sábado, 5 de setembro de 2009

O Concilio Vaticano II traiu a Igreja Católica?

 

image “...o Vaticano II é apoiado pela mesma autoridade do Vaticano I e do Concilio de Trento, isto é, o papa e o colégio dos bispos em comunhão com ele.” (Cardeal J. Ratzinger)

 

 

 

Transcrevemos abaixo importantes pensamentos do então Cardeal Joseph Ratzinger, atual Sumo Pontífice da Igreja Católica, em livro de V. Messori intitulado “A Fé em Crise? O Cardeal Ratzinger se interroga”. Poderemos perceber com clareza a profunda coerência de suas reflexões em íntima sintonia com o perene ensinamento da Igreja de Cristo. Não deixará de apresentar com ousadia as inegáveis mazelas de seu tempo, mesmo aquelas que se encontram dentro dos muros da Igreja; aliás, isto é um ótimo exemplo para aqueles que julgam - afundados num superficial espírito de submissão - que levantar a voz é sempre um erro; esqueceram-se da obrigação que todos os homens possuem de combater a mentira onde quer que ela se apresente!

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“ ... as palavras do Cardeal Ratzinger por nós transmitidas, através das quais defendia o Vaticano II e suas decisões, não eram apenas muito claras como também foram por ele repetidas muitas e muitas vezes nas mais diversas ocasiões.

Entre inumeráveis exemplos, podemos citar sua intervenção por ocasião do décimo aniversário do encerramento do Concílio, em 1975. Em Bressano, recordei-lhe aquelas suas palavras, ouvindo–o confirmar que ainda hoje se reconhecia plenamente nelas.

Assim, já dez anos antes de nosso diálogo ele escrevia: ‘O Vaticano II encontra-se hoje em uma luz crepuscular. Pela chamada ‘ala progressista’, há muito tempo ele é considerado superado e, por conseguinte, um fato do passado, sem importância para o presente. Pela parte oposta, a ala ‘conservadora’, ele é julgado responsável pela atual decadência da Igreja Católica, e até se lhe atribui a apostasia com relação ao Concílio de Trento e ao Vaticano I: de tal forma que alguns chegaram a pedir a sua anulação ou uma revisão que equivaleria a uma retirada.’

E continuava: ‘Com relação a ambas as posições contrapostas, deve-se esclarecer, antes de tudo, que o Vaticano II é apoiado pela mesma autoridade do Vaticano I e do Concilio de Trento, isto é, o papa e o colégio dos bispos em comunhão com ele. Além disso, do ponto de vista do conteúdo, deve-se recordar que o Vaticano II se encontra em íntima continuidade com os dois Concílios precedentes, retomando literalmente alguns dos seus pontos decisivos.’

Daí Ratzinger deduz duas consequências: ‘Em primeiro lugar é impossível para um católico tomar posição a favor do Vaticano II contra Trento ou o Vaticano I. Quem aceita o Vaticano II, assim como ele se expressou claramente na letra, e entendeu-lhe o espírito, afirma ao mesmo tempo a ininterrupta tradição da Igreja, em particular os dois concílios precedentes. E isto deve valer para o chamado ‘progressismo’, pelo menos em suas formas extremas. Segundo: do mesmo modo, é impossível decidir-se a favor de Trento e do Vaticano I contra o Vaticano II. Quem nega o Vaticano II, nega a autoridade que sustenta os outros dois Concílios e, dessa forma, os separa de seu fundamento. E isso deve valer para o chamado ‘tradicionalismo’, também ele em suas formas extremas. Perante o Vaticano II, qualquer opção parcial destrói o todo, a própria história da Igreja, que só pode subsistir como uma unidade indivisível.’

Redescubramos o verdadeiro Vaticano II’

“Não são, portanto, o Vaticano II e os seus documentos que criam problemas (quase não há necessidade de recordar isto). Para muitos, na realidade, e Joseph Ratzinger está entre eles há muito tempo, o problema é constituído por interpretações de tais documentos que teriam levado a certos frutos da época pós-conciliar.

