).”(1)

Neste primeiro Juízo,”cada um em função de suas obras e de sua fé”(3), “recebe em sua alma imortal a retribuição eterna”, “que coloca sua vida em relação à vida de Cristo...”(4)

Uma fundamentação bíblica a respeito da doutrina do Juízo Particular temos na parábola do rico e Lázaro:

“Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e que fazia diariamente brilhantes festins. Um pobre chamado Lázaro jazia coberto de úlceras no pórtico de sua casa. Ele bem quisera saciar-se do que caía da mesa do rico, mas eram antes os cães que vinham lamber suas úlceras. O pobre morreu e foi levado pelos anjos para um lugar de honra junto de Abraão. O rico morreu também e foi enterrado. Na morada dos mortos, em meio às torturas, ergueu os olhos e viu de longe Abraão com Lázaro a seu lado. Ele exclamou: "Abraão, meu pai, tem compaixão de mim e manda que Lázaro venha molhar a ponta do dedo na água para me refrescar a língua, pois eu sofro um suplício nestas chamas". Abraão lhe disse: "Meu filho, lembra-te de que recebeste tua felicidade durante a vida, como Lázaro, a infelicidade. E agora, ele encontra aqui a consolação, e tu, o sofrimento. Além disso, entre vós e nós foi estabelecido um grande abismo, para que os que quisessem passar daqui para vós não o possam e que também de lá não se atravesse até nós". O rico disse: "Eu te rogo, então, pai, que envies Lázaro à casa de meu pai, pois eu tenho cinco irmãos. Que ele os advirta para que não venham, também eles, para este lugar de tortura". Abraão lhe disse: "Eles têm Moisés e os profetas, que os ouçam". O outro replicou: "Não, meu pai Abraão, mas se alguém dentre os mortos for a eles, se converterão". Abraão lhe disse: "Se eles não escutam Moisés nem os profetas, mesmo que alguém ressuscite dos mortos, não ficarão convencidos". (Lc 16,19-31)

Esta parábola nos leva a concluir que cada indivíduo, ao deixar este mundo, recebe uma sentença. Lázaro é levado ao "seio de Abraão" e o rico aos tormentos do inferno. Isto pressupõe uma sentença de Deus logo após a morte. E sentença definitiva, pois o mau não pode passar para o lugar do justo nem vice-versa. E ainda, sentença anterior ao Juízo Final, pois os irmãos do rico ainda vivem na terra.”(5)

Mas como responder as pessoas que dizem estarem dormindo, esperando a ressurreição, os que morreram?Os que erroneamente defendem esta tese vão contra artigos da fé católica, como a Comunhão dos santos, e verdades da Sagrada Escritura.

“Ora, é muita contradição defender que os santos estão dormindo, mesmo porque, Deus, voltando-se ao bom ladrão, disse: "Em verdade, em verdade vos digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso". Ora, ele não disse que após adormecer e após a ressurreição dos corpos S. Dimas estaria no paraíso. Ele estava 'no tempo', vivo, quando disse essas palavras, indicando a morte próxima de S. Dimas e a entrada deste primeiro santo canonizado da Igreja.

Mais: em Ap. 6, 9s, os mártires, junto ao altar de Deus nos céus, clamam em alta voz: "Até quando, ó Senhor Santo e verdadeiro, tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da terra?" Como se vê, os justos estão conscientes após a morte!

A palavra "dormir" é utilizada na Sagrada Escritura(6) em sentido figurado, como eufemismo, significando aqueles que morreram. Em outro trecho, a palavra 'despertar' significa 'ressuscitar'. Quando Nosso Senhor fala, por exemplo: "Pelos frutos conhecereis a árvore". A qual árvore Ele está se referindo? É claro que é uma expressão em sentido figurado. Ele está dizendo que pelos "frutos" (boas obras) conhecereis a "árvore" (quem, de fato, é a pessoa, a instituição etc).(7)

"E como está determinado que os homens morram uma só vez, e depois vem o julgamento..."(Hb 9,27)

