sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ai, ai, ai, essa Pastoral da Sobriedade...

João XXIII fumando
O futuro papa João XXIII fumando seu bom e velho cigarrinho
 
Prof. Pedro M. da Cruz.
 
“A Sobriedade no beber é a saúde da alma e do corpo.”[1]
“O vinho bebido sobriamente é como uma vida para os homens ...”[2]
“Não incites a beber aquele que ama o vinho, pois o vinho já perdeu a muitos.”[3]
 
A poucos dias atrás, tive o prazer de reencontrar um amigo de infância. Após breve momento de conversa amistosa, soube de seus trabalhos na comunidade católica em que residia. Participava há algum tempo duma certa Pastoral da Sobriedade. Até aí tudo bem. O que me chamou a atenção foi a forma pessimista e repressiva com que tratava o uso das bebidas alcoólicas e do cigarro.
Estranhando aquele posicionamento depreciativo numa pessoa que se dizia católica, lembrei-lhe da postura tradicional da Igreja perante aquelas questões. Ele, afirmando não conhecer, por parte da Igreja, aquele “modo de ver as coisas” que eu lhe apresentava, dizia-me que, pelo contrário, o que aprendera na Pastoral da Sobriedade era aquela postura intolerante, tão própria de tantos grupos protestantes. Segundo ele, até aquele momento, seria inaceitável para um cristão, em todos os casos, o uso daqueles produtos. Perguntei-lhe em que materiais de estudos a pastoral em questão se baseava para inferir tais ensinamentos; o que ele não soube me responder. Na verdade nunca haviam consultado documento algum, como mais tarde me confessou com toda sinceridade...
Ora, ora – perguntei-me – como pode chamar-se “da Sobriedade” uma pastoral que repudia o bom uso das bebidas e do cigarro. Não é a sobriedade o mesmo que moderação e temperança? E isso não significa o uso das coisas numa medida certa, sem exageros e descontrole? Bom, deixando para depois outras questões que daqui poderíamos extrair, deixe-me dizer que, na verdade, após algumas pesquisas sobre a Pastoral em questão pude perceber que a mesma anda em conformidade com os ensinamentos da Igreja, pelo menos no papel...
O problema, neste caso, não é a doutrina que os “agentes de pastoral” deveriam seguir, mas sim o fato de os mesmos nem se darem conta, tantas vezes, de que não estão transmitindo o que a Igreja lhes ordena. Não quero aqui afirmar que todos os “agentes de pastoral” sejam deste feitio, porém, me parece que, em não poucos casos, é muito comum nas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs - além, claro, das evidentes contradições de princípios (pois, onde uns bebem demais, outros condenam até mesmo o uso moderado de bebidas) um profundo e incompreensível desprezo pelos documentos da Igreja, principalmente aqueles que provém da Santa Sé. Isso parece supor uma espécie de tendência a descentralização e ao subjetivismo, também filhos de certa incompreensão da Colegialidade Episcopal.
Tendo conseguido com alguém certos materiais que alguns agentes “da Sobriedade” deveriam ler por completo antes de catequizar as pessoas, tive uma grata surpresa. Alí, já nas primeiras páginas, o Santo Padre, o Papa João Paulo II, nos afirmava resoluto que “... o uso moderado da bebida não vai contra as proibições morais e só o abuso é condenado...”[4].
image
Nosso Santo Padre apreciando uma deliciosa cerveja bávara
 
