sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Como ganhar paciência - Pe. Francisco Faus

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                         Jó e seus amigos - Gustave Doré

 

A caridade é paciente (1Cor 13,4)

O grande alicerce da vida cristã é o primeiro mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças”. E o segundo mandamento é: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Cf. Mc 12,29-30).

Amar a Deus e amar o próximo como a nós mesmos, melhor ainda, como Cristo nos amou – amai-vos uns aos outros como eu vos amei; ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15,12- 13) –, este é o pilar firmíssimo da vida do cristão, este é o ideal de vida que nos faz sintonizar com Deus, e andar pelas suas veredas.

Quando procuramos andar por essas veredas – unidos a Cristo, com o auxílio da graça do Espírito Santo –descobrimos que a única coisa que as pessoas nos estão pedindo a toda a hora (mesmo quando não nos pedem nada) é precisamente o nosso amor: um carinho que seja reflexo do amor misericordioso de Jesus, que seja capaz de compreendê-los, de desculpá-los, de perdoá-los, de dar-se sem cálculos nem mesquinharias.

Quando nos decidimos a ser generosos assim com os demais, ficamos pasmados ao perceber que cada vez há menos coisas que nos contrariam e nos fazem perder a paciência. E isto é assim porque cada vez se torna menor o egoísmo, esse vício demolidor do amor.

Façamos uma pequena experiência. Escrevamos em forma de lista todas as coisas que, na última semana, nos aborreceram e mexeram com a nossa paciência. A seguir, diante de cada item, anotemos uma pergunta: que tipo de amor (de amor generoso e sacrificado) Deus me pedia aí? E prossigamos a experiência, imaginando: se eu tivesse vivido naquele momento o tipo certo de amor, teria havido impaciência? A resposta seria, naturalmente, “não”. Não haveria impaciência se eu tivesse amado. Talvez possamos retrucar: “Mas é que eu não sou santo” – o que é verdade –, mas o que não poderemos dizer nunca honestamente é que ali havia uma contrariedade que o amor não podia superar.

Na realidade, todos os exercícios de paciência consistem em exercícios de amor. Conheço várias pessoas – graças a Deus conheço muita gente boa – que, ao voltarem a casa com toda a carga do cansaço do dia, vão rezando o terço no trânsito ou carregam consigo um livro de pensamentos espirituais, para lerem e meditarem uma ou outra frase ao pararem no semáforo demorado ou no engarrafamento incontornável. Ao mesmo tempo, vão espremendo os seus cansados miolos, tentando concretizar: “Que iniciativa, que detalhe, que palavra posso preparar para que a minha chegada a casa seja um motivo de alegria para a minha mulher, ou para o meu marido, e para os meus filhos?” E, assim, homens e mulheres cujo retorno ao lar era antes soturno e irritado, tornam-se – em virtude do amor a Deus e aos outros, que se esforçam por cultivar – corações pacientes, que espalham a paz e a alegria à sua volta.

Exercícios de paciência

É inútil pensar que existem “truques” ou “técnicas” que sirvam para viver a paciência, se o egoísmo ainda tem o ninho no nosso coração. Com esse hóspede indesejável, não adianta qualquer tentativa. Mas se há amor, então vão-nos ocorrendo mil maneiras de exercitar a paciência, bem práticas, simples, bonitas... e eficazes.

Quem tem experiência da luta por viver com Deus, sabe que o amor cristão se mexe movido por duas asas: a da oração e a da mortificação. Por isso, todo o exercício da virtude cristã da paciência comportará necessariamente o movimento de uma dessas asas ou, o que será mais freqüente, de ambas ao mesmo tempo.

Em primeiro lugar, a oração. O cristão paciente procura falar antes com Deus do que com os homens. Quando se sente à beira de uma crise de impaciência – pois ia retrucar, censurar, gritar, queixar-se... –, faz o esforço de se calar. Alguns recomendam contar até vinte, antes de abrir a boca. Melhor será fazer o sacrifício de guardar silêncio, de sair, se for preciso, de perto do foco do atrito (ir para outro cômodo, etc.), e de rezar bem devagar alguma oração, como por exemplo o Pai-Nosso (sublinhando mentalmente as palavras-chave que acordarão a fé e o amor e, portanto, trarão calma e lucidez à alma: Pai, ...seja feita a vossa vontade..., perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido...).

Após essa oração, que pode ser também uma seqüência de jaculatórias, de invocações breves, pedindo paciência a Deus, e já com a alma mais tranqüila, poderemos discernir o que nos convém fazer: se é deixarmos passar, sem mais, aquele dissabor, aquela contrariedade; ou se é praticar o que lemos no n. 10 do livro Caminho: “Não repreendas quando sentes a indignação pela falta cometida. – Espera pelo dia seguinte, ou mais tempo ainda. – E depois, tranqüilo e com a intenção purificada, não deixes de repreender”(Josemaría Escrivá, Caminho, 7ª ed., Quadrante, São Paulo, 1989); ou, ainda, se é tomar a iniciativa de ter um gesto simpático – um afago para a esposa ou a filha; uma palavra amável, que quebre o gelo com aquele que nos causou mal-estar. Não duvidemos de que o esforço de guardar silêncio, unido ao esforço de fazer oração, sempre conduzirá os que lutam com boa vontade para a paciência, para a paciência real e prática.

