Comentário sobre a liturgia do 16º domingo do Tempo Comum
ROMA, sexta-feira, 18 de julho de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap., pregador da Casa Pontifícia, sobre a liturgia do próximo domingo.
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16º Domingo do tempo Comum
Leituras: Sabedoria 12, 13.16-19; Romanos 8, 26-27; Mateus 13, 24-43
O trigo e o joio
Com 3 parábolas, Jesus apresenta no Evangelho a situação da Igreja no mundo. A parábola do grão de mostarda que se converte em uma árvore indica o crescimento do Reino, não tanto em extensão, mas em intensidade; indica a força transformadora do Evangelho, que «aumenta» a massa e a prepara para converter-se em pão.
Os discípulos compreenderam facilmente estas duas parábolas; mas isso não aconteceu com a terceira, a do trigo e do joio, e Jesus teve de explicá-la à parte.
O semeador, disse, era ele mesmo; a boa semente, os filhos do Reino; o joio, os filhos do maligno; o campo, o mundo; e a colheita, o fim do mundo.
Esta parábola de Jesus, na antigüidade, foi objeto de uma memorável disputa que é muito importante levar em consideração também hoje. Havia espíritos sectários, donatistas, que resolviam a questão de maneira simplista: por um lado, está a Igreja (sua igreja!), constituída somente por pessoas perfeitas; por outro, o mundo, repleto de filhos do maligno, sem esperança de salvação. A estes se opôs Santo Agostinho: o campo, explicava ele, certamente é o mundo, mas também na Igreja, lugar em que vivem juntos santos e pecadores e em que existe lugar para crescer e converter-se. «Os maus – dizia ele – estão no mundo ou para converter-se, ou para que por meio deles os bons exerçam a paciência.»
Os escândalos que de vez em quando atingem a Igreja, portanto, devem nos entristecer, mas não surpreender. A Igreja está composta de pessoas humanas, não somente de santos. Além disso, também existe joio dentro de cada um de nós, não somente no mundo e na Igreja, e isso deveria eliminar de nós a propensão a apontar com o dedo os demais. Erasmo de Rotterdam respondeu a Lutero, que o reprovava por sua permanência na Igreja Católica apesar de sua corrupção: «Suporto esta Igreja com a esperança de que seja melhor, pois ela também está obrigada a suportar-me esperando que eu seja melhor».
Mas talvez o principal tema da parábola não seja o trigo nem o joio, e sim a paciência de Deus. A liturgia destaca isso com a escolha da 1ª leitura, que é um hino à força de Deus, que se manifesta sob a forma de paciência e indulgência. Deus não tem simples paciência, isto é, não espera o dia do juízo para depois castigar mais severamente. Trata-se de magnanimidade, misericórdia, vontade de salvar.
A parábola do trigo e do joio permite uma reflexão de maior alcance. Um dos maiores motivos do mal-estar para os fiéis e da rejeição de Deus sempre foi a «desordem» que existe no mundo. O livro bíblico do Eclesiastes, que tantas vezes se faz porta-voz das razões dos que duvidam e dos céticos, escrevia: «Tudo acontece igualmente ao justo e ao ímpio... Sob o sol, ao invés do direito, está a iniqüidade, e ao invés da justiça, a impiedade» (Ecle 3, 16; 9, 2). Em todas as épocas se viu que a iniqüidade triunfa e que a inocência é humilhada. «Mas – como dizia o grande orador Bossuet – para que não se acredite que no mundo existe algo fixo e seguro, às vezes se vê o contrário, isto é, a inocência no trono e a iniqüidade no patíbulo.»
O autor do Eclesiastes já havia encontrado a resposta a esse escândalo: «Eu disse em meu coração: Deus julgará o justo e o ímpio, pois lá existe um tempo para cada coisa e para toda obra» (Ecle 3, 17). É o que Jesus chama na parábola de «tempo da colheita». Trata-se, em outras palavras, de encontrar o ponto de observação adequado diante da realidade, de ver as coisas à luz da eternidade.
É o que acontece com alguns quadros modernos que, se forem vistos de perto, parecem uma mistura de cores sem ordem nem sentido, mas se forem observados da distância adequada, convertem-se em uma imagem bela e poderosa.
Não se trata de permanecer com os braços cruzados diante do mal e da injustiça, mas de lutar com todos os meios lícitos para promover a justiça e reprimir a injustiça e a violência. A esse esforço, que todos os homens de boa vontade realizam, a fé acrescenta uma ajuda e um apoio de valor inestimável: a certeza de que a vitória final não será da injustiça, nem da prepotência, mas da inocência.
Para o homem moderno, é difícil aceitar a idéia de um juízo final de Deus sobre o mundo e a história, mas dessa forma ele se contradiz, pois ele mesmo se rebela com a idéia de que a injustiça tenha a última palavra. Em muitos milênios de vida sobre a terra, o homem se acostumou com tudo; adaptou-se a todo clima, imune a muitas doenças. Existe algo ao qual ele nunca se acostumou: a injustiça. Já não somente será querido por Deus, mas também pelos homens e, paradoxalmente, também pelos ímpios. «No dia do juízo universal – diz o poeta Paul Claudel –, não somente virá do céu o Juiz, mas se precipitará ao seu redor toda a terra.»
Como mudam as vicissitudes humanas quando são vistas desde este ponto de vista, incluídas as que acontecem no mundo de hoje! Tomemos o exemplo que tanto humilha e entristece a nós, italianos: o crime organizado, a máfia..., e que com outros nomes está presente em muitos países. Recentemente, o livro «Gomorra», de Roberto Saviano, e o filme que foi feito sobre ele documentaram o nível de ódio e de desprezo alcançado pelos chefes dessas organizações, assim como o sentimento de impotência e quase de resignação da sociedade diante desse fenômeno.
No passado, vimos pessoas da máfia, que foram acusadas de crimes horrorosos, defender-se com um sorriso nos lábios, colocar em xeque juízes e tribunais, rir diante da falta de provas – como se, livrando-se dos juízes humanos, tivessem resolvido tudo. Se eu pudesse me dirigir a eles, eu lhes diria: «Não se iludam, pobres desgraçados; vocês não conseguiram nada! O verdadeiro juízo ainda deve começar. Ainda que vocês terminem seus dias em liberdade, temidos, honrados, e inclusive com um funeral religioso espetacular, depois de ter oferecido grandes quantias a obras de piedade, não terão conseguido nada. O verdadeiro Juiz os espera detrás da porta, e não é possível enganá-lo. Deus não se deixa corromper».
Deveria ser, portanto, motivo de consolo para as vítimas e de saudável susto para os violentos o que Jesus diz ao concluir sua explicação sobre a parábola do joio: «Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assim também acontecerá no final dos tempos: o Filho do Homem enviará seus anjos, e eles retirarão do seu reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; e depois os lançarão na fornalha de fogo. Aí haverá choro e ranger de dentes. Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai».
[Tradução: Aline Banchieri. Revisão: Alexandre Ribeiro.]
Fonte: http://www.zenit.org/article-19081?l=portuguese
2 comentários:
Que DEus abra nossos coraçôes para essas verdades.
Lucilene.
Essa é a Igreja do Senhor!
Mas que o Sol de justiça possa iluminar nossos caminhos para que possamos permanecer na luz e longe das trevas para sermos um dia justificados.
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