segunda-feira, 20 de julho de 2009

O Reinado de Cristo

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Por Prof. Pedro M. da Cruz.
 
“De repente, os perseguidores da Igreja de Jesus Cristo e de todos os homens entregues ao pecado perecerão...” ( Nossa Senhora de La Salette – 1846)
O que procurais?” Interpela-nos, novamente, o Cordeiro redivivo.[i]É essencial termos clareza de nossos objetivos, caso contrário, seremos como um mundo vago e às escuras. Se carecemos de meta e resolução, nos tornamos como destroços de um navio naufragado, arrastados pelo curso dos acontecimentos. Nesta perspectiva surgem as indagações: o que pretendemos com a pregação do Evangelho? Que fulano ou beltrano se convertam, e nada mais? Será que nosso escopo é, tão somente, uma sociedade mais justa, apesar das péssimas diferenças ideológicas? Buscar-se-ia, talvez, uma preparação para o Além, muitas vezes, firmada num desprezo gnóstico pelas coisas materiais, ou quiçá, um mal compreendido conforto metafísico? Qual o fim último de todos os nossos esforços? Por que trabalhamos? Qual o nosso objetivo?
Um alvo é necessário! Não podemos andar tateando, sem rumo, procurando certas melhorias aqui e acolá, como se o cristianismo fosse um mero “tapa buraco”. Sejamos claros, claríssimos: o que queremos é a transformação do mundo! Sim, de todo o mundo! Com todo o complexo de suas culturas e instituições; aniquilarmos todo raciocínio e todo orgulho que se levanta contra o conhecimento de Deus, e cativar todo pensamento, reduzindo-o à obediência a Cristo[ii]; queremos uma ordem mundial que exista perfeitamente à luz do Evangelho, o Reino de Deus na terra, uma prefiguração da Sociedade Celeste.[iii]
Sabemos que o reinado temporal de Cristo, ainda que glorioso nesta terra, será uma mera sombra embaçada da futura realidade escatológica, onde todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra, reunir-se-ão no Verbo encarnado para celebração da glória de Deus;[iv] mesmo assim, é imperativo que este mundo preste tributo ao Rei vitorioso, existindo ao máximo, no que lhe é possível, segundo a verdade de seus sublimes ensinamentos. “Christus vincit! Christus regnat! Christus ímperat![v]
Como podemos perceber, a Igreja possui um alto ideal de sociedade humana; de um Estado perfeitamente cristão. Ali, as nações não terão senão um único Deus, assim como, uma única fé, um único Batismo, e uma única Religião. As duas autoridades - temporal e espiritual – devidamente unidas entre sí, e reconhecendo seus legítimos limites de atuação, marcharão à luz do Evangelho com o firme propósito de sempre atuarem em plena conformidade com os ensinamentos do Divino Mestre .[vi]
Obviamente, que a Igreja fundada pelo Filho de Deus, mãe e mestra sapientíssima da verdade, sabe o momento propício de exigir dos homens aquilo que eles podem conceder. Deste modo, mesmo entendendo que a ordem social cristã seja a mais perfeita para o mundo, não afirma, no entanto, que todas as outras tentativas de organização humana sejam completamente más, uma vez que nelas há muitas características boas, que, inclusive, por serem boas, pertencem, em sua realidade mais íntima, ao próprio Salvador.[vii] Sendo assim, muitas vezes, as tolera com destreza, tendo em vista um bem maior para o futuro.
Queremos uma Cristandade! E que esta se traduza num todo, harmoniosamente ordenado, para maior glória de Deus e salvação dos seres humanos! Por ela lutamos com entusiásmo, fiéis aos nossos pastores, a exemplo dos católicos medievais, que souberam encarnar do modo mais perfeito até então alcançado, apesar das contingências históricas, o ideal cristão de sociedade temporal. Descrevendo aquela época memorável, falava-nos Leão XIII nestes termos solenes: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nesta época, a influência da sabedoria Cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre sí por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.”[viii]
Mont Saint-Michel
Restauremos esta era gloriosa! E se, no passado, a cristandade brilhou com tal fulgor perante as trevas dum mundo agonizante, agora resplandecerá com ainda maior beleza e superioridade perante o neo-paganísmo hodierno que assola nosso tempo. É próprio de Deus vingar com uma grandeza superior o dom outrora rechaçado. A cristandade, uma vez restaurada, tomará contornos imponderáveis, crescendo de requinte em requinte numa sublime manifestação das perfeições infinitas de Deus. Afinal, é este o fim de todas as coisas visíveis;[ix] e o alcançará na medida em que formos cada vez mais ousados em nossa fidelidade a Cristo, Rei do universo.
