Por Prof. Pedro M. da Cruz.
“Renunciar a todo o parecer próprio e estar pronto para obedecer cegamente à verdadeira Esposa de Jesus Cristo, Nosso Senhor, isto é, à Santa Igreja Hierárquica, nossa Mãe.”
(Santo Inácio de Loyola)
É certo que a Companhia de Jesus - os Jesuítas - fundada por Santo Inácio (1491-1556), deve atuar no mundo como exército em defesa da fé católica. E, de fato, o fez com maestria durante séculos e séculos em estrita obediência ao papado. Porém, essa missão desagradou a muitos homens no decorrer da história... Os inimigos do catolicismo perceberam que atacar os Jesuítas era, em certo sentido, atacar a própria cátedra de São Pedro. Com efeito, o espírito que animava a Companhia de Jesus tornava-a um verdadeiro perigo para os opositores do cristianismo.
“Além daquele vínculo comum dos três votos, deveremos estar obrigados, por um voto especial, a executar o que quer que o atual e os futuros pontífices romanos nos possam ordenar que se relacione com o progresso das almas e com a propagação da fé...”. (S. Inácio – Fórmula)
Malachi Martin, autor da obra “Os Jesuítas”, dá-nos em seu livro alguns exemplos da heróica e, também, lendária fidelidade dos discípulos de Santo Inácio à autoridade da Igreja. Ainda que hoje, muitos da Sociedade de Jesus nos assustem com posturas pouco ortodoxas, é comum ligarmos a figura de “padre jesuíta” com outras de austeridade, cultura e amor à Tradição. Queira Deus que, pela intercessão da Virgem Maria, possamos rever a glória da ordem inaciana, obnubilada por tantos que ousam pretender-se acima do Magistério Eclesiástico.
Antes da leitura do interessante texto de Malachi Martin, relembremos um dos mais belos conselhos de Santo Inácio a seus seguidores:
“Para não nos desviarmos da verdade, devemos sempre estar dispostos a crer que o que nos parece branco é negro, se a Igreja hierárquica assim o decidir[C1] .”
Meu Deus, que bom seria se todos os cristãos fizessem desta regra seu norte...
Capítulo IX
O caráter da Sociedade
“O segundo acontecimento que testou o caráter jesuítico foi a supressão formal da Sociedade de Jesus por um ato aficial de um papa, Clemente XIV. Na percepção tardia da história, o historiador de hoje tem pouca dificuldade em destacar os fatos proeminentes do acontecimento daquilo que ainda continua sendo intrigante e problemático.
Não há dúvida, na cabeça de ninguém, de que o impulso e a determinação de varrer a Sociedade de Jesus da face da terra tiveram apoio e intercessão muito fortes de poderosos membros da corte papal em Roma; apesar disso, porém, a estocada imediata e irresistível contra os jesuítas partiu direta e principalmente e, como se viu, com sucesso, dos inimigos não-clericais, leigos, dos jesuítas.
Os atacantes da linha de frente foram os membros da família real dos Bourbon – todos católicos romanos – que ocupavam os tronos da Espanha, de Portugal, da França, de Nápoles e da Sicília. O trono dos Habsburg da Áustria acompanhou os Bourbon, devido ao medo de ser excluído dos parceiros em casamentos reais. (...) Também é historicamente certo que a ‘família’ tinha feito o ‘pacto’, como era chamado: um acordo entre eles para agirem em uníssono em assuntos que afetassem a todos. Por algum motivo, a existência da Sociedade de Jesus afetava a todos, garantiam eles, de forma adversa. Eles tinham que se livrar da Sociedade. Os ganhos econômicos ou financeiros da ‘família’ com uma supressão geral da Sociedade foram insignificantes. Da mesma forma, não houve nenhum ganho político substancial com aquela supressão. Resta-nos o desejado triunfo de alguma ideologia como fator instigante por trás da determinação da ‘família’ (...) O último elemento do que ainda continua um enigma histórico é proporcionado pela maçonaria européia no contexto do iluminismo europeu na década de 1700. Naquela época, os estadistas mais poderosos pertenciam necessariamente à loja maçônica. É certo que os principais consultores junto aos príncipes do Bourbon eram membros ardorosos da loja maçônica. O marquês de Pombal, consultor real de Portugal; o conde de Aranha, ocupando o mesmo cargo na Espanha; o ministro de Tillot e o duque de Choiseul, na França; o príncipe von Kaunitz e Gerard von Swieten na corte de Habsburg de Maria Teresa da Áustria. São nomes que já não significam coisa alguma para nós, os modernos, mas constavam e ainda constam das listas de membros maçônicos em lugar de honra. Cada um daqueles homens ocupava um cargo de confiança no governo, e cada qual desejava declaradamente a morte da Sociedade. Eles viam nos jesuítas ‘os inimigos jurados da maçonaria’, os ’mais astutos inimigos da tolerância’ e ‘os piores corruptores da liberdade’. O ódio contra os jesuítas era intenso e, quanto às palavras, nobre: ‘Reconheço os esforços que eles os jesuítas fizeram’ escreveu Choiseul a José da Áustria, ‘para espalhar a escuridão pela superfície da Terra e para dominar e confundir a Europa, do cabo Finisterra ao Mar do Norte. ’
O maior tom patético naqueles últimos anos da Sociedade pré-Supressão é dado pelos próprios jesuítas: segundo cartas e documentos da época, vê-se claramente que eles sabiam quem se empenhava em eliminá-los.
