quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O escritor e o bandido


Fogo: símbolo de purificação

Por Dom Tihamer Toth

Este conto foi escrito pelo russo Krillof.

Chegaram ao mesmo tempo duas almas humanas perante o tribunal do além; a de um salteador que acabara num patíbulo, e, a de um escritor de renome mundial, cujos livros, de estilo maravilhoso, regurgitavam no entanto de impiedade e imoralidade. No além, não valem nem recomendação nem desculpa, e ambos foram julgados severamente. Lá se achavam duas caldeiras suspensas a correntes maciças; lançaram o salteador numa e o escritor na outra, e acenderam por baixo um fogo espantoso.

Sucediam-se de anos e as duas almas sofriam horrorosamente. Mas eis que, um belo dia, o fogo que ardia por baixo da caldeira do salteador começou a baixar... a apagar-se pouco a pouco... terminara a punição do bandido. Reparara pelo sofrimento os seus pecados. O outro fogo, pelo contrário, flamejava ainda mais forte, sempre mais forte...

“Senhor!”, exclamou então o escritor torturado, “Senhor, isto é crueldade! É injustiça! A ninguém assassinei, com este salteador, nem fui pendurado ao patíbulo. E justamente agora, festeja na terra, com grande pompa, o centenário do meu nascimento, e eu, aqui a me consumir!”

“Miserável verme!”, foi-lhe respondido. “Ousas ainda queixar-te? Ousas comparar-te a este outro? Ele matou a um só homem, em sua cólera súbita, e expiou o seu pecado. Mas tu? Olha tão somente para aquele jovem que ocultamente devora as tuas obras impudicas! Vê como sua alma pura se cobre de manchas sombrias à medida que lê! E ousas ainda falar de injustiça? Tu, cujos livros, cem anos depois do teu nascimento, ainda continuam a destruir a fé nas almas humanas! Este salteador matou um só homem, mas tu, quantos matastes? Lança apenas um olhar sobre as milhares de almas jovens que fascinaste pela magia do teu estilo, de tuas melífluas palavras, e tornaste, pelos teus livros, descrentes e perversas! Manchaste aquelas almas e continuarás ainda por muito tempo essa tarefa infernal! E ousas ainda elevar a voz? O teu fogo nunca se apagará, e os vermes não te deixarão jamais, pois ai do que escandaliza um só dos que crêem em Cristo!...”

Depois disso, não acharás estranho que a Igreja Católica, conhecendo o perigo extremo que para as almas ocultam os livros maus, tenha redigido uma lista especial dos livros cuja leitura, porque causaria grande dano espiritual, proíbe aos seu fiéis. O título dessa lista é: Index librorum prohibitorum, “Índice”. Do mesmo modo que o Estado age sabiamente retirando do livre comércio os tóxicos, e só permitindo vendê-los nas farmácias, de ordem médica e em caso de necessidade, assim também devemos agradecer à Igreja o assinalar os livros de conteúdo venenoso com este rótulo: “Atenção! Veneno mortal!”, e de só dar licença excepcionalmente de tocar neles aos que disso hão mister, por grave motivo.

Não é só a Igreja Católica que possui um “índice”. Os Estados proíbem igualmente a venda dos livros escritos que ameaçam a ordem social, induzem a luta de classes ou insultam o exército. Eles têm razão. E tal proibição política é muito mais severa do que a da Igreja; cito tão somente o caso da Alemanha, onde o governo proibiu mais livros em 12 anos do que a Igreja Católica colocou no Índice no decurso do século XIX no mundo inteiro. Pois bem! Se o Estado se alarma tanto com a segurança temporal dos seus súditos, não haveria a Igreja de inquietar-se com o bem eterno das almas?

Na realidade são relativamente pouquíssimos os nomes no catálogo do índice; mas a consciência de todo católico deve ter a própria regra de “Índice” e rejeitar, sem ler, todo o livro de conteúdo anti-religioso ou imoral, ainda que não figure na lista oficial.

A proibição estende-se aos livros que ensinam a superstição, a adivinhação, o espiritismo, aos livros que glorificam o duelo, o suicídio, a maçonaria, etc. e também aos que, tratando de matérias religiosas (Escritura Sagrada, livros de oração, de devoção), não trazem na primeira página as palavras “Nihil obstat” e o “Imprimatur”, termos pelos quais a Igreja concede a licença necessária para serem impressos. Se tiveres dúvidas a propósito de um livro, e não souberes se figura ou não no “Índice” interroga o teu professor de Instrução Religiosa. Mas a tua própria consciência é que deve ser para ti o melhor índice: se a leitura de um livro te inquieta, se a consciência te censura, se sentes que esse livro ofende a tua fé ou as tuas idéias morais, então, qualquer que seja, este livro está para ti no “índice”! Atira-o ao fogo antes que te envenene a alma! Sê severo neste ponto, meu filho, e não te arrependerás. Teme a Deus, e, depois d’Ele, teme aqueles que não O temem.



Livro: O môço educado

Autor: Dom Tihamer Toth

Parte II – O estudante

O escritor e o bandido

Páginas: 172-174

Editora Vozes LTDA.- Petrópolis RJ

IV Edição - 1960

IMPRIMATUR por Comissão Especial do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Manoel Pedro da Cunha Cintra, Bispo de Petrópolis. Frei Desidério Kalverkamp, O.F.M. Petrópolis, 21- XII-1959

Um comentário:

Paulo disse...

Belissimo texto