”O PURGATÓRIO é o estado em que as almas dos fiéis que morrem no amor a Deus, mas ainda com tendências pecaminosas, se libertam delas através de uma purificação do seu amor. Ou seja, são almas justificadas, mas que ainda precisam ser santificadas.Todas as almas do Purgatório, posteriormente, irão para o Céu. O INFERNO é um estado de total infelicidade. É viver eternamente sem Deus, sem amar, sem ser amado. A alma percebe que Deus é o Bem Maior, mas sua livre vontade o rejeita e sabe que estará para sempre incompatibilizada com Deus. Isso gera um imenso vazio na alma que passa a odiar a Deus e às suas criaturas. Só vai para o inferno quem faz uma recusa a Deus consciente, livre e voluntária. O CÉU não é um lugar acima das nuvens, mas sim, um estado de total Felicidade capaz de realizar todas as aspirações do ser humano. No Céu participamos da Vida de Deus. E quanto maior for o amor que a pessoa desenvolveu neste mundo, mais penetrante será a participação na Vida de Deus. Assim, no Céu todos são felizes, mas em graus variados, pois cada um é correspondido na medida exata do seu amor. Deus é Amor, amor que se dá a conhecer a quem ama. Não há monotonia no Céu, mas sim, uma intensa atividade de Conhecer e Amar. (1)

É bom lembrar que todos os habitantes do Céu, excetuando Jesus e Maria, lá estão apenas com suas almas, pois os corpos estão na terra aguardando a ressurreição do último dia.(6)

“Cristo, com Sua morte, venceu o pecado e a morte; e sobre esta e sobre aquele alcançará também vitória pelos merecimentos de Cristo quem for regenerado sobrenaturalmente pelo batismo.Mas por lei natural Deus não quer conceder aos justos o completo efeito dessa vitória sobre a morte, senão quando chegar o fim dos tempos.Por isso os corpos dos justos se dissolvem depois da morte, e somente no último dia tornarão a unir-se, cada um com sua própria alma gloriosa.” (7)

"Sei que meu irmão há de ressurgir na ressurreição que haverá no último dia" (S. Jo. 11, 24)

“Veremos agora a Escatologia coletiva que trata dos acontecimentos relacionado com o fim dos tempos, a saber: Parousia (2a. vinda de Cristo), Ressurreição da Carne, Juízo Final ou Universal e os "Novos Céus e Nova Terra". A PAROUSIA é a volta gloriosa de Jesus no fim do mundo. Neste dia, Deus reunirá todos os povos de todos os tempos para o Juízo Final. A RESSURREIÇÃO DA CARNE se dará no dia da Parousia. As almas que aguardavam esse dia no Céu, no Inferno ou no Purgatório, ressuscitarão e comparecerão, juntamente com os que estiverem no mundo, diante de Jesus para o Juízo Final. Então uns irão com corpo e alma para o inferno, e outros irão com corpo e alma para Novos Céus e Nova Terra (Paraíso). Portanto, justos e ímpios ressuscitarão e terão um corpo imortal e íntegro, mas somente os dos justos estarão isentos dos sofrimentos e irão refletir a glória da alma.“(8)

"Virá uma hora em que todos os que se acham nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que obraram bem, sairão para a ressurreição da vida; mas os que obraram mal, sairão para a ressuscitados para a condenação" (S. Jo. 5, 28)

"O que come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia" (S. Jo. 6, 55)

“A ‘ressurreição da carne’ significa que após a morte não haverá somente a vida da alma imortal, mas que mesmo os nosso ‘corpos mortais’ (Rm 8,11) readiquirirão vida”(9)

“Cristo ressuscitou com seu próprio corpo: ‘Vede as minhas mãos e os meus pés: sou eu!’(Lc 24,39).Mas ele não voltou a uma vida terrestre.Da mesma forma, nele ‘todos ressuscitarão com seu próprio corpo, que têm agora’; porém, este corpo será ‘transfigurado em corpo de glória’, em ‘corpo espiritual’ (1Cor 15,44).(10)

“Vou ainda revelar-vos um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados.Num instante, num piscar de olhos, ao soar da trombeta final – pois a trombeta soará - , não só os mortos ressuscitarão incorruptíveis, mas nós também seremos transformados” (1Cor 15,51s.)