Neste sentido, o cristianismo convoca cidadãos de todas as nações, não olhando a diferença dos costumes, das leis, das instituições, e não suprimindo nem destruindo nenhuma destas coisas, mas, pelo contrário, aceitando e conservando tudo aquilo que, embora diverso, tende para um só e mesmo fim glorioso.[x] Aqui, cada nacionalidade, mantendo suas legítimas peculiaridades, tranqüilamente submissas a seus governantes, esforçar-se-á por viver absorta no oceano do Evangelho, conduzida na senda da verdade pela única Igreja de Jesus Cristo. Deste modo, todos os homens e todas as coisas estariam dispostas segundo a doutrina da Igreja, formando a verdadeira e mais perfeita ordem que pode existir entre as criaturas humanas: a maravilhosa Civilização Cristã![xi] Esta é, como temos observado, a estruturação de todas as relações e instituições humanas, sem esquecermos, do próprio Estado, à luz da realeza absoluta do Filho de Deus. Então - diz-nos Nossa Senhora de La Salette - Jesus Cristo será servido, adorado e glorificado; a caridade florescerá por toda parte. Os novos reis serão o braço direito da Santa Igreja, a qual será forte, humilde, piedosa, pobre, zelosa e imitadora das virtudes de Nosso Senhor; o Evangelho será pregado por toda parte e os homens farão grandes progressos na fé.[xii]
Não corresponde este tempo magnífico à gloriosa era de Maria profetizada por São Luiz Maria Grignion de Montfort? De fato, se foi por intermédio da Santíssima Virgem que o Redentor veio ao mundo, é também por meio dela que Ele deve reinar neste mesmo mundo restaurado.[xiii] Este, caríssimos, é outro aspecto profundo do assunto por nós tratado que merece a atenção devida em outro artigo. Por hora, voltemos à nossa reflexão, sem tocarmos, por exemplo, no período tenebroso de tribulações, que após este interstício providencial, assolará os eleitos nos tempos do Anticristo, denso palco da Parusia.[xiv]
Por certo é à Igreja que pertencem os meios próprios para promover a salvação das almas; mas, a sociedade e o Estado têm os meios instrumentais para o mesmo fim, cabendo a eles, como um corpo que é conduzido por sua alma, agirem em harmoniosa conformidade com a autoridade espiritual. Por isso, escrevia-nos o grande São Pio X, que somente através da religião verdadeira poder-se-á gerar no mundo uma verdadeira civilização;[xv] o que torna, mais uma vez gritante, a certeza comprometedora de que, cabe à Igreja Católica, dada a ordem das coisas, um papel tão indubitável quanto necessário, na implantação de um sistema de coisas onde todas as ações particulares dos homens, assim como, todas as leis, costumes, instituições e manifestações artísticas da humanidade, sejam os meios ideais para alcançarmos a salvação eterna.[xvi] Com efeito, movidos por um agente mais alto e sublime, a sociedade e o Estado produzirão um efeito superior a si mesmos, para a maior glória de Deus.[xvii]
É ousada a pretensão do catolicismo! E como poderia deixar de sê-lo? Temos a convicção de que com Deus faremos proezas.[xviii]Mas, não é verdade que, ainda no fim dos tempos, encontrar-se-á o joio em meio ao trigo? Sim, foi exatamente o que nos profetizou o Mestre divino.[xix] Como pensar então numa Civilização Católica onde coexista a verdade e a mentira, o bem e o mal? Não seria um contra-senso, um disparate? Lembremo-nos, no entanto, que até mesmo a desgraça do ímpio contribui para manifestar a justiça do Pai celestial.[xx] Se, ao lado da futura cristandade, ainda encontraremos o espectro sombrio do mal, isso se dará para realçar com mais impacto a santidade dos bons. Porém, quando chegar o perfeito, o imperfeito desaparecerá,[xxi]e após a volta gloriosa do Salvador, reinará a luz absoluta e nela não haverá treva alguma.[xxii]
Finalmente, nos recordamos das sábias palavras de Leão XIII ao Cardeal Gibbons. Ele afirmava, acertadamente, que é por meio do homem que o homem deve conhecer o caminho da salvação. Não esperemos, portanto, a realização gloriosa do reinado temporal de Cristo independente de todo esforço humano. Nosso suor e nossas lágrimas regarão o solo donde nascerá a verdadeira civilização cristã. Ratifiquemos, com gravidade, que estamos diante de questões realmente cruciais! Usemos, pois, os meios humanos como se os divinos não existissem, e os divinos como se não existissem os humanos - já nos ensinava Santo Inácio de Loyola.
