segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Teologia Dogmática: Céu

Coroação da Virgem - Beato Angélico

10. CÉU

“Receberemos uma casa edificada por Deus, não
por mãos humanas, um edifício eterno no céu” ( 2Cor 5,1)
“Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14,2)
“Alegrai-vos e exultai: grande será a vossa recompensa
no céu” (Mt 5,12)
“Derramar-vos-ão no seio uma medida cheia, recalcada,
coagulada” (Lc 6,29)

IDÉIAS

Nós, seres terrestres, somos tentados demais a reduzir
o céu ao tamanho da nossa terrinha... é de nascença.
Sem sermos tão cínicos como Renan (um dos muitos
anti do céu). Moribundo, rabiscou num papel: "Meu
emprego no além, arquivista de mim mesmo; durante a
eternidade irei rever e remexer meus papéis e meus livros".
Quiçá já esteja fazendo isto? Quem sabe, Lúcifer
lhe cobrou a palavra, como outrora a Sísifo na lenda grega.
É curioso: ninguém tem pressa de ir para o céu, afora
os santos. Conta a anedota clerical que um moribundo
declara com franqueza: "Não tenho pressa de sair da terra;
pois terei durante toda a eternidade, bastante tempo
para amar a Deus e regozijar-me com ele".
O outro modo: o sacerdote-mártir, Pe. Jacques,
OCD, vítima do antisemitismo, exclama perante a morte
tão próxima, alegre, jubiloso: "Mas pensem!... Ver Deus!...
Ver Deus!..." Perguntam a Sta. Teresinha se está resignada
a morrer. Responde: "Acho que é necessário resignação
para viver. O pensamento da morte enche-me de
alegria".
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Pregador fiel foi Sto. Agostinho num sermão dominical.
Soube descrever tão bem a beleza do céu que o
auditório se levantou exclamando: "Pereant universa”
(Desapareça todo o universo). Simples, singelo, convicto,
o testemunho de um cristão do povo: Gauss, o matemático,
escreve em 1802 a um amigo: "Adeus, amigo! Que o
sonho, que chamamos vida, te continue bonito, antegosto
da verdadeira vida que nos espera em nossa pátria verdadeira.
Carreguemos esse fardo corajosamente, até o
fim. Quando então bater nossa última hora, quando caírem
do espírito livre as correntes do peso corporal, então
será indizível nossa alegria de ver aquele que só podíamos
adivinhar durante a vida terrestre".

ONDE?

Conta um antigo escritor que certo homem quis vender
seu belo e luxuoso palácio. Arrancou uma pedra dos
muros, exibindo-a aos companheiros como amostra de
propaganda. Risadas e caçoadas. Em situação semelhante
encontra-se quem tenta descrever o céu. São Paulo
sente-se na mesma situação e diz: "Quando eu era criança,
falava como criança; pensava como criança; julgava
como criança" (1Cor 13,11).
Perante a eternidade somos como crianças. Porque
o céu, nossa morada celeste, tem as dimensões de Deus,
que ultrapassam de longe as miniaturas terrestres. Onde
está o céu? A primeira pergunta da criança. Todos os dias
rezamos: "Pai Nosso que estais no céu". Como? Jesus
também pensava de um modo tão anticientífico, supondo
Deus residir em algum lugar entre as estrelas? E acontece
que o céu acima de nossa cabeça é um de dia e é outro
de noite, já que a terra gira ao redor de si.
Já o salmista do A.T. sabe a resposta (SI 138,7): "Aonde
irei para fugir do teu espírito? Se subo ao céu, tu lá
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estás. Se desço para o abismo: lá te encontro. Se tomo
vôo ao raiar da aurora e pouso no último limite do mar...
até lá se estende teu braço". O céu é Deus, e Deus está
em toda parte. E diz Jesus mais uma palavra de consolo e
alegria: "Quem me ama, guarda minhas palavras e meu
Pai o amará. E viremos a ele e faremos nele nossa habitação"
(Jo 14,23). O céu está dentro de nós.
Mesmo sabendo isto, Jesus gostava de rezar debaixo
do céu estrelado. E por que razão insistir: "Deus Pai do
céu?"... Para nos inculcar esta verdade tão simples e tão
esquecida, que o mundo ao nosso redor, por grande, por
forte, por bonito que seja, não é Deus. Deus está acima
de tudo isto... Mais alto... Foi também a fim de nos lembrar
sempre que a nossa pátria é o céu. No além, onde
mora o Pai. Lá está nosso lugar. Jesus mesmo nos manda
rezar todos os dias ao Pai do céu. Manda juntarmos
tesouros no céu. Garante que nosso nome está escrito no
céu e que ninguém nos roubará a felicidade. "Vinde, benditos
de meu Pai, e possui o reino que vos está preparado
desde o principio do mundo" (Mt 25,34).
Mas onde está este céu? Resposta: está onde está
Deus. Céu é vida de união com Deus. Céu é também vida
de comunidade de todos os anjos e bem-aventurados. E,
ao menos após o juízo final, após a ressurreição dos corpos,
esta comunidade – parece – estará em lugar corporal.
Penso que a terra será pequena demais para caberem
todos. Diz a Escritura que haverá um novo céu e uma nova
terra (2Pd 3,10; Ap 21,1). Mais, não sabemos.
E como será o céu? Outra pergunta infantil dos seres
humanos. E mais infantil ainda se imaginarmos algo
como paisagem romântica, parques de fantasia... Tudo
fantasia. A realidade será outra. E por sinal bem melhor.
"Olho humano jamais viu, nem ouvido humano jamais ouviu,
nem coração humano jamais sentiu o que Deus tem
preparado para aqueles que o amam" (1Cor 2,9).
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Nosso corpo (após a ressurreição universal) será
glorioso. Será o mesmo que conosco sofreu para conquistar
o céu. Mas será transformado. Será, em certo sentido,
espiritualizado, à semelhança do corpo glorioso de
Cristo ressuscitado. Não se transformará num ser espiritual.
Continuará sendo matéria e corpo humano. Mas participará
da glória divina, que transborda da alma beata.
"Semeia-se um corpo material e ressuscita um corpo espiritual.
Se há um corpo material, há também corpo espiritual"
(1Cor 15,43.44).