Será que os coordenadores de meu amigo em seu trabalho pastoral também não haviam estudado este texto? Ou será que, lendo não lhe deram importância? O caso é que, mesmo a pessoa que me emprestou os materiais em questão manifestou a mesma postura “tipo-protestante” – se assim posso dizer - que apresentei no início deste texto. Isso me levou a deduzir, ao lado de outras evidências, que, pelo menos aqui em nossa cidade, a “Pastoral da Sobriedade” não tem feito jus ao seu nome.
Consegui também com os mesmos, outro livro chamado: “Meu pai bebia demais, hoje sou um adulto que sofre.”[5] Ora, é obvio que se meu pai fosse alcoólatra inconsequente ele seria repreensível, necessitaria de tratamento, e também deveria abster-se de álcool, mas, daí a deduzir que ninguém mais poderia saborear uma bebida porque “meu pai era um doente-alcoólatra”, seria o mesmo que abster-se do uso de facas na preparação de alimentos só porque um qualquer utilizou-a indevidamente para o crime. Abusus non tollit usum.[6]
Não defendo aqui a idéia absurda de que as pessoas devam viajar com garrafas de conhaque por não conseguirem enfrentar uma única noite sem bebedeira, ou mesmo que o alcoolismo seja normal, não, pois todos sabemos que esta é uma doença grave que necessita de um tratamento sério e constante. Porém, ao dizermos que um objeto não seja branco, não se pretende, necessariamente, que ele seja preto; afinal, pode ser de qualquer outra cor. Do mesmo modo, ao condenarmos o alcoolismo – como bem faz a Pastoral da Sobriedade, assim como qualquer um que tenha amor à vida - não pretendemos pregar aqui o seu extremo oposto, ou seja, a abstenção total do uso de bebidas. Este é um bem lícito que muitos tem a graça de usufruir, com sabedoria e moderação, para maior glória de Deus.
Sim, filhos adultos de alcoólatras sofrem; os beberrões devem abandonar seu vício; para muitos, um único copo de cerveja já é demais... pois, que estes tenham um modo de vida que favoreça seu estado e situação. Daí a concluir que todo e qualquer ser humano não deva saborear os mesmos bens com as devidas precauções, já é extremismo barato.
Interessante que na página 44 do primeiro livro por nós já citado, numa certa carta da Pastoral da Sobriedade, podemos constatar que ela pretende ser fundamentalmente “...uma ação da Igreja, vivida em comunhão com a Igreja ...”.[7] Esperemos, pois, que este testemunho de submissão aos ensinamentos católicos possa despertar nos “agentes de pastoral” uma linguagem mais sóbria com relação ao uso lícito dos bens criados por Deus, isso sem abandonar o trabalho sério que realizam em defesa das famílias, contra o mal do alcoolismo, da droga[8], e de todos os tipos de vícios que venham destruir o homem e a sociedade.
Finalmente, recordemo-nos de um caso oportuno. Não é verdade que Nosso Senhor comia e bebia, a ponto de dizer que muitos o chamavam de comilão e beberrão? [9]Basta conferirmos nas Sagradas Escrituras! É claro que o Divino Mestre jamais se excedeu na bebida, pois era Deus e possuía toda a sabedoria e sobriedade. E mais: confiava na capacidade que os homens possuem de conviver com estes prazeres, uma vez que seu primeiro milagre fora, exatamente, a transformação da água em uma bebida alcoólica, e – vejam que jocoso – à pedido de Nossa Senhora. E não venham os puritanos nos dizer que naquele vinho não havia álcool! Basta consultar as Escrituras: logo que o chefe dos serventes provou a água tornada em vinho exclamou ao noivo: “É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora.” [10] Ora, segundo o chefe dos serventes: vinho bom, continha álcool, pois embriagava. E, ainda segundo ele, o noivo guardara o vinho bom até aquele momento (no caso, aquele que fora produzido milagrosamente por Jesus). Sendo assim, conclui-se que ele percebera o teor alcoólico quando provara o vinho milagrosamente trazido por Cristo. Que maravilha! Nosso Senhor fizera surgir litros e litros de bebida alcoólica! Seis talhas de pedra! Afinal, ele mesmo levara consigo muitos outros homens à festa, falo de seus discípulos, que também deveriam ser, como bons católicos que eram, excelentes apreciadores da Deliciosa Arte de Beber, à exemplo de seu Divino Mestre. Imitemo-lhes, portanto, na temperança, e aprendamos a guardar a santa moderação e a pérola da sobriedade.