Se a alma cristificada participa dos sonhos do Redentor,[xxiii] então, uma conformidade de desejos se impõe; concomitantemente, querer-se-á, por exemplo, uma atmosfera cultural que favoreça, ao máximo, as melhores condições de desenvolvimento pessoal e coletivo rumo ao mais perfeito cumprimento da vontade de Deus. Ou, não seria esta a vontade de Cristo? De fato, tudo deve propiciar o culto devido ao Criador e a salvação das almas.
É óbvio – ressaltemos - que o Reino de Cristo, propriamente dito, não pertence a este mundo, Ele mesmo o afirmou categoricamente; [xxiv]sabe-se, entretanto, que há uma relação íntima entre as coisas espirituais e aquelas que se dão entre nós. A ordem temporal deve, neste sentido, prefigurar, majestosamente, as realidades sobrenaturais![xxv] Pela própria natureza das coisas, a sociedade e o Estado, assim como todas as manifestações da inteligência humana, possuem o dever gravíssimo de transformarem-se, progressivamente, numa imagem sempre mais tangível e perfeita, das inexprimíveis maravilhas celestiais. Somente assim cumprirão seu objetivo, oferecendo à criatura o auxílio necessário à consecução do fim glorioso ao qual fora chamada: a Bem-aventurança eterna!

[i] S João 1,38
[ii] II Coríntios 10, 5
[iii] Apocalipse 21, 22-23
[iv] Efésios 1,9-12
[v] Tradução: “Cristo vence! Cristo reina! Cristo impera!”
[vi] JOSE GUIMARÃES, Pe. Fernando. Conferências da assunção, Pe. Júlio Maria. I Série, 1897. São Paulo: Editora Santuário, 1988. Pg . 171. Sabemos que o sumo Pontífice possui um poder direto sobre as coisas espirituais e um poder indireto sobre as coisas temporais, enquanto dizem respeito à salvação das almas.
[vii] S. Tiago 1,17
[viii] Leão XIII, Encíclica Immortale Dei, de 1885
[ix] Romanos 1,19-21
[x] João Paulo II. Carta Apostólica sobre Santo Agostinho de Hipona. Documentos Pontifícios, Nº 210. Petrópolis: Vozes, 1986. Pg. 19. Ver também, Gaudium et Spes – 58: “A Igreja purifica e eleva incessantemente os costumes dos povos. Com as riquezas do alto ele fecunda, como que por dentro, as qualidades do espírito e os dotes de cada povo e de cada idade, fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo.”
[xi]Jamais se deve perder de vista que o objetivo da Igreja está na evangelização e não na civilização. Se ela civiliza, é para evangelizar.” (Pio XI ao Exmo. Sr. Roland-Gosselin / Gaudium et Spes – 58)
[xii] Conf. Revista Catolicismo, Nº 669 – Setembro 2006 – Ano LVI.
[xiii] DE MONTFORT, S. Luiz Maria Grignion. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Vírgem. 30º Edição. Petrópolis: Vozes, 2002. Fim do prefácio do Pe. F. W. Faber, e a introdução na pg. 17.
[xiv] S. Mateus 24. O texto faz referência não só às tribulações que precederão imediatamente a volta gloriosa de Cristo, como também às vicissitudes que acompanham a Igreja ao longo dos séculos. Mesmo no tempo em que se implantará uma era mais gloriosa para a Igreja, estará em efervescência no íntimo dos maus os complôs, aqui e acolá insinuados, contra a justiça implantada por Deus entre os homens, que por não ser absoluta, e sim profético- escatológica, se esfriará devido à apatia e cegueira dos bons. Mas, as coisas seriam mais diferentes se os homens fossem melhores e correspondessem à graça do bom Deus... no mais, a única ordem absoluta é o Reino de Deus na eternidade.
[xv] Carta ao Episcopado Francês, de 28 de Agosto de 1910, sobre “Le Sillon
[xvi] Explica-nos o Vaticano II que a Comunidade política existe por causa de um bem comum, e que este compreende o conjunto daquelas condições de vida social, que permitam aos homens, às famílias e às sociedades poderem conseguir mais fácil e desembaraçadamente a própria perfeição. (Gaudium et Spes – 74)
[xvii] DE OLIVEIRA, Plinio Corrêa. Revolução e Contra-Revolução. 4º Edição em Português. São Paulo: Artpress, 1998. Pg. 60.
[xviii] Salmo 107, 14 (Heb.108)
[xix] S. Mateus 13,41
[xx] Provérbios 16,4; Romanos 9,21-24
[xxi] I Coríntios 13,10
[xxii] I S. João 1, 5
[xxiii] S. João 17, 21-23
[xxiv] S. João 18, 36
[xxv] Basta observar, por exemplo, a relação que se faz entre Jerusalém e a glória eterna. Conf. Apo. 21; e também: Sal.19,1: “ Narram os céus a glória de Deus ...”