Discurso ao Conselho Pontifício da Cultura
CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 10 de março de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o discurso que Bento XVI pronunciou no sábado, ao receber em audiência no Palácio Apostólico Vaticano os participantes da Assembléia Plenária do Pontifício Conselho da Cultura.
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Senhores cardeais,
queridos irmãos no episcopado e no sacerdócio,
estimados senhores e senhoras:
Agrada-me recebê-los, por ocasião da Assembléia Plenária do Pontifício Conselho da Cultura, e me alegro pelo trabalho que desenvolveis e, em particular, pelo tema escolhido para esta sessão: «A Igreja e o desafio da secularização». Esta é uma questão fundamental para o futuro da humanidade e da Igreja. A secularização, que freqüentemente se transforma em secularismo, abandonando a acepção positiva de secularidade, submete a uma dura prova a vida cristã dos fiéis e dos pastores e, em vossos trabalhos, vós a haveis interpretado e transformado também em um desafio providencial para propor respostas convincentes aos interrogantes e às esperanças do homem contemporâneo nosso.
Agradeço ao arcebispo Dom Gianfranco Ravasi, novo presidente do dicastério, pelas cordiais palavras com as quais se fez vosso intérprete e explicou a articulação dos trabalhos. Agradeço também a todos pelo generoso empenho para que a Igreja se situe em diálogo com os movimentos culturais de nosso tempo, e se conheça assim, cada vez mais capilarmente, o interesse que a Santa Sé nutre pelo grande e variado mundo da cultura. Hoje mais que nunca, de fato, a abertura recíproca entre as culturas é um campo privilegiado para o diálogo entre homens e mulheres comprometidos na busca de um autêntico humanismo, muito além das diferenças que os separam. A secularização, que se apresenta nas culturas como proposta do mundo e da humanidade sem referência à Transcendência, invade todo aspecto da vida cotidiana e desenvolve uma mentalidade na qual Deus está de fato ausente, em tudo ou em parte, da existência e da consciência humana. Esta secularização não constitui só uma ameaça externa para os crentes, mas se manifesta já há muito tempo no próprio seio da Igreja. Desnaturaliza desde dentro e em profundidade a fé cristã e, em conseqüência, o estilo de vida e o comportamento diário dos crentes. Eles vivem no mundo e freqüentemente estão marcados, se não condicionados, pela cultura da imagem, que impõe modelos e impulsos contraditórios, na negação prática de Deus: já não há necessidade de Deus, de pensar n’Ele e de voltar a Ele. Também a mentalidade hedonista e consumista predominante favorece, nos fiéis e nos pastores, uma deriva para a superficialidade e um egocentrismo que prejudica a vida eclesial.
A «morte de Deus», anunciada nas décadas passadas por tantos intelectuais, cede o lugar a um culto estéril do indivíduo. Neste contexto cultural, existe o risco de cair em uma atrofia espiritual e em um vazio do coração, caracterizados às vezes por formas parecidas de pertença religiosa e de vago espiritualismo. Revela-se quão urgente é reagir a tal deriva mediante a recordação dos valores elevados da existência, que dão sentido à vida e podem apagar a inquietude do coração humano em busca da felicidade: a dignidade da pessoa humana e sua liberdade, a igualdade entre todos os homens, o sentido da vida e da morte e do que nos espera após a conclusão da existência terrena. Nesta perspectiva, meu predecessor, o servo de Deus João Paulo II, consciente das mudanças radicais e rápidas das sociedades, com insistência chamou a atenção sobre a urgência de encontrar o homem no campo da cultura para transmitir-lhe a mensagem evangélica. Precisamente por isso instituiu o Conselho Pontifício da Cultura, para dar um novo impulso à ação da Igreja e por fazer que o Evangelho se encontre com a pluralidade das culturas nas diversas partes do mundo (cf. Lettera al Card. Casaroli, em: AAS LXXIV, 6, pp. 683-688). A sensibilidade intelectual e a caridade pastoral do Papa João Paulo II o impulsionaram a destacar o fato de que a revolução industrial e os descobrimentos científicos permitiram responder a perguntas que antes se haviam satisfeito parcialmente só desde a religião. A conseqüência foi que o homem contemporâneo tem com freqüência a impressão de não precisar mais de ninguém para compreender, explicar e dominar o universo; ele se sente o centro de tudo, a medida de tudo.