QUANDO

Sabemos que o céu é um paraíso verdadeiro. E, no
entanto, ninguém tem pressa de sair da terra. Por que
alegramo-nos tão pouco pela esperança do céu? Falta de
fé? A doutrina da Igreja é clara e está fora de discussão.
Sentimos que podemos contar com o céu. Mas por que
então um futuro tão risonho não "puxa?" Esta inefável felicidade
que nos é prometida pela fé, pela palavra de Deus,
devia preocupar-nos dia e noite. Devíamos arder em impacientes
sobressaltos, ansiosos como um escolar que
conta dias e horas até o início das férias. E todavia, nenhum
dos cristãos vive afobado pela vinda do céu.
Será, talvez, por medo da morte? O portão, que conduz
ao céu, é a morte com suas sombras, seus imprevistos
e suas incógnitas. Talvez já tenhamos visto alguma
pessoa nas últimas horas. Quadro desolador! Parece sentir
dores, apesar das injeções. Talvez este pensamento
esfria o entusiasmo. É possível. Mas pensando bem, após
algumas horas (não anos) no hospital, estaremos definitivamente
arranjados e para melhor.
Ou será o medo do inferno? Não pode ser! Quem
tem boa vontade tem o céu garantido. Boa vontade de
amar a Deus. E bondade para amar cá na terra seu pró
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ximo. Não disse Jesus que os misericordiosos serão tratados
com misericórdia? Os bondosos, com bondade. Tudo
na mesma medida. Portanto, não há problema.
Ou prende-nos o amor à vida terrena? Na mocidade,
sim. Mas depois – pensando bem – devíamos nos convencer
que só haveria vantagem na troca.
Mas qual é então o empecilho? A fé nos afirma e garante
o céu e sua desmedida felicidade. Mas são todas
elas coisas invisíveis E tão abstratas como fazer contas
de matemática ou geometria. E assim, não impressionam.
E nosso coração só se entusiasma se vê algo. É a grande
cegueira da humanidade perante o mundo do além. Por lá
tudo é escuro! Ou seja: tão azul celeste e nada mais. O
que Jesus contou, muito ou pouco; analisando suas palavras,
levantam-se novos problemas que restam no obscuro.
Jesus descreveu o céu com palavras singelas e com
várias parábolas, de um modo tão sugestivo que toda criança
é capaz de entender algo.
O céu, na teologia dogmática, é um dos tratados que
ocupam menos páginas. Mas também é impossível despejar
o mar num buraco da areia. O jeito é esperar. Somos
como um cego que viaja através de uma paisagem
belíssima: não vê nada. Se o companheiro tenta descrever-
lhe o que vê, alegra-se um pouco, talvez mais por ver
seu amigo tão entusiasmado. Mas, por hora, acontece
que todos os passageiros são cegos.
Daí, desta fraqueza da fé, da opacidade, da impermeabilidade
da mente humana é que provém o nosso
pouco entusiasmo pelo céu. É como se víssemos um país
só no mapa, não na realidade. O único remédio é meditar,
refletir mais, rezar. Talvez nos pegue algum dia a saudade
que sentiam os santos.
Francisco de Assis, na última doença, recebe a visita
de um anjo que toca um violino. Sumiram todas as dores
do moribundo. E disse o santo: tivesse tocado mais uma
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vez, teria morrido de felicidade. Diz Sto. Agostinho tão
bem: "O prêmio que Deus dá é ele mesmo. Pode-se ser
exigente e insaciável; Deus basta".

