sábado, 13 de novembro de 2010

A Profissão do Médico - Tihamer Toth

3 licoes de anatomia

Lição de Anatomia - Rembrant

 

 

Queres ser médico? Ainda que demos razão a Schiller, quando diz que “Das Leben ist Güter höchstes nicht”, “não é a vida do maior dos bens” (A Noiva de Messina, IV, 10), concedo que, entre os tesouros terrestres, a vida e a saúde ocupam a primeira plana. E o médico procura conservar e preservar de todo o perigo êsse tesouro. É bela a tarefa de socorrer os enfermos. Um bom médico pode salvar seu próximo de muitos sofrimentos corporais, de males e misérias múltiplas. Neste ponto, a vocação do sacerdote e a do médico são semelhantes; querem ambos socorrer a humanidade padecente: espiritualmente um, o outro corporalmente. Mas, além do auxílio físico, um médico de alma nobre pode fazer também muito bem espiritual. Não se contentará com um rápido exame; receitará um remédio, mas achará também boas palavras para consolar e animar o seu doente. E, se vir que a ciência humana nada mais pode para salvá-lo, avisá-lo-á que se prepare para o final ajuste de contas, e que fortifique a sua alma pelos sacramentos da Igreja.

Quantas almas quebrantadas pela luta, quantos corações gelados, completamente arrefecidos, podem ser reconduzidos a Deus, no último momento, pelo tato e pela bondade de um piedoso médico! E, por outro lado, a miséria indizível que um médico encontra a cada passo tem, muitas vêzes, o dom de dirigir os seus próprios pensamentos para as coisas eternas. Sente sempre um bom médico aquilo que um confrade de Wiesbaden inscreveu na parede do seu consultório:

Gott ist der Arzt, ich bin ein Knecht,

Gefällt’s Ihm wohl, so mach’ ich’s recht.

O médico é só Deus; e eu, mero criado;

Se pois Êle quiser, por mim sereis curado.

Não te quero, entretanto, ocultar certa inquietação que me assalta: entre os médicos, há muito mais indiferentes à religião, ou até declarados descrentes, do que nas outras profissões. Por que tão triste estado de coisa? Será causa a própria medicina, como ciência? Será absolutamente forçoso que perca a fé que se fez médico? Deus nos livre! A palavra de Galeno, príncipe da ciência médica da antiguidade, que estudara a fundo a estrutura maravilhosa do corpo humano, ainda é verdadeira, e verdadeira sempre será: “Glorifiquem outros a seus deuses oferecendo-lhes incenso e sacrificando-lhes animais - ou O glorifico mercê da admiração que sinto pelo autor de um mecanismo tão maravilhoso. Descrevendo o corpo humano, creio cantar um hino à glória de seu Criador”.

Donde vem, então, que tantos médicos sejam descrentes? A causa é que os seus estudos na Universidade estão totalmente vazios de idealismo. Os exercícios de dissecação anatômica prejudicam muito o surto das jovens almas para o ideal. Sem dúvida, os professôres que conhecem o valor duma jovem alma poderiam fàcilmente contrabalançar essa influência pela sua própria fé e por um pouco de tato; mas ai! Somos obrigados a dizer que, em suas lições na Universidade, bom número de professôres manifestaram êles próprios declarado desprêzo à religião e à moral, o que acaba de arrefecer a vida religiosa da jovem geração de médicos. Se o digo, é para que redobres de piedade em face dessa corrente contrária, entre os estudantes de medicina. Não descures jamais os negócios de tua alma! Tanto mais quanto, no curso dos teus estudos, tiveres de ocupar-te exclusivamente do corpo. Uma pessoa que se familiariza com a morte torna-se fàcilmente cínica.

Como um médico descrente há de responder diante de Deus por sua própria vida, isto é lá com êle. O que é certo é não poder a sociedade e o doente confiar num médico que não sente a responsabilidade em face do Eterno Juiz. Como poderia eu confiar no médico materialista e darwinista, que não crê nem em Deus nem na alma, e que pretende, de acôrdo com um colega francês materialista, que o “homem é um tubo digestivo aberto nas duas pontas?”. - Quê! Isso é o homem? Isso e nada mais? Como há de tratar-me semelhante médico? E um médico para quem Deus eterno e a alma não existem tratará com a mesma dedicação os seus doentes ricos e pobres? Não dará êle, em certas circunstâncias, aos seus pacientes conselhos capazes de comprometer a integridade da sua alma, de seus costumes?

No início do século XIX, era médico da Santa Casa o professor da Faculdade de Medicina em Paris, o doutor Récamier. Seu nome era célebre no mundo inteiro. Começava êle cada manhã o seu dia por uma curta oração, após o que lia algumas páginas da Escritura Sagrada. À noite, fazia sua oração em comum com os membros da família. Comungava tôda a semana. Eis o que escreve dêle um colega descrente: “Percebemos um dia, durante uma consulta, que Récamier trazia sôbre si - adivinhem - um rosário! Haveis de imaginar como ficamos estupefatos! Récamier, o sábio professor, a primeira autoridade médica do mundo, o médico dos reis, cujo nome ecoa por tôda a Europa, - Récamier reza o rosário! Quando êle percebeu a nossa admiração, disse em tom perfeitamente natural: “Sim, rezo o meu rosário. Sempre que estou sèriamente inquieto com o estado de um dos meus doentes, tendo esgotado todos os recursos da ciência humana, dirijo-me Àquele que só sabe curar todos os males. E como não tenho tempo para submeter eu mesmo meus pedidos a Deus, contento-me com dizer uma ou duas dezenas do rosário à minha mediadora, a Santíssima Virgem”. Que o mundo diferente na alma de tal médico! E como cumpre o seu dever de maneira diferente!

 

 

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Livro: O môço educado
Autor: Dom Tihamer Toth
Parte III - No limiar duma carreira
A profissão do médico
Páginas: 200-203
Editora Vozes LTDA.- Petrópolis RJ
IV Edição - 1960
IMPRIMATUR por Comissão Especial do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Manoel Pedro da Cunha Cintra, Bispo de Petrópolis. Frei Desidério Kalverkamp, O.F.M. Petrópolis, 21- XII-1959

3 comentários:

Sarah disse...

Nossa!!! Belo texto. PARABÉNS pelo bom gosto e boa formação espiritual.

Unknown disse...

Lindo!!
o texto me lembrou uma certa frase de uma menininha de nome Jacinta: "Os médicos não tem a luz para curar os doentes porque lhes falta o amor a DEUS"
Quem dera fôssemos todos Récamier.
Parabéns pelo blog de uma sensibilidade ímpar.

Gilberto Cesar disse...

O médico não é um Deus,ele deve levar também uma vida espiritual para poder fazer bem seus trabalhos com as pessoas, muitos de medicina deveraim ler esse texto.