Ao lado da oração, mas sem largá-la da mão, o cristão exercita a paciência por meio da prática voluntária, consciente, amorosa, de um sem-fim de pequenos sacrifícios, que são uma gota de paz, de afabilidade, de bondade, sobre as incipientes ebulições da impaciência. Talvez não seja demais lembrar, a título de sugestão para o leitor, algumas dessas mortificações cristãs, que diariamente podemos oferecer a Deus:

1) fazer o esforço de escutar pacientemente a todos (ao menos durante um tempo prudencial), sem deixar que se apague o sorriso dos lábios, nem permitir que os olhos adquiram a inexpressiva fixidez, prelúdio de bocejo, de um peixe;

2) não andar comentando a toda a hora e com todos, sem razão plausível nem necessidade, as nossas gripes, as nossas dores de cabeça ou de fígado nem, em geral, qualquer outro tipo de mal-estar pessoal: propor-nos firmemente não nos queixarmos da saúde, do calor ou do frio, do abafamento no ônibus lotado, do tempo que levamos sem comer nada...

3) renunciar decididamente a utilizar os verbetes típicos do Dicionário da Impaciência: “Você sempre faz isso!”, “De novo, mulher, já é a terceira vez que você passa um cheque sem fundos!”, “Outra vez!”, “Já estou cansado”, etc., etc.;

4) evitar cobranças insistentes e antipáticas, e prontificar-nos a ajudar os outros, usando mais vezes do expediente afável de lembrar-lhes as coisas que omitiram ou atrasaram e de estimulá-los a fazê-las;

5) não implicar – não vale a pena! – com pequenos maus hábitos ou cacoetes dos outros, mas deixá-los passar como quem nem repara neles: mania de bater na cadeira ou de tamborilar com os dedos na mesa, tendência para ler por cima do ombro o jornal que nós estamos lendo, de fazer ruído com a boca, de cantarolar horrivelmente enquanto se lê ou se trabalha... Lembro-me bem da “guerra fria” que se travou entre uma filha cinqüentona e um pai quase oitentão, e na qual fui chamado a intervir como mediador. Ela sustentava que o pai vivia gemendo, ele retrucava dizendo que “não, senhora, estou é cantarolando”... E, se não tivesse havido a intervenção de uma “potência neutra”, o atrito poderia ter terminado muito mal;

6) saber repetir calmamente as nossas explicações a quem não as entende e se mostra porfiadamente obtuso; ter a calma de partir do bê-á-bá para esclarecer assuntos técnicos a pessoas que os desconhecem e não têm vocação para lidar com cálculos e máquinas;

7) não buzinar na rua quando alguém reduz a marcha do veículo e estaciona inopinadamente; por sinal, se o leitor deseja um bom conselho para praticar a paciência no trânsito, ofereço-lhe o seguinte, que já deu muito bons resultados: nunca olhe para a cara do “agressor”, do motorista “barbeiro”. Continue serenamente o seu percurso sem ficar sabendo se era homem ou mulher, jovem ou velho: vai ver que é difícil ficar com raiva de uma sombra indefinida; e se, além disso, passada a primeira reação, se lembra de rezar ao Anjo da Guarda por ele/ela, para que se torne mais prudente, mais hábil ou menos prepotente, melhor ainda;

8) por último, permito-me repisar a importância da oração para adquirir a paciência, evocando a simpática surpresa de uma mãe impaciente que se tornou “rezadora”. Aquela mulher de nervos frágeis tinha-se proposto rezar a Nossa Senhora a jaculatória: “Mãe de misericórdia, rogai por nós (por mim e por esse moleque danado)” a cada grito das crianças. Quando começava a ferver uma crise conjugal, tinha igualmente “preparada” uma oração própria que dizia: “Meu Deus, que eu veja aí a cruz e saiba oferecer-Vos essa contrariedade! Rainha da paz, rogai por nós!” E quando ia ficando enervada e ríspida, rezava: “Maria..., vida, doçura e esperança nossa, rogai por mim!” Depois comentava com certo espanto: – “Sabe que dá certo? Fico mais calma!” E ficava mesmo.

Como vemos, nem essa boa mãe, nem as outras pessoas acima evocadas como exemplo, conseguiam viver a paciência à base de truques de “pensamento positivo”, mas de esforços de fé e de amor cristão. De maneira que, sem terem a mínima noção disso, todas elas estavam dando a razão a São Tomás de Aquino que, com o seu habitual laconismo, sintetizou assim a questão: “É evidente que a paciência é causada pelo amor”, ou, por outras palavras que traduzem com igual precisão as do santo: “Só o amor é causa da paciência”(Suma Teológica, II-II, q. 136, a. 3, c.).

(Adaptação de um trecho do livro de F. Faus: A paciência)

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Fonte: http://padrefaus.googlepages.com/paci%C3%AAncia

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