[1] Eclo.31,37
[2] Eclo.31,32
[3] Eclo. 31,30
[4] MOMM, Nilo. Pastoral da Sobriedade. Pronunciamentos da Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 1999. Pg.12.
[5] TRACY, Guilherme; DIAS, Terezinha. Meu pai bebia demais, hoje sou um adulto que sofre. 4 Ed. São Paulo: Santuário, 2006. 48 pgs.
[6] Trad.: O abuso não invalida o uso.
[7] Idem. MOMM, Nilo. Pastoral da Sobriedade... pg..44
[8] O Catecismo da Igreja Católica recorda àqueles que se drogam ou são tentados a fazê-lo, que o uso da Droga, “excluídos os casos de prescrição estritamente terapêutica (médica) constitui culpa grave.” Conf. CIC § 2291.
[9] São Mateus 11,19
[10] São João 2,10

domingo, 31 de janeiro de 2010

Dom Bosco e o misterioso cão Grigio

image

 

Às vezes - para proteger de maneira visível a pessoa que lhe foi confiada -, o anjo da guarda pode tomar a forma de animais. Um único exemplo: o cão Grigio, de D. Bosco, que aparecia nos momentos cruciais, defendendo o Santo de bandidos, assassinos e perigos de todo o tipo. Era “um grande cão que parecia um lobo, com um metro de altura, pêlo cinza, focinho alongado, e orelhas em pé”.

Vamos citar um fato.

Fim de novembro de 1854. Numa noite escura e com muita neblina, D. Bosco estava voltando do centro da cidade, mais precisamente do Colégio eclesial. Para evitar ruas muito desertas, descia por aquela rua que vai do Santuário da Consolata até a Pequena Casa da Divina Providência.

Em certo ponto da estrada, percebeu que dois homens o precediam a pouca distância, regulando o próprio passo ao seu. Quando tentava ir para a calçada oposta para evitá-los, estes logo tratavam de pôr-se à sua frente. Não havia dúvida: eles não estavam bem intencionados.

O Santo tentou voltar para pôr-se a salvo em alguma casa próxima, mas não teve tempo, pois os dois, virando-se de repente e sem pronunciar uma palavra, o atacaram, cobrindo-lhe o rosto.

D. Bosco fez de tudo para não se deixar dominar. Abaixando-se rapidamente, conseguiu soltar a cabeça por um instante e passou a se defender energicamente.

Os agressores então tentaram prendê-lo com mais força e, para impedi-lo de gritar por socorro, amordaçaram-lhe a boca com um lenço.

don-bosco-and-grigio Por sorte, no meio daquela luta mortal, enquanto seu coração invocava o Senhor, de repente apareceu Grigio, que se pôs a latir com tanta força que seu latido não parecia o de um cão, nem sequer o de um lobo, mas o de um urso enfurecido. Não contente com isso, se lança contra um dos malfeitores e o obriga a largar o manto com o qual envolvia a cabeça do pobre padre, depois se joga sobre o outro e, mordendo-o, o derruba. Vendo isso, o primeiro logo trata de fugir, mas Grigio não permite que o faça e, saltando sobre suas costas, joga-o na lama. Feito isso, pára, e, sempre rosnando, passa a olhar ameaçadoramente para os dois patifes.

Então, de um momento para outro a cena muda e eles se põem a gritar:

- D. Bosco, por caridade... diga a ele que não nos morda! Piedade, misericórdia! Chame-o!

- Eu vou chamá-lo - respondeu o Santo -, mas vocês vão me deixar em paz.

- É claro, sem dúvida! Mas, por favor, chame-o logo!

- Grigio - disse D. Bosco -, venha cá!

E Grigio, obediente, se pôs a seu lado, deixando livres os malfeitores, que deram-se às pernas.

Apesar dessa inesperada defesa, D. Bosco não quis prosseguir o caminho até em casa. Entrou no vizinho Instituto do Cottolengo e, passada meia hora, refazendo-se do susto, tomou a rua do Oratório acompanhado por uma boa escolta.

(G. Bozzo, Flashes sugli angeli).


Muitos anos depois desse fato, D. Bosco estava nas montanhas da Ligúria e, perdido entre aqueles desfiladeiros, à noite, sem saber que direção tomar para chegar ao povoado, invoca o seu anjo da guarda. Eis que aquele mesmo cão Grigio que o havia libertado em Turim se aproximou, brincou com ele e o conduziu no caminho certo, até a casa a que D. Bosco queria chegar. Depois desapareceu.

***

Fonte:

Livro "Para Falar de Anjos", página 88.