sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Entre jardins e grutas tenebrosas...

Jardins do Vaticano

(O texto que vai abaixo deveria ter sido publicado no último Natal, o que não aconteceu por diversos imprevistos. Ainda assim, julgamos conveniente publicá-lo agora, cabendo ao leitor apenas contextualizar sua mensagem espiritual)


Por Prof. Pedro M. da Cruz



Um Rei extraordinário em seu trono de marfim revestido de ouro fino (1), cercado por milhares de cavaleiros, servido em taças do mais nobre metal; protegido em seu palácio de cedro e cipreste maravilhosamente combinado com o cristal mais límpido. Cantos, festas, banquetes ... assim imaginavam, iludidos em sua ignorância e orgulho, muitos dos que esperavam o “ Rei dos Judeus” (2). Entretanto, quão impenetráveis são os juízos do Altíssimo e inexploráveis os seus caminhos. Quem pode compreender os insondáveis pensamentos de Deus ?!(3) Indo à procura do Salvador, chamado, mesmo pelos anjos de “Senhor” (4), o que encontraram os pastores? Maria, José e um menino deitado num cocho onde se servia comida aos animais (5).Que Mistério desconsertante! Uma criança pobre, envolta em faixas numa gruta escura e suja, rodeada por animais, velada pelo olhar virginal de sua boníssima mãe – mas que mãe!- e protegida pela virtude do pai – e que pai! - tão justo e casto. “ O mistério por seu próprio segredo, provoca veneração.”(6)

O filho de Deus descera dos céus e deste não sentira saudades, pois sua Mãe, com sublimes encantos, compensava aqueles esplendores celestiais (7). Em Maria Santíssima aquela virgindade, pureza e graça sobrenaturais, propagavam uma luz tão radiosa e imponderável, que somente Nosso Senhor podia abarcá-la em sua totalidade. Ela era aos seus olhos, e numa medida só a Ele perceptível, seu amor, como também seu jardim de delícias toda bela e graciosa (8).

Temos ante os olhos duas realidades tão verdadeiras quanto paradoxais: uma exterior e natural, ao alcance de todo e qualquer observador; outra, por sua vez, interior e mística, da qual são capazes somente aqueles que tem um coração dilatado pela graça. O olhar superficial pararia nas chamadas injustiças, mesquinharias, loucuras e fracassos, presentes na pobreza de Belém; porém, aos olhares profundos e místicos, descortina-se todo um oceano de infinitas torrentes da sabedoria divina, uma vez que ali se encontram grandeza, glória, esplendor e majestade; realidades espirituais secretamente veladas.

Este é um caminho do Senhor! Esconder pérolas preciosas em campos desvalorizados, a fim de que somente os puros e ousados possam encontrá-las; oculta em fatos, à primeira vista ordinários, verdadeiros tesouros jamais concebíveis em toda sua riqueza. De fato, é exatamente assim que se dá nas coisas de Deus. Entrando, pelas brechas da vida, nos mais recônditos cantos da alma humana, ascende ali um lume de verdade !!! Quiçá para aquecer-se naquele lugar mórbido e sombrio, ausente da graça... E vai, pouco a pouco, fixando aqui e acolá pequenas tochas de virtudes nos corredores escuros, secretamente interiores, inacessíveis aos outros mortais, na esperança de que aquele deserto de infelicidade ceda lugar a um vergel estupendo, povoado de maravilhas. O homem é, deste modo, sempre “desejo” diante da outra realidade mística infinitamente vasta porque divina; isso para não ocorre r que “saciado o apetite, calce aos pés o favo de mel.” (9) Desejando e saciando-se ininterruptamente o homem é sempre busca e gozo num Deus imenso, permanecendo, muitas vezes sem o perceber, numa oração constante, como bem solicitou o grande São Paulo de Tarso (10). Esta verdade não poderia passar de spercebida ao Santo Bispo de Hipona que em sua vida de mortificações e penitências escrevera “O teu próprio desejo é a tua Oração: e o contínuo desejo é uma constante oração.” (11)

Por fim, depois de havermos rapidamente percebido a confusão dos que encontraram a Sagrada família em Belém, a sublime realidade escondida por detrás da pobreza que envolveu a vinda do Messias, e cogitado, mesmo que modestamente, sobre o mistério da ação Divina, detenhamo-nos num ponto de particular luminosidade, antes de encerrarmos nossa singela meditação.

