segunda-feira, 5 de março de 2012

O tempo da Quaresma

ducio-temptation
Duccio di Buoninsegna, The Temptation of Christ (1308-10)

1. Significação dêste Tempo. Durante êstes quarenta dias os Cristãos se unem intimamente aos sofrimentos e à morte do Divino Salvador, a fim de ressuscitarem com Êle para uma vida nova, nas grandes solenidades pascais.
Nos primeiros tempos do Cristianismo esta idéia fundamental achava sua aplicação no Batismo dos catecúmenos e na reconciliação dos penitentes. Por tôda a liturgia da Quaresma, a Igreja instruía os pagãos que se preparavam para o Batismo. No Sábado Santo mergulhava-os nas fontes batismais, de onde saíam para uma vida nova, como o Cristo, do túmulo. Por sua vez os fiéis, gravemente culpados, deviam fazer penitência pública e cobrir- se de cinzas (Quarta-feira de Cinzas), para acharem uma vida nova em Jesus Cristo. Convém reparar nestes dois elementos, para compreender a liturgia da Quaresma e a escolha de muitos textos sagrados.
2. Nossa participação neste Tempo. No ofício das Matinas do I. Domingo, lemos o sermão que o Papa S. Leão Magno, no século V. dirigiu ao povo, explicando a liturgia da Quaresma: “Sem dúvida, diz êle, os Cristãos nunca deveriam perder de vista êstes grandes Mistérios... porém, esta virtude é de poucos. É preciso, contudo, que os Cristãos sacudam a poeira do mundo. A sabedoria divina estabeleceu êste tempo propício de quarenta dias, a fim de que as nossas almas se pudessem purificar, e por meio de boas obras e jejuns, expiassem as faltas de outros tempos. Inúteis seriam, porém, os nossos jejuns, se neste tempo os nossos corações se não desapegassem do pecado”.
Lendo estas palavras, parece-nos assistir à abertura de um retiro. Com efeito, a Quaresma é o grande retiro anual de toda a família cristã, sob a direção maternal e segundo o método da Santa Igreja. Êste retiro terminará pela confissão e comunhão geral de todos os seus filhos, associados assim, realmente, à Ressurreição do Divino Mestre, e ressurgindo por sua vez a uma vida nova.
As práticas exteriores que devem desenvolver em nós o espírito do Cristo e unir-nos a seus sofrimentos são o jejum, a oração e a esmola.
O Jejum é imposto pela santa Igreja e todos os fiéis, depois de 21 anos completos até atingirem os 60 anos [1]. Seria um engano pernicioso não reconhecer a utilidade desta mortificação corporal. Seria menosprezar o exemplo do próprio Cristo e pecar gravemente contra a autoridade de sua Igreja. O prefácio da Quaresma nos descreve os efeitos salutares do jejum, e aquêles que por motivos justos são dêle dispensados não estarão do jejum espiritual, isto é, de se privarem de festas, teatros, leituras puramente recreativas, etc.
A oração. Assim como a palavra jejum abrange tôdas as mortificações corporais, da mesma maneira compreende a palavra oração todos os exercícios de piedade feitos neste tempo, com um recolhimento particular, com sejam: a assistência à santa Missa, a Comunhão freqüente, a leitura de bons livros, a meditação especialmente da Paixão de Jesus Cristo, a Via Sacra e a assistência às pregações quaresmais.
A esmola compreende as obras de misericórdia para com o próximo. Já no Antigo Testamento está dito: “Mais vale a oração acompanhada do jejum e da esmola do que amontoar tesouros” (Tob. 12,8).
Praticando essas obras preparavam-se antigamente os catecúmenos para o Batismo que iam receber no Sábado de Aleluia, enquanto os penitentes públicos se submeteram a elas com espírito de dôr e arrependimento de coração.
Saibamos também nós que aquêle que não faz penitência perecerá por tôda a eternidade (Luc. 13,3).
Renovemos em nós a graça do Batismo e façamos dignos frutos de penitência. Os textos das Missas, a cada passo nos exortam a isto.
Convém, entretanto, evitar que a nossa piedade seja exercida por compaixão sentimental ou tristeza exagerada. Sim, é um combate, uma morte terrível que vamos contemplar, mas é também, e sobretudo, uma vitória, um triunfo. Em verdade assistiremos a uma luta gigantesca do homem novo; ouviremos os seus gemidos, seguiremos os seus passos sangrentos, contaremos todos os seus ossos; mas isso é apenas um episódio de sua vida; o desenlace é um grito de vitória, um canto de triunfo.
3. Particularidades deste Tempo. A côr dos paramentos é a violácea.
Omite-se completamente o Aleluia, e o Glória só se canta nas festas dos Santos. Os altares são despojados dos seus enfeites e o órgão se cala, menos no IV. Domingo. No fim das Missas do Tempo, o Sacerdote diz: Benedicamus Domino, em vez de Ite, Missa est, para exortar os fiéis à perseverança na Oração.
Cada dia dêste Tempo tem a sua “estação”, com indulgências especiais a uma liturgia própria, cujos Cânticos e Leituras nos incitam à penitência, à conversão, enquanto as Orações imploram para nós o perdão e a graça.
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Fonte: Missal Quotidiano, D. Beda Keckeisen, O.S.B., 21ª edição, 1961, p. 149-151.

[1] Atualmente, com a vigência do novo Código de Direito Canônico, a idade de início da obrigação do jejum é de 18 anos (cf. Código de Direito Canônico, cânon 1252).