Por Prof. Pedro M. da Cruz.
“Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio. Não há entre eles a menor sombra de amor...”[1] (São Luiz Maria Grignion de Montfort)
“É sempre preferível exceder-se um pouco no advertir contra o mal, do que calar-se e deixá-lo crescer.”[2] (Cardeal de Lai)
“É lícita a ira justa, manifestada na indignação razoável por causa de um pecado, ou que exige a justa punição dele.”[3] (Pe. Teodoro da Torre del Greco, O.F.M. Cap.)
Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança. Isso explica o ódio dos bons a tudo o que ofende à verdade, assim como sua natural aspiração ao belo, e, por fim, o indizível enlevo que experimentam ante toda e qualquer expressão da bondade divina. De fato, o amor ao verdadeiro gera no coração do homem aversão à mentira e ao erro.[4]
Foi exatamente este estado de espírito que levou o Divino Mestre a fazer seu tão incompreendido chicote de cordas, espalhar pelos ares o dinheiro dos trocadores que escandalosamente comercializavam no Templo, e derrubar ao chão as mesas dos cambistas. Onde estava a mansidão ingênua e fraca com que caricaturam o Filho de Deus? Será este, o mesmo que nos pregava a paciência e a humildade? O fato é, que com esta quase inacreditável aspereza impetuosa, expulsara do santuário ovelhas e bois, assim como todos os que ofendiam a Deus.[5]
Bem nos recordava Régis Jolivet que “... o próprio ódio pode reduzir-se ao amor, pois o ódio de um objeto não aparece senão pelo amor que se tem por outro, que lhe é contrário”.[6] Daí ser tão claro o Gênesis ao nos relatar aquelas palavras proféticas do Criador após a triste queda original: “Porei inimizade entre ti e a mulher...”. Inimizade? Sim! Pois, o ódio santo é tão real num coração bondoso, quanto maior for seu amor à verdade. Onde há pecado, malícia, mentira ou erro, ali haverá também, por parte dos bons, luminosa e operante “inimizade”! Então, ouviremos novamente aquelas mesmas palavras proferidas com austera ousadia pelo Cristo, Nosso Senhor: “Tirai isto daqui!”[7] Não pensemos, caro leitor, que havia certa mansidão piegas e malsã na enérgica expressão desta frase...
Num tempo, infelizmente, tão relativista como o nosso, escravo de um vil antropocentrismo, onde Deus não ocupa mais o centro da vida de tantas pessoas, escravas que são de seus pérfidos desejos egoístas; num mundo como este, essa postura austera, enérgica e viril do Salvador parece desaconselhável ou, até mesmo, reprovável. Porém, Ele próprio nos afirmou categoricamente: aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração.[8] Ora, se para o Filho de Deus, a mansidão e a humildade não dispensam - algumas vezes - uma cólera justa e voraginosa em defesa da verdade, quem somos nós para afirmarmos o contrário? Se o Redentor do mundo deixou-se consumir por um santo zelo pela Casa de Deus, quem somos nós para criticá-lo? Muito pelo contrário, aprendamos dele e imitemo-lhe as virtudes.
Também São Paulo serve-nos de exemplo nesta questão. O apóstolo não se nega a exercer até mesmo a excomunhão; expulsa da comunidade cristã todos aqueles que se opõem à verdadeira doutrina.[9] Chega, inclusive, a usar de expressões fortíssimas contra aqueles que seguiam infiéis ao Evangelho, entregando-os a Satanás para mortificação dos seus corpos.[10] Outras vezes, vai ao extremo de afirmar que não se furtaria a ir aos seus “com vara”[11], na caridosa esperança de corrigir os transviados.
Já nos ensinava o grande teólogo Joseph Ratzinger, hoje Sumo Pontífice da Igreja Católica, que estes posicionamentos paulinos nada tem a ver com o ideal da anarquia pneumática que alguns pensadores quiseram extrair apressadamente da Primeira Carta aos Coríntios como imagem ideal da Igreja.[12] De fato, ao falar-nos sobre os Dons carismáticos em seu décimo segundo capítulo, muitos quiseram entender a mensagem de São Paulo como um posicionamento anti-hierárquico e anti-institucional. O apostolo das gentes, dizem eles, permitiria a cada um – os quais, supostamente, teriam um livre acesso a Deus, sem necessidade da mediação de uma Igreja específica - agir do modo que “Deus lhes tocasse o coração”. Eis aqui, mais um agravamento do infeliz subjetivismo moderno que serpenteia entre tantos membros incautos da Igreja cristã.
Não! Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e os homens; e, através de seu Corpo Místico, a Igreja, tem nos sucessores de São Pedro, seus legítimos representantes na Terra. Por isso, fez dessa mesma Igreja uma Casa para o Deus vivo, uma coluna e um sustentáculo para a verdade.[13] Portanto, os homens podem ter plena confiança nos ensinamentos imutáveis desta Igreja edificada pelo próprio Cristo. Este é um outro aspecto interessantíssimo ligado ao assunto em questão... Por hora, voltemos, mais exatamente, às nossas reflexões iniciais.