Não há dúvida de que o papado via na maçonaria européia um inimigo mortal, e por uma razão muito boa. Em 1735, se não antes, as principais lojas maçônicas européias eram inimigos jurados da jurisdição papal centralizada e dos ensinamentos dogmáticos católicos romanos. Os objetivos gerais da maçonaria como tal, a partir do segundo terço do século XVIII, eram fundados em várias premissas inaceitáveis para o catolicismo: Jesus não era Deus; não havia céu ou inferno; não havia Trindade de pessoas divinas – só o Grande Arquiteto do Cosmo, ele mesmo fazendo parte daquele cosmo; os seres humanos eram aperfeiçoáveis durante suas vidas nesta Terra. O que arruinava a cultura humana e pervertia a civilização era a alegada autoridade da Igreja Romana.
Essa transformação da maçonaria de associação originalmente de crentes cristãos num corpo de homens resolutamente opostos à antiga fé da Europa foi efetuada, principalmente, pela nova onda de descobertas científicas. Naquele ‘Século das Luzes’, os homens chegaram à conclusão de que a inteligência humana era infalível, que a revelação já não era necessária, e que só as desinibidas investigações e pesquisas humanas eram necessárias à felicidade humana.
Toda uma galáxia de brilhantes pensadores e hábeis escritores surgiu defendendo essa nova atitude – La Mettrie, Diderot, d’Alambert, Montesquieu, Helvécio, la Chalotais, Voltaire, Barão d’Holbach. O Iluminismo invadia, agora, os salões das pessoas de destaque na sociedade, as reuniões reais, as reuniões de chefes de partidos políticos, e assembléias de universidades. A Igreja Romana, o papa romano e a Sociedade de Jesus foram estigmatizados desde o início como os três grandes obstáculos ao precioso Iluminismo.
Por essa razão, Clemente XII (1730-40) condenou a maçonaria como incompatível com o catolicismo e penalizou com a excomunhão todos os católicos que entrassem para as lojas maçônicas. (...) Seria ridículo alguém negar que o zelo maçônico daqueles em íntimo contato com os príncipes de Bourbon na qualidade de consultores não visava incapacitar o papado ao acabar com a sua arma mais potente, a Sociedade de Jesus.
A razão ideológica, portanto, para se livrar dos jesuítas estava presente. Não há necessidade de supor que uma trama formal foi maquinada e que conspiradores juraram sigilosamente acabar com a Sociedade de Jesus. Todos aqueles líderes do Iluminismo eram membros da loja maçônica, bem como membros destacados da classe dominante em seus círculos políticos, financeiros, literários e sociais. Quer se reunissem na loja maçônica de Paris, chamada de ‘Nas Nove Irmãs’, na loja de Madri chamada ‘Espadas Cruzadas’, quer em jantares oficiais ou reuniões financeiras, todos pensavam da mesma maneira, como ‘Irmãos da Pirâmide’. O irmão Pombal, o irmão Choiseul, o irmão Kaunitz enviavam mensagens uns aos outros e aos demais irmãos sobre a necessidade de atacar o papado através dos jesuítas.
Os jesuítas estavam demasiado cientes do que estava acontecendo para não sentirem o cheiro de sua morte que se aproximava nos fortes ventos que já tinham começado a soprar contra seu Instituto. (...) Pombal começou, em Portugal, o rolo da destruição. Entre 1759 e 1761, todos os jesuítas que estavam em Portugal e seus domínios de além mar foram presos, transportados por navios da marinha real, e depositados nas costas dos estados papais da Itália. Todas as propriedades dos Jesuítas – casas, igrejas, colégios - foram confiscados.
