
Por Paulo L. F.
“Quem são os irmãos de Jesus? Os irmãos de Jesus são os parentes de Maria e parentes em todos os graus.” (Santo Agostinho, 354-430)
Essa é uma pergunta muito comum, principalmente entre pessoas que, confundidas pelas seitas enganadoras, se deixam levar por interpretações superficiais da Sagrada Escritura. Inclusive, muitas vezes, por frequentarem durante anos algumas “Catequeses” que se dão por aí, torna-se compreensível que tenham dúvidas marcadas por um espírito contrário à Tradição. Atualmente, fala-se muito de “ajuda ao próximo”, conscientização política, inserção na vida pastoral, “experiência de Deus”, busca de interpretação pessoal e incarnada da Sagrada Escritura... mas não se faz apologia, comumente, à Doutrina Católica propriamente dita, pois, ao final das contas – como se afirma, e com ar de erudição- isso seria partidarismo, ação anti-ecumênica, ou mesmo uma afronta ao sentir da modernidade, e - perdoem-me a expressão - “a Igreja que se exploda !” Bom, na verdade, sejamos sinceros, no mais das vezes os catequistas desconhecem a Doutrina Católica ou sua fundamentação, e ninguém pode ensinar o que ignora .
É obvio que Maria Santíssima concebeu um único filho, Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela, sendo virgem antes e durante o parto, permaneceu naquele estado sublime também depois de nascer o Salvador. É isto que nos sugere o Apocalipse[1], pois, narrando-nos que uma mulher vestida de sol – Nossa Senhora - dera à luz um menino que iria governar o mundo, demonstra-nos igualmente que a mesma permanecera completamente envolvida com o drama da vida de seu Filho todo o tempo que lhe restava, e não que, dispensada de sua missão sobrenatural, pudesse entregar-se à ordinariedade da vida ou a outros interesses para além daquele que havia assumido com o Pai celestial.
E, antes de mais nada, sejamos bem diretos, para os membros esclarecidos do Corpo Místico de Cristo basta uma palavra da Igreja e tudo se torna claro como ao meio dia; não digo que se privam do estudo consciencioso de qualquer questão, porém, diante do pronunciamento eclesiástico, no fundo limitam-se a fundamentar tudo aquilo que, pela autoridade infalível da Esposa do Cordeiro, já se apresenta ao seu espírito como dogmático e, portanto, digno de toda confiança.
Comentemos, porém, alguns aspectos do problema. O termo “IRMÃO”, na Bíblia, tem muitos significados. Por exemplo, a palavra “Primo”, por não existir no Hebraico e nem no Aramaico, é por ela substituído. No mais, indo logo à prova cabal daquilo que estamos afirmando basta conferirmos a própria Sagrada Escritura e, de fato, veremos que o termo “irmão” é bastante impreciso e vago na língua falada por Jesus. Ele pode indicar:
Os filhos nascidos dos mesmos pais (Gên. 4, 9)
Os filhos do mesmo pai ou da mesma mãe (Gên.42, 15)
Os parentes (Gên.13, 8 – Lot era sobrinho de Abraão)
Os pertencentes a uma mesma tribo (II Sam.19,12)
Os pertencentes ao mesmo povo (Êx.2,11)
Os pertencentes à mesma natureza humana (Gên. 9,5; Heb.2,11)
E, por fim, os batizados que invocam o mesmo Deus (At,10,23; Col.1,2)
Após havermos alargado nossos horizontes com esta evidência histórica, vamos tocar no ponto central da especulação de todos aqueles que se colocam contra o Dogma católico. Muitos fazem referência a certos textos que apresentariam uma complicação toda particular: a utilização da expressão “irmãos de Jesus” em relação a certos personagens bíblicos. Vejamos alguns:[2]
“Chegaram, então, seus irmãos e sua mãe; e, estando fora, mandaram chama-lo.”[3]
“Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, o irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós também suas irmãs?”[4]
“E não ví a nenhum dos apóstolos, senão Tiago, irmão do Senhor.”[5]
Já de entrada, observemos que todo e qualquer texto que venha a ser citado no tocante a esta questão fala-nos dos “irmãos de Jesus”; nunca de supostos “FILHOS (Plural) de Maria ”. E nem precisaríamos explicar o porque; mas, vamos lá ...
Prestando o mínimo atenção em alguns versículos da Bíblia descobriremos que Tiago, Judas, José e Simão, eram, no máximo, parentes próximos de Jesus, e não filhos da Santíssima Virgem, o que seria um absurdo dado o fato de que Nossa Senhora fizera um voto de virgindade perpétua ao seu Criador, como se depreende de suas próprias palavras ao anjo: “Como se fará isso, pois não conheço homem?”.[6] Ora, é como – grosso modo - por exemplo, uma pessoa respondendo a outra que lhe oferece cigarros: “Não, obrigado, eu não fumo!” Essas palavras, “eu não fumo”, com certeza não significam que o indivíduo em questão fumará depois, mas sim que, anteriormente, havia tomado uma decisão de não fumar.[7] De igual maneira o termo “...eu não conheço homem”, dito por Nossa Senhora, significa, e isso ao lado de outras muitas provas históricas, teológicas e mesmo místicas, que a Virgem havia feito realmente o voto de nunca tocar homem algum por toda a sua vida, o que, com toda certeza, já o sabia São José.[8]
Continuando nossa reflexão, olhemos com cuidado para uma das três citações feitas acima: em Gálatas (1,19), fala-se de Tiago, um dos apóstolos, chamado “irmão do Senhor”; porém, nós sabemos pelo texto de Mateus (10, 2-3), que os dois “Tiagos” do grupo dos Doze eram filhos de Zebedeu e Alfeu, respectivamente. Sendo assim, não poderiam ser filhos de Nossa Senhora, casada com São José.