Em outros momentos também, Jesus Cristo dera forte exemplo de Santa Cólera na defesa das coisas de seu Pai Celestial. Em presença de escribas e fariseus não temeu pronunciar seus provocadores: “Ai de vós”. Taxou seus inimigos, perante todos, de “hipócritas”, “Raça de víboras venenosas”, “Guias cegos”, “Insensatos”, “Sepulcros caiados”, “Cheios de toda espécie de podridão”, “Filhos de assassinos”, “Matadores”, e “Serpentes”.[14]
Nosso Divino Redentor só fazia eco às palavras destemidas dos antigos profetas que lutaram com veemência contra todo erro e mentira de seu tempo. O profeta Amós, por exemplo, enchia o peito para intitular as mulheres levianas de sua época como semelhantes às “Vacas de Basã”;[15] é óbvio que a conotação de tal expressão era eminentemente religiosa, porém, não deixava de ser negativa àqueles a quem se destinava, além de possuir uma fina textura crítica. Ezequiel era ainda mais ousado em suas manifestações proféticas; valente, intitulava de “prostitutas” todos aqueles que se desviavam dos caminhos de Deus, e não deixava de comparar seus atos errôneos aos mais sórdidos pecados humanos. Escreveu: “...ela multiplicou seus desregramentos, lembrando o tempo de sua mocidade quando se desonrava no Egito. Ardeu ali em amor por luxuriosos, cujo membro era como um membro de asno, e sua lubricidade igual à dos cavalos. Voltaste às licensiosidades de tua juventude, do tempo em que os egípcios apertavam teus peitos, e afagavam seu seio juvenil.” [16]
Será essa uma forma vazia de se comunicar? Não quererá, o Senhor Deus, como que, sacudir a alma adormecida e narcotizada de seus leitores com tais declarações tão fortes? A virulência de certos atos não atingirá com mais efeito o terreno insensível de tantos corações entorpecidos? Talvez, isto explique esta humilhante comparação em Oséias: “O Jumento selvagem anda sozinho, mas Efraim assalaria os aliados.”[17] Ou, quiçá, aquela outra, proferida pelo próprio Deus: “O Boi conhece seu possuidor, o burro, o estábulo de seu dono; mas Israel não conhece nada, meu povo não tem entendimento.”[18]
Não estou aqui defendendo que nossos textos devam ser, todo o tempo, permeados de – como dizem alguns – “comparações humilhantes e fortíssimo teor crítico”. De fato, no mais das vezes, para não dizer, quase sempre, o melhor caminho é a mansidão, a paciência, ou, até mesmo, o silêncio salutar. São Francisco de Sales nos ensina que se pega muito mais abelhas com uma simples gota de mel, que com um grande barril de vinagre. Porém, não nos esqueçamos desses exemplos de tão grande importância deixados por parte de, nada mais nada menos que o próprio Deus. No mais, o profeta Ezequiel, ao chamar seus inimigos de “Chacais”[19] e “Crocodilos monstruosos”[20], também falava em nome do Senhor! E disso ninguém pode duvidar...
Inclusive, por citarmos São Francisco de Sales, Doutor da Perfeição, recordemo-nos que o mesmo não se esquivava jamais de, quando necessário, portar-se semelhante a um “cirurgião” em suas pregações; trazia remédios, mesmo que dolorosos, para aplicar nas feridas de seus ouvintes, embora os mesmos viessem a gritar de dor. “Se fizer alguma incisão, minhas filhas - dizia ele às Religiosas da Visitação- hão de sentir dor; mas não me incomodo (...), apresento minhas desculpas àquelas a quem possa magoar, assegurando-as que, se vier a fazê-lo, será de todo coração.”[21] Isso para que nunca nos esqueçamos de que a mansidão não é sinônimo de moleza, pieguice ou permissividade. São Jerônimo é outra grande prova para tal argumentação. Aparecendo em suas epístolas quase sempre irritado, seus escritos demonstram severidade e intransigência perante os erros de sua geração.[22]
Finalmente, citemos, ainda mais, outro grande exemplo aos homens de hoje; falemos de Santo Afonso de Ligório, tão louvado por sua bondade e paciência heróicas! Ele mesmo afirmava-nos que, algumas vezes, dadas as circunstâncias, é conveniente falar ou responder com aspereza a algumas pessoas, a fim de melhor fazê-las “cair em si”; deste modo, perceberiam seus erros. Porém - e sabiamente - não deixava de chamar a atenção ao fato de que, em tais situações, dificilmente se portam os homens sem cometer alguma falta diante de Deus. Daí a necessidade do máximo de discernimento, sabedoria e autocontrole em todas as situações.[23] Aqui, o terreno em que se cultiva esse tesouro pedagógico é o da caridade, toda ela trasbordante da mais sublime temperança, num sincero desejo pela glória de Deus e salvação das almas.
Perante todo o exposto, esforcemo-nos por compreender a virulência santa de tantos combatentes de nossa época em defesa da única Igreja fundada por Cristo. Não é verdade que possuem a heróica vontade de aniquilar todo raciocínio e todo orgulho que se levanta contra o conhecimento de Deus ?[24] Por este nobre motivo, insistem oportuna e inoportunamente, repreendem, ameaçam, e exortam com todo o empenho de instruir.[25] Sim! É tempo de se reencontrar a coragem do anticonformismo, a capacidade de se opor, de denunciar muitas das tendências da cultura que nos cerca[26], pois, a intransigência é para a virtude o que o instinto de conservação é para a vida. Uma virtude sem intransigência, ou que odeia a intransigência - escrevia-nos Dom Mayer - não existe ou só conserva a exterioridade. Sendo a fé o fundamento da vida sobrenatural, a tolerância em matéria de fé é o ponto de partida para todos os males, especialmente para as heresias.[27]
Portanto, supliquemos insistentemente a Nossa Senhora,“Regina pacis”, que nos conceda a graça da Santa Intransigência. Só assim, poderemos nos assemelhar aos primeiros apóstolos do Senhor, que souberam bradar, destemidamente, perante todos os seus inimigos, aquele radical e invejável “non possumus”;[28]ele deve ressoar com ardor e sabedoria, até o último suspiro, nos atos firmes e ousados daqueles que se dizem seguidores de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mater