Agora era a vez da França. Grave erro de julgamento tático por parte dos jesuítas deu a seus inimigos vigilantes de lá a chance que estavam procurando (...) Uns meros seis anos depois, numa só noite entre 2 e 3 de abril de 1767, todas as casas, colégios, residências e igrejas pertencentes aos Jesuítas em toda a Espanha e nos domínios espanhóis na América foram invadidas por tropas reais espanholas. Cerca de 6.000 jesuítas foram presos, amontoados como arenques nos porões de navios de guerra espanhóis, e transportados para os estados papais da Itália, onde foram descortesmente despejados nas praias, estivessem eles, vivos, morrendo ou já mortos. Toda a operação espanhola, que exigiu mais de catorze meses de planejamento, foi um triunfo do segredo burocrático e da precisão militar.
Pouco depois, os reinos dos Bourbon de Nápoles e Parma fizeram o mesmo e, ainda mais tarde, a Áustria também. Todos expulsaram os jesuítas e confiscaram seus bens. Só restava, agora, a Sociedade ser liquidada pelo papado.
Quando um conclave papal de cardeais se reuniu em 1769 para eleger um novo papa, a ‘família’ dos Bourbon deixou claro que só aceitaria como papa alguém que garantisse liquidar os jesuítas. O cardeal Lorenzo Ganganelli deu sua garantia quanto a isso aos embaixadores das cortes reais de Suas Majestades. Foi eleito como papa Clemente XIV.
Foi exercida, então, uma pressão direta sobre o papa Clemente XIV para que cumprisse a promessa que fizera como condição para receber o apoio dos príncipes Bourbon à sua eleição. Ele acabou concordando, fechando o seminário da Sociedade em Roma em 1772, depois todas as casas e igrejas nos estados papais e, finalmente, divulgando um documento papal intitulado Dominus ac Redemptor, em 21 de julho de 1773, que eliminava por completo a Sociedade de Jesus. (...) Não podia haver dúvidas quanto à obediência ao édito papal. A simples obediência de execução foi imposta pela força das armas. Mas os jesuítas praticavam a obediência de vontade. Aceitaram, fiéis até mesmo naquela situação extrema ao caráter de sua Sociedade, a extinção; não fingiram ser ainda uma Ordem de homens chamada Sociedade de Jesus.” (Pg. 192 à 196)
(O negrito é nosso)
P.S.: Somente em 7 de agosto de 1814, o papa Pio VII restaurou formalmente a Sociedade de Jesus na Igreja universal. O fato é que, dois soberanos, Catarina de Rússia e Frederico da Prússia, recusaram-se a promulgar o decreto do papa Clemente XIV na época da extinção da Ordem. Legalmente, portanto, e canonicamente, a Ordem não foi extinta em nenhum desses dois territórios. Nesses lugares os Jesuítas puderam manter acesa a chama da congregação. Esperaram, operosa e obedientemente, o próximo lance da sabedoria divina que lhes veio pelo supracitado papa Pio VII.
Referência bibliográfica:
MARTIN, Malachi. Os Jesuítas. A Companhia de Jesus e a Traição à Igreja Católica. Trad.: Luiz Carlos N. Silva. Rio de janeiro: Record, 1989. 463 pgs.
[C1]MONTEIRO, Pe. Alexandrino. Exercícios de Santo Inácio de Loiola. Petrópolis, RJ: Vozes, 1959. Pg. 333.
3 comentários:
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Deus te abençoe!
É uma pena que os Jesuítas de hoge ficaram foi amigo dos que perseguiam eles.A Igreja católica é mesmo muito importante para o mundo e presisa dessa defesa que vcs estão fazendo neste blog.Parabéns pelo trabalho de vcs.
A Companhia de Jesus teve a sua origem em um grupo étnico conhecido por cristãos-novos, antigos judeus sefarditas, no século XVI.
Quando o Marquês do Pombal, no século XVIII, conseguiu a extinção da Societas Jesu (Companhhia de Jesus), setores externos da igreja receberam todos os padres jesuítas refugiados, nos reinos da Prússia e da Rússia de Catarina, a Grande.
A reformulação da Companhia de Jesus no século XIX não possui a mesma visão sectária de meados do século XVIII. Não é mais instrumento da inquisição, não é mais uma ordem militar. É um instrumento de paz.
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