CIDADE CELESTE

O penúltimo capítulo da Bíblia tenta descrever, pintar-
nos o céu. Mas tudo em figuras simbólicas, arte abstrata.
São Paulo foi arrebatado até ao terceiro céu, mas
viu-se depois incapaz de dizer algo inefável. São João viu
abrir-se o céu ante os seus olhos: "Vi a cidade santa, a
nova Jerusalém, ornada como uma noiva" (Ap 21,1). E o
apóstolo tenta transmitir a mensagem do alto: uma cidade
maravilhosa feita de ouro, cristal, pérolas e pedras preciosas;
símbolos e reflexos, revérberos da glória de Deus.
Não há nem sol nem lua, porque "a glória de Deus" a ilumina.
Enorme seu tamanho. Seus habitantes: a grande
multidão de todas as tribos e de todas as nações da terra.
Cidade santa: porque é o "habitáculo de Deus entre
os homens. Deus mesmo habitará no meio deles" (Ap
21,3). Não há templo, nem Igreja nesta cidade, "porque
Deus e o Cordeiro são seu templo" (Ap 21,22). Santos
são seus moradores. "Nada de impuro ali entrará, nem
idólatra, nem herejes; mas somente os inscritos no livro
da vida" (Ap 21,26). Felizes seus habitantes. Daí, jorram
águas da vida eterna (Jo 7,39). "Uma torrente de água
viva resplendente como cristal" (Ap 22,1).
Ali está a árvore da vida, carregada de frutos que
dão a imortalidade, a vida eterna (22,1). "Deus enxugará
as lágrimas dos seus olhos; já não haverá nem luto, nem
lamento, nem dor". "Porque passaram as coisas de outrora"
(21,4). Brilha para eles o sol da vida eterna: Deus. E
seus raios se refletem em revérberos na fronte dos eleitos.
"Porque a sua luz é o Cordeiro. Brilharão pelos séculos
dos séculos" (22,5). Eis a cidadela celeste do vidente.
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Figuras e símbolos da "glória eterna".
Diz Jesus que os santos do céu "brilharão como o
sol" (Mt 13,43). Repete o apóstolo: "Deus nos chamou ao
seu Reino e à sua glória" (1Ts 2,12). "Deus vos chamou
para tomardes parte na glória de Cristo" (2Tes 2,14).
"Quando aparecer o Cristo, nossa vida, aparecereis também
vós com ele na glória" (Cl 3,4). E São Pedro promete-
nos uma "coroa imortal de glória" (1Pd 5,4).
Daí a conclusão: "Os sofrimentos do tempo presente
não se comparam com a glória futura que se há de revelar
em nós" (Rm 8,18). “A ligeira tribulação que de presente
sofremos nos merece um tesouro eterno de glória sem
igual. Contanto que cravemos o olhar, não nas coisas visíveis,
porém, nas invisíveis; pois o visível dura pouco
tempo, ao passo que o invisível é eterno" (2Cor 4,17).
Roger Wrenno, mártir inglês, foi condenado à forca
(1616, Lancaster). Mas a corda rebentou. O povo aplaudiu,
convidando-o a desistir da fé romana: "Vais ficar livre".
Mas Rogério correu depressa pelos degraus do palanque
acima. E o algoz caçoando: "Por que tanta pressa?"
Rogério: "Ó rapaz, se tivesses visto o que eu vi, tu
correrias também". Instantes depois estava para sempre
na glória de Deus.

Fonte: Livro "Teologia das Realidades Celestes", Pe. João Betting, p. 506-512.
Para baixar o livro na íntegra, clique aqui.