Mais recentemente, a globalização, através das novas tecnologias da informação, não raramente teve como resultado também a difusão em todas as culturas de muitos componentes materialistas e individualistas do Ocidente. Cada vez mais a fórmula «Etsi Deus non daretur» [«Como se Deus não existisse», N. do T.] se converte em um modo de viver que dá origem de uma espécie de «soberba» da razão – realidade criada e amada por Deus – que se considera auto-suficiente e se fecha à contemplação e à busca de uma Verdade que a supera. A luz da razão, exaltada, mas na realidade empobrecida, pelo Iluminismo, substitui radicalmente a luz da fé, a luz de Deus (cf. Bento XVI, Alocução para o encontro com a Universidade de Roma «La Sapienza», 17 de janeiro de 2008). Por isso, são grandes os desafios que a missão da Igreja deve enfrentar neste âmbito. Quão importante se revela, por isso, o compromisso do Conselho Pontifício da Cultura por um diálogo fecundo entre ciência e fé. É um confronto muito esperado pela Igreja, mas também pela comunidade científica, e vos alento a prossegui-lo. Nele, a fé supõe a razão e a aperfeiçoa, e a razão, iluminada pela fé, encontra a força para elevar-se no conhecimento de Deus e das realidades espirituais. Neste sentido, a secularização não favorece o objetivo último da ciência que é o serviço do homem, «imago Dei» [«imagem de Deus», N. do T.]. Que continue este diálogo na distinção das características específicas da ciência e da fé. Com efeito, cada uma tem métodos próprios, âmbitos, objetos de investigação, finalidades e limites, e deve respeitar e reconhecer na outra sua legítima possibilidade de exercício autônomo segundo os próprios princípios (cf. Gaudium et spes, 36); ambas estão chamadas a servir o homem e a humanidade, favorecendo o desenvolvimento e o crescimento integral de todos e de cada um.
Exorto sobretudo os pastores do rebanho de Deus a uma missão incansável e generosa para enfrentar, no campo do diálogo e do encontro com as culturas, do anúncio do Evangelho e do testemunho, o preocupante fenômeno da secularização, que debilita a pessoa e a obstaculiza em seu anseio inato pela Verdade completa. Que assim, os discípulos de Cristo, graças ao serviço prestado em particular por vosso dicastério, possam continuar anunciando Cristo no coração das culturas, porque Ele é a luz que ilumina a razão, o homem e o mundo. Coloquemos também nós ante a admoestação dirigida ao anjo da Igreja de Éfeso: «Conheço tua conduta, tuas fadigas e tua paciência... Mas tenho contra ti que perdeste teu primeiro amor» (Ap 2, 2.4). Façamos nosso o grito do Espírito e da Igreja: «Vem!» (Ap 22, 17), e deixemos que nos invada o coração a resposta do Senhor: «Sim, venho muito em breve!» (Ap 22, 20). Ele é nossa esperança, a luz para nosso caminho, a força para anunciar a salvação com valentia apostólica chegando até o coração de todas as culturas. Que Deus vos assista no cumprimento de vossa árdua, mas entusiasmante missão! Confiando a Maria, Mãe da Igreja e Estrela da Nova Evangelização, o futuro do Pontifício Conselho da Cultura e o de todos seus membros, eu vos envio de todo coração a Bênção Apostólica.
[© Copyright 2008 - Libreria Editrice Vaticana.
Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri]
Fonte: http://www.zenit.org/article-17823?l=portuguese
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