“Pois o Senhor mesmo, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, descerá do céu.E então acontecerá, em primeiro lugar, a ressurreição dos que morreram em Cristo; depois, nós os vivos, que ainda estivermos aqui na terra,seremos arrebatados, juntos com eles, sobre as nuvens, ao encontro do Senhor, nos ares.”(1Ts 4, 16-17b)

O JUÍZO FINAL ou UNIVERSAL é a tomada de consciência, do indivíduo e de todos os homens, das obras boas e más que cada um realizou.(1) Este segundo juízo será de todos e na presença de todos os homens, ao final dos tempos, e por isto é chamado de juízo final ou juízo universal.(11)

Então Cristo “virá em sua glória, e todos os anjos com Ele. (...) E serão reunidas em sua presença todas as nações, e Ele há de separar os homens uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos, e porá as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. (...) E irão estes para o castigo eterno, e os justos irão para a Vida Eterna”(Mt 25,31-33.46).

“Uma interrogação que pode ter passado pelo espírito de vários leitores: a maior parte dos homens já terá sido julgada logo após a sua morte (excetuam-se aqueles que estiverem vivos, quando chegar a hora do fim do mundo), por que, então, passar de novo por um juízo?

A Suma Teológica (Suppl 88 I ad 1), bem como o Catecismo Romano, fazem compreender melhor a razão desses dois tribunais. De fato, no Juízo particular, cada homem é julgado privadamente por Deus, permanecendo o seu foro íntimo, bem como todas as conseqüências dos seus pecados, ocultos aos outros homens. Para a plena glorificação da justiça divina é indispensável que haja um outro juízo, público e universal, no qual fiquem patentes aos olhos de todos a inocência dos bons e a torpeza dos maus.”(12)

“Note que o Juízo Final é diferente do Juízo Particular. Neste, Deus revela a cada um, em foro privado, a pureza de intenção que definiu sua sorte no além. Já o Juízo Universal não se trata de uma segunda instância, pois o julgamento individual já ocorreu no Juízo Particular, mas simplesmente revelará a todos os homens os mistérios da história da humanidade e todos os efeitos positivos ou negativos das atitudes de cada um. Tudo será manifesto a todos. Dia de triunfo da Verdade e da Justiça. Após o Juízo Final segue-se o Tanque de Enxofre (Inferno) para os ímpios e o Paraíso para os justos.”(1)

“O juízo final não mudará em nada a sentença estabelecida no juízo particular, mas servirá para que resplandeça a sabedoria e a justiça divina, para prêmio dos bons e castigo dos maus, também em relação ao corpo. Perante Cristo, que é a Verdade, será revelada definitivamente a verdade em relação a cada homem com Deus. O juízo final revelará até suas ultimas conseqüências o que cada um fez -bom ou mal - ou tenha deixado de fazer durante sua vida terrena.(11)

”Os NOVOS CÉUS E NOVA TERRA ou PARAÍSO é a renovação do mundo inteiro no fim dos tempos, após o Juízo Final. O mundo atual não será aniquilado, mas sim, restaurado e consumado. O homem ressuscitado habitará num mundo de Paz e Amor.”(1)

“No fim dos tempos, o Reino de Deus chegará à sua plenitude. Então, os justos reinarão com Cristo para sempre, glorificados em corpo e alma, e o próprio universo material será transformado. Então Deus será “tudo em todos” (1Cor 15,28), na Vida Eterna.”(13)


Referências Bibliográficas:

(1) Dom Estêvão Bettencourt, OSB, Apostila do Mater Ecclesiae – Escatologia – www.veritatis.com.br/artigo.asp?pubid=1038 – página acessada dia 12/07/03
(2) Cf. Catecismo da Igreja Católica, página 283, parágrafo 1005
(3) Cf. Catecismo da Igreja Católica, página 288, parágrafo 1021
(4) Cf. Catecismo da Igreja Católica, página 288, parágrafo 1022
(5) Dom Estêvão Bettencourt, OSB, Revista Pergunte e Responderemos Mar/01, pag 119 - www.veritatis.com.br/artigo.asp?pubid=599 - página acessada dia 12/07/03
(6) Cf. exemplo 14,12
(7) www.veritatis.com.br/agnusdei/div351 – página acessada dia 12/07/03
(8) Cf. AQUINO,Felipe.A Mulher do Apocalipse.Edições Loyola,4 ed, São Paulo,1997.
(9) Constituição Apostólica “Munificientissimus Deus”.Ed. Vozes,Petrópolis,1954,DP 78.
(10) Dom Estêvão Bettencourt, OSB, Apostila do Mater Ecclesiae – Escatologia – www.veritatis.com.br/artigo.asp?pubid=598 - página acessada dia 12/07/03
(11) Cf. Catecismo da Igreja Católica, página 279, parágrafo 990
(10)Cf. Catecismo da Igreja Católica, páginas 281,282, parágrafo 999
(11)Jayme Pujoll e Jesus Sanches Biela, livro "Curso de Catequesis" da Editora Palabra, España. Pe. Antonio Carlos Rossi Keller - www.veritatis.com.br/artigo.asp?pubid=1028 - página acessada dia 12/07/03
(12) Revista Arautos do Evangelho,número 11, Novembro de 2002, página 9.(13) Cf. Catecismo da Igreja Católica, página 297, parágrafo 1060.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Sonhos


Os Sonhos: Significados

Por Dom Estêvão Bettencout

Em síntese: Os sonhos são: 1) a expressão do inconsciente, que se manifesta livremente enquanto o consciente se desliga; a psicanálise estuda o significado dos sonhos, nem sempre chegando a interpretação unânime. Os sonhos também são: 2) o veículo pelo qual Deus se quis revelar aos Patriarcas e santos personagens da Bíblia; ver Mt 1,20. 2,13. 19... Em terceiro lugar 3) os sonhos são canais de premonição e precognição , como atestam e comprovam casos famosos registrados pela história. A sabedoria manda que as pessoas se acautelem contra demasiada valorização dos sonhos; podem não ter a importância que lhes querem atribuir.
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Os sonhos deixam muitas pessoas inquietas. Parecem portadores de mensagem que deve ser interpretada e acatada. Reina, porém, certa confusão no setor, que pede esclarecimentos. É o que vamos propor nas páginas subseqüentes.

Podem-se atribuir aos sonhos três funções ou significados:

1.O sonho na Psicanálise

O sonho, segundo a psicanálise, é a expressão do inconsciente, de modo que Por ele se pode descobrir o que vai no íntimo da pessoa. Esta explicação é válida, pois, enquanto o consciente se desliga pelo sono, o inconsciente continua em atividade, que prorrompe livremente através das imagens e do enredo do sonho. A dificuldade, porém, consiste em interpretar autenticamente o simbolismo dessas imagens. Os analistas não concordam entre si, de maneira que dão á mesma figura diversos significados. Daí certa insegurança na interpretação dos sonhos.

2.O sonho na Bíblia

Segundo a Escritura Sagrada, o sonho pode ser um canal de comunicação de Deus aos homens. Assim, entre outros, os sonhos de José do Egito (Gn 37, 5-11; 40; 5-22; 41,1-36), os sonhos de S. José no novo testamento (Mt 1,20;2,13.19) e outros (cf. Gn 20,3s; 28,12; 31,11s;24; Jz 7,13s; 1Sm 28,6s; Jó 33,15...).

Os povos pagãos estimavam grandemente os sonhos como mensageiros da Divindade; pensavam que principalmente os reis eram agraciados por tais comunicações do alto. Já que as imagens vistas em sonhos eram não raro ambíguas, havia intérpretes oficiais das mesmas, que usavam de técnica complexa, aparentemente científica. Param quem não pudesse consultar os adivinhos, existiam catálogos de elucidação. O papiro Chester Beatty lll apresenta alguns critérios de interpretação, tais como estavam em uso no Egito. O documento data da 19ª. Dinastia (cerca de 1300 a.C); refere, porém, idéias contemporâneas à 12ª. Dinastia (1200-1800). Eis o que se depreende do mesmo:

Em muitos casos a interpretação do sonho se fazia simplesmente por analogia: um sonho feliz era bom agouro, ao passo que mau sonho presagiava desgraça. Pão branco em sonho era bom sinal; anunciava prazeres. Sonhar com homens de autoridade e poder também implicava bem-estar para o futuro. Sonhos obscenos valiam como péssimos prenúncios.