O pensamento de Ratzinger acerca desse período é claro há bastante tempo: ‘É incontestável que os últimos vinte anos foram decididamente desfavoráveis à Igreja Católica. Os resultados que se seguiram ao Concílio parecem cruelmente opostos às expectativas de todos, inclusive às de João XXIII e, a seguir, de Paulo VI. Os cristãos são novamente minoria, mais do que jamais o foram desde o final da Antiguidade.’

Assim explica ele o seu severo julgamento, repetido durante nossa conversa: ‘Os Papas e os Padres conciliares esperavam uma nova unidade católica, e, pelo contrário, caminhou-se ao encontro de uma dissensão que, para usar as palavras de Paulo VI, pareceu passar da autocrítica à autodestruição. Esperava-se um novo entusiasmo, e, no entanto, muito freqüentemente chegou-se ao tédio e ao desencorajamento. Esperava-se um impulso à frente, e, no entanto, o que se viu foi um progressivo processo de decadência que veio se desenvolvendo em larga medida, sob o signo de um presumido ‘espírito do Concílio’ e que, dessa forma, acabou por desacreditá-lo.

Portanto, concluía ele dez anos atrás: ‘Deve-se reafirmar claramente que uma reforma real da Igreja pressupõe um inequívoco abandono dos caminhos errados cujas conseqüências catastróficas já não podem ser negadas.’

Em outra ocasião escrevia ele: ‘O Cardeal Julius Dopfner dizia que a Igreja pós-conciliar é uma grande obra de construção. Mas um espírito crítico acrescentou que é uma obra de construção onde se perdeu o projeto e cada um continua a fabricar de acordo com o seu próprio gosto. O resultado é evidente.’

É constante nele, porém, a preocupação de repetir, com a mesma clareza, que, ‘nas suas expressões oficiais, nos seus documentos autênticos, o Vaticano II não pode ser considerado responsável por essa evolução, que pelo contrário, contradiz radicalmente tanto a letra como o espírito dos Padres conciliares.’

Diz ainda: ‘Estou convencido de que os danos encontrados nestes últimos anos não são atribuíveis ao Concílio ‘verdadeiro’, mas ao desencadear-se, no interior da Igreja, de forças latentes agressivas, centrífugas, talvez irresponsáveis ou simplesmente ingênuas, de um otimismo fácil, de uma ênfase quanto à modernidade que confundiu o hodierno progresso técnico com um progresso autêntico, integral. E, no exterior, ao impacto de uma revolução cultural: a afirmação, no Ocidente, do estrato médio-superior, da nova ‘burguesia do terciário’, com sua ideologia liberal-radical, marcada pelo individualismo, racionalismo e hedonismo.’

Portanto, a sua ordem de comando, a sua exortação que dirigiria a todos os católicos que quisessem permanecer católicos, não é certamente um ‘meia volta volver’ e sim um ‘ voltar aos textos autênticos do Vaticano II autêntico.’

Para ele, repete-me, ‘defender hoje a Tradição verdadeira da Igreja significa defender o Concílio. É também nossa culpa se alguma vez demos pretexto (tanto à ‘direita’ como à ‘esquerda’) para pensar que o Vaticano II tenha sido uma ‘ruptura’, uma fratura, um abandono da Tradição. Existe, pelo contrário, uma continuidade que não permite nem retorno para trás nem fugas para adiante; nem nostalgias anacrônicas nem impaciências injustificadas. É ao hoje da Igreja que devemos permanecer fiéis, não ao ontem nem ao amanhã: e esse hoje da Igreja são os documentos do Vaticano II em sua autenticidade. Sem reservas que amputem. E sem arbítrios que os desfigurem.’

Auxilium christianorum, ora pro nobis!

Bibliografia:

RATZINGER, Joseph; MESSORI, V. A fé em crise? O Cardeal Ratzinger se interroga. Trad. Pe. Fernando J. Guimarães, CSSR. São Paulo, E.P.U, 1985. pgs.15-18 (n.n)