Porque quis Nosso Senhor nascer exatamente num Estábulo, numa gruta? Porque ?! Quem pode compreender os pensamentos do Senhor em toda sua altura? Nestes abismos, quanto mais se lançam os homens mais profundos eles ficam. Não poderia o Pai Celestial, haver preparado ao seu amado filho unigênito ao menos uma casinha, mesmo que fosse humilíssima? Sim ! Poderia. Mas não o fez. Somente uma gruta sombria marcada por sua feiúra poderia prefigurar tão acertadamente as almas às quais o menino Jesus havia sido enviado. A Gruta suja, fétida, desconfortável, em meio à noite, povoada de animais ... é uma imagem gritante da alma humana decaída após o Pecado Original, agravada por tantas faltas cotidianas e povoada por vícios, traumas, angústias, sofrimentos os mais variados. Ali queria encontrar abrigo o Salvador, porque de fato “não são os sãos que precisam de médico, mas sim os doentes.” (12)


A Virgem Maria distinguia-se entre os outros seres humanos como um Lírio puríssimo entre os espinhos (13); por isso, era compreensível que o Verbo Encarnado viesse primeiramente a ela em seu seio Castíssimo. Cumpria-se assim, devidamente, a Justiça. Eis aqui, caro leitor, um dos motivos sublimes de o Bem-amado haver decido antes de tudo ao dulcíssimo jardim de sua alma virginal e imaculada; aos canteiros perfumados de suas virtudes elevadíssimas. Com este ato singular, exaltava, primeiramente, a Nova Eva, já que a Antiga Eva também havia tido a primazia entre os seres humanos, porém no tocante ao castigo reparador. Além do que - reconheçamos - o Novo Adão desejava colher os Lírios das fidelidades marianas... (14). Enterrava deste modo o antigo ato adâmico que colhera o fruto da desobediência daquela que era o extremo oposto da Virgem Mãe de Deus. Eis o que queria o Divino Redentor, antes mesmo de vir às grutas fétidas e infrutíferas das almas restantes.

Este é o estado das criaturas que jazem no pecado. “Não há trevas mais densas, nem coisa mais escura e negra: a tudo excede a sua escuridão” (15). A Mãe de Deus era toda de seu Filho e Ele todo dela ! Naquela alma, qual jardim, Ele apascentava entre lírios... Enquanto isso, nas grutas escuras de nossas almas pecadoras Ele deve lutar contra os animais indômitos de nossos vícios e más inclinações. A gruta de Belém é, nesta perspectiva, a prefiguração das almas pecadoras que, apesar de suas limitações, abrem-se gradativamente ao Verbo Encarnado que nos vem pelas mãos maternais de Maria Santíssima. Há nestas moradas interiores, graças ocultas; graças que germinam quase que imperceptivelmente, mas que ali estão, serpenteando, predispondo seu hospedeiro ao lance súbito do amor divino. É bem verdade, o Senhor abusa de nossa ingenuidade, seduzindo-nos. Usa de força para conosco, dominando-nos. É realmente uma luta desigual... (Jeremias 20,7)

Parece-nos ainda ouvir uma oração silenciosa da Rainha dos céus após seu “Fiat” ao Pai Celestial. Perante ela, absorto em profunda veneração, está o Anjo Gabriel, humildemente ajoelhado, a reconhecer a grandeza daquela cujo excelso esplendor arrebata os próprios seres angelicais. Então, no silêncio de sua alma, exala estas palavras gososas: “Entre em seu jardim meu bem amado, prove-lhe os frutos deliciosos.” (16)

Finalmente, peçamos a Nosso Senhor que nos seja possível, ao menos neste Natal, à imagem de sua Mãe Castíssima, apresentarmo-nos quais jardins lacrados, com frutos e flores de virtudes; a fim de que possa dizer-se de nós o que fora escrito pelo Divino Espírito nas Sagradas Escrituras:

“És um Jardim fechado (...) uma fonte selada. (...) És a fonte de meu jardim, uma fonte de água viva, um riacho que corre do Líbano. Levanta-te, vento do norte, vem tu, vento do sul. Sopra no meu Jardim para que se espalhem os meus perfumes. (...) Entro no meu jardim (...) colho a minha mirra e o meu bálsamo, como o meu favo com o meu mel, e bebo o meu vinho com o meu leite. (...) O meu bem amado desceu aos canteiros perfumados, para apascentar em meu jardim e colher os lírios. (...) Eu desci ao jardim das nogueiras para ver a nova vegetação dos vales, e para ver se a vinha crescia e se as romãzeiras estavam em flor.(...)Ó tu que habitas nos jardins, faze-me ouvir a tua voz.” (17)

Oh, Senhor !!! Meu céu, meu tudo. Tens sono? Sim, bem sei que tens... Estás cansado; dorme em paz, dorme enquanto velo com a Virgem teu sono. Descansa de tantos crimes, tantas ofensas, que povoam o mundo; Tu que foste tão agravado, humilhado, esquecido, desprezado. Ninguém faz caso de tuas palavras, das tantas chagas que te cobrem o corpo crucificado. É com dor que reconheço: sois um Rei abandonado... Dorme meu Senhor, dorme meu menino, dorme. Ao menos neste natal, dorme! Mãe - digo-o baixinho, quase sussurrando - enquanto acaricias a fronte perfumada de teu Filho, peça por nós. Temos medo Senhora. Enquanto Ele dorme o mar está revolto. Seguramos dum lado, ferimo-nos de outro, as ondas avançam impiedosas sobre nós. Ai meu Deus!!! Oh meu amor!!! Os homens nos abandonaram também. E quantos caem...quantos! Sorrindo enquanto afogam. É gritando, entre soluços e lágrimas, que suplico: Salva-nos!!! Salva-nos enquanto dormes ...

“...Jesús dormía, como de costumbre.(...) Tal vez no se despierte hasta mi gran retiro de la eternidad; pero esto, en lugar de entristecerme, me causa un contento grándísimo...” (18)


Citações

1 - 1Reis 10,18
2 - Mateus 2,2
3 - Romanos 11,33-34
4 - Lucas 2,11
5 - Lucas 2,16
6 - GRACIAM,Baltasar.A arte da prudência.Trad. Davina Moscoso de Araujo.Coleção Auto- Estima. Rio de Janeiro, Sextante, 2006,93p
7 - QUOIST, M. Poemas para rezar. trad. Lucas Moreira Alvez.25 Edição. São Paulo , Livraria Duas Cidades, 1970 206 p.
8 - Cântico dos cânticos 7,7
9 - Provérbios 27,7
10 - 1Tessalonicenses 5,17. “ Orai sem cessar.”
11 - João Paulo II. Carta Apostólica sobre Santo Agostinho de Hipona. Documentos pontifícios. N.210.Petrópolis, Vozes, 1986.pg.37
12 - Mateus 9,12
13 - Cântico dos cânticos 2,2
14 - Cântico dos cânticos 6,2
15 - DE JESUS, Santa Teresa. Castelo interior ou Moradas. Trad. Carmelitas descalças do convento Santa Teresa. 3 Edição. Edições Paulinas, Rio de Janeiro,1984,pg.26
16 - Cântico dos Cânticos 4,16
17 - Trechos do livro Cânticos dos cânticos retirados dos capítulos IV – VIII. Santo Ambrósio de Milão, falando sobre este livro Bíblico escrevera: “Queres aplicar isso a Cristo? Nada mais agradável . Queres aplicar à tua alma? Nada mais doce.” ( Coleção Patrística. Número 5. Ambrósio de Milão. Tradução: Célia Mariana Franchi Fernandes da Silva. São Paulo, Paulus, 1996.;pg .62 )
18 - LISIEUX, Teresa de. Historia de un alma, manuscritos autobiográficos. Trad. Setién de Jesús María O.C.D. Colección Teresita. Segunda edição. Editorial Monte Carmelo, Burgos, 1978;pg.217.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito Bom.Este Blog tem me dado a oportunidade de ir a regiôes muito altas na meditação.Sinto falta de textos assim ,que são capazes de nos dar alegria espiritual, sem sair do ambito da verdade Revelada.O artigo é uma poesia.Obrigada.

Rayani Marcedo Leal

Anônimo disse...

muito bom



andre