Havia, porém, critérios mais complicados, a fim de que a interpretação dos sonhos não ficasse ao alcance de qualquer indivíduo. Assim os trocadilhos ou jogos de palavras eram muito explorados: comer carne de asno, em sonho, significava engrandecimento, elevação, pois os conceitos de “asno”e “grande” eram homônimos. Receber uma harpa implicava desgraça, pois o nome “harpa”, boiné, fazia pensar em Bin, mau.

O homem que tivesse tido um sonho inquietador não devia desesperar, pois havia meios para deter os infortúnios previstos... Recomendava-se-lhe que invocasse a deusa Ísis, a qual saberia como defender o devoto dos males que Sete, filho de Nout, estava para desencadear. Também se usava a seguinte receita: umedecer em cerveja alguns pães com ervas verdes; à mistura acrescentava-se incenso, e com o conjunto resultante se esfregavam o rosto de quem havia sonhado. Este proceder afugentaria todos os maus agouros transmitidos pelos sonhos.

No século ll d.C Artemidoro de Éfeso, baseado em suas experiências, escreveu cinco livros intitulados Oneirokritiká, código importante para os decifradores de sonhos.

É claro que a crença no valor profético dos sonhos estava frequentemente ligada a supertição, preconceitos humanos, e não raro levava a graves erros na vida prática (à semelhança do que ainda nos tempos atuais acontece).

Voltando a Israel, verificamos que lá havia o perigo de que concepções pagãs relativas aos sonhos se mesclassem com as noções monoteístas e religiosamente puras dos israelitas, daí as restrições à interpretação dos sonhos nos textos bíblicos. Com efeito, conforme as Escrituras, não há intérpretes profissionais dos sonhos, como os havia entre os babilônios (c.f Dn 2,2; 4,3; 5,15) e os egípcios (c.f Gn 41,8). A explicação dos sonhos se deve a um dom esporádico de Deus; compete a quem, como o Patriarca José e o Profeta Daniel, possui o “espírito de Deus” (c.f Gn 40,8; Dn 2,27). Os intérpretes populares de sonhos são condenados pela lei de Moisés junto com os magos, os adivinhos, os necromantes...(c.f Lv 19,26; Dt 13, 2-4; 18,10s). Nos tempos da decadência religiosa(séc Vll e Vl) pulavam os falsos profetas, que diziam ter recebido em sonho autênticas comunicações do Senhor; ora o Senhor não cessava de acautelar os seus fiéis contra tais ilusões:

“Ouço os que dizem esses profetas, que em meu nome proferem falsos oráculos afirmando:’tive um sonho, tive um sonho!’...Esses profetas julgam que poderão fazer esquecer o meu nome ao meu povo mediante os sonhos que contam uns aos outros?”( Jr 23,25-27).

Também os sábios de Israel, propondo aos jovens discípulos conselhos para a vida, admoestavam-nos contra as imaginações noturnas:

“O insensato se entrega a esperanças vãs e enganosas, e os dão asas aos tolos. Semelhante àquele que procura apresentar uma sombra ou perseguir o vento, é quem se prende aos sonhos... Do que é impuro, que pode sair de puro? Da mentira, que pode sair de verítico? A adivinhação, os agouros e os sonhos são coisas vãs, semelhantes às imaginações do coração de uma mulher que está para dar à luz” (Eclo 34,1-5).