Através da Carta de São Judas (1,1), por sua vez, descobrimos que ele (Judas, chamadoTadeu) era irmão de Tiago, e consequentemente, também não poderia ter nascido da Virgem Maria. Bem, sobraram José e Simão! Sobre o primeiro, prestemos atenção nestes dois textos abaixo:
“E também alí estavam algumas mulheres, olhando de longe, entre as quais também Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé.”[9]
“Entre as quais estavam Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos Filhos de Zebedeu.”[10]
Concluamos:
1- Tiago e José não são filhos de Maria, Mãe de Jesus.
2- Tiago e José são filhos de outra Maria, segundo a própria Bíblia.
3- Tiago e José (e Judas, se levarmos em conta as passagens que indicam que Judas é um dos irmãos de Tiago apóstolo) são irmãos entre si.
4- Tiago, José (e Judas) não são filhos de Zebedeu, pois, a “mãe dos filhos de Zebedeu” (Mat. 27, 56) é citada à parte como mãe de outros filhos e não de Tiago Menor e seus irmãos. Como já afirmamos, segundo Mateus (10, 2-3) é Tiago Maior, junto a João, seu irmão, que eram filhos de Zebedeu, cuja esposa também é citada em outro texto.[11]
Por fim, Simão. Era mui provavelmente um dos doze apóstolos. Não é bastante o que saberemos sobre ele se tomarmos como referência tão somente as citações bíblicas. Um escritor antigo, Egesipo, o dá também como filho de Cléofas, e portanto, como parente próximo da família de Jesus.[12] O seu caso pode ser tomado sob o mesmo aspecto das chamadas “irmãs de Jesus” de que nos fala o texto de São Marcos (6,3); não sabemos delas muitos detalhes, porém, concomitantemente, pode-se concluir de modo cabal que também não eram filhas de Nossa Senhora, pois, como vimos, só Jesus é apresentado como filho daquela Vírgem singular: Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, o irmão (parente) de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem entre nós também suas irmãs?”[13]
Perceba, caro leitor, a distinção clara e evidente que se faz aqui, entre Jesus “O FILHO DE MARIA” (Singular), e Tiago, José, Judas, Simão e algumas mulheres, todos estes personagens tratados como “irmãos de Jesus”, ou seja, seus parentes próximos, e nunca, JAMAIS como “Filhos de Maria ”.
Finalmente, se a Santíssima Virgem tivesse gerado outros filhos – e seriam tantos! – por que Jesus Cristo, ao morrer na cruz, a deixou aos cuidados de um dos apóstolos? Sim, está escrito: “Quando Jesus viu sua Mãe e perto dela a discípulo que amava, disse a sua Mãe: ‘Mulher, eis ai o teu filho.’ Depois disse ao discípulo: ‘Eis ai tua Mãe.’ E dessa hora em diante ele a levou para sua casa.”[14] Ora, se Maria tivesse gerado outros filhos isso não seria necessário ...
Como vemos, não há mais nada a se falar sobre o assunto. Jesus foi, de fato, o único filho gerado por Nossa Senhora. Nós, obviamente, por participarmos de seu Corpo Místico, nos tornamos “filhos de Maria ”, incorporados que fomos em Cristo pela eficácia do Batismo. Peçamos, pois, a graça de vivermos à altura de tão grande dignidade: sermos filhos e filhas amados da Virgem Maria em Cristo Jesus! Virgem Santíssima, rogai por nós!
“Deus Pai transmitiu a Maria sua fecundidade, na medida em que a podia receber uma simples criatura, para que ela pudesse produzir o seu filho e todos os membros do seu Corpo Místico.” (S. Luiz M. Grignion de Montfort – Tratado pg. 26)
[1] Conf. Apoc. 12, 1-17. Aqui, a “descendência da mulher” não são aqueles que nasceram naturalmente de seu ventre, pois Jesus fora seu filho único, mas sim aqueles que guardam os mandamentos de Deus e tem o testemunho de Jesus, ou seja, todos os cristãos verdadeiros.
[2] TANNUS, Roberto Andrade. E os Irmãos de Jesus? São Paulo: Editora Santuário, 2003. Pg. 12-31. O autor, em muitas partes do livro, resvala rumo a ambiguidades, demonstrando pouco espírito apologético e falsa visão ecumênica. (Nota do autor)
[3] Conf. S. Mar. 3, 31
[4] Conf. S. Mar. 6, 3
[5] Conf. Gal. 1, 19
[6] Conf. S. Luc.1, 34. “Conhecer”, na Bíblia, tem o sentido de “relação sexual”; ex.: Gên. 4,1. 25
[7] Obviamente, o exemplo permite outras interpretações, como por exemplo: “...não fumo” (por que não sei tragar) etc. O fato é que a frase como está, “...não fumo” nos demonstra também a possibilidade de que a pessoa em questão tenha feito o propósito de nunca fumar, e se a frase estiver corroborada por outras provas que indiquem o suposto, então teremos forte indício da veracidade do que concluímos. Ora, é isto que se dá no caso de Nossa Senhora.
[8] NEGROMONTE, P.A. A Doutrina Viva. Petrópolis: Vozes, 1939. Pg. 101
[9] Conf. S. Mar. 15, 40
[10] Conf. S. Mat. 27, 56
[11] Conf. Mat. 20, 20-24
[12] Conf. Indice Doutrinal da Bíblia Sagrada, Ave-Maria 104 Ed. Ver: “Irmãos”. Pg. 1586
[13] Conf. S. Mar. 6, 3
[14] Conf. S. Jo. 19, 25-27. Texto interessante, pois, distingue Maria Santíssima das outras “Marias” que estavam junto à Cruz.