3.O Sonho na Parapsicologia

Os sonhos são também veículos de precognição ou premonição. Esta não é uma profecia em sentido teológico da palavra, pois profecia é um dom ou carisma de Deus concedido a pessoas especialmente escolhidas para determinada missão; ao contrário; a precognição é um fenômeno natural, decorre das faculdades mesmas da psyché humana. A história conhece famosos sonhos premonitórios, dos quais sejam relatados os seguintes:

a) Numa noite do ano de 1895, o conde José Vicente despertou de seu sono em seu solar da Alameda Barão de Limeira (São Paulo), e disse a esposa que a Condessa de Moreira Lima, sua parenta, acabava de morrer no Rio de Janeiro. E, como o enterro estivesse marcado para Lorena, cidade onde residia a Condessa, o Conde José Vicente seguiu para lá no primeiro trem da Estrada de Ferro Central do Brasil. Ao chegar, perguntou simplesmente ao cocheiro do carro que o levava a que hora sairia o enterro. O cocheiro deu a informação exata. Por conseguinte, não havia dúvida de que a Condessa de Moreira Lima falecera e a precognição fora verídica.

b) J. A. Saymonds, escritor inglês, viu em sonhos uma corrida, em que um cavalo chamado Anton ganhava por quatro corpos. Assombrado, viu no dia seguinte que, em verdade, existia um cavalo com tal nome e que correria nesse dia. Na opinião dos entendidos, o cavalo nenhuma possibilidade tinha de vencer, mas o fato é que venceu...

c) Caso bem comprovado é o do Presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln. Aos 23 de março de 1865, Lincoln convidou alguns para um jantar na Casa Branca. Como no dia anterior, o Presidente dava a impressão de estar muito sério e calado, como se andasse profundamente preocupado. Os convidados o notaram, mas, por delicadeza, não ousaram indagar de causa. De repente Lincoln, quebrando o silêncio, prorrompeu nestas palavras: “Sonhei coisa horrível, o que não deixa sossego, estou sempre a pensar nisso!” E com voz baixa, por vezes embargada, contou aos amigos: “Há dois fui para a cama bem tarde da noite, e meio-morto de cansaço; adormeci logo. Durante a noite sonhei que ao meu redor reinava um silêncio de túmulo e que se ouviam apenas os soluços de muitas pessoas a chorar. Impressionado, levantei-me, desci a escadaria que, dá para a sala de reuniões da Casa Branca. Também lá ouvi soluços e choros, mas não consegui ver ninguém. Apavorado, atravessei diversas salas até chegar a um recinto, cuja janela dava para leste. Soldados montavam guarda de honra ao redor de um sarcófago. Aproximei-me e verifiquei que estava aberto e rodeado de pessoas que choravam inconsolavelmente. Perguntei: ‘Quem morreu na Casa Branca?’ Alguém respondeu: ‘O presidente foi assassinado!’ Após estas palavras, acordei todo banhado em suor.’

Os amigos quiseram consolar o Presidente, mas ele continuou sempre preocupado. Chegou o dia 14 de abril. Naquela noite Lincoln, acompanhado de sua esposa, foi ao teatro Ford. O lugar de honra do Presidente achava-se guardado por um policial secreto. Apagaram-se as luzes e o espetáculo começou. De repente um tiro ecoa pela sala. Gritos de pavores e consternação reboam pelo auditório. Todos os olhares convergem para o camarote do Presidente, que caiu mortalmente ferido por uma bala. O assassino, fanático opositor político do Presidente, procurou fugir, mas logo foi preso...

No dia seguinte também se cumpriu à risca tudo o que Lincoln tinha visto em sonho três semanas antes: no salão situado a Leste da Casa Branca jazia o cadáver do Presidente morto, em câmara ardente, dentro de um sarcófago aberto, rodeado por uma multidão em prantos.

Eis um sonho precognitivo, extraordinariamente rico em indicações concretas, que, segundo os estudiosos, parece excluir qualquer dúvida de autenticidade.

Estes dados são suficientes para se admitir que a precognição se manifesta através de sonhos. Todavia vale a pena lembrar aqui as admoestações dos sábios que pedem cautela na interpretação e valorização dos sonhos em geral; pode ai haver enganos de graves conseqüências. As pessoas que tem sonhos premonitórios, podem sentir angústia e tensão nervosa; faz-se oportuno lembrar-lhes o que está dito às pp. 247s deste fascículo com relação a precognição em geral: vivam o mais normalmente possível, sem pensar muito na possibilidade de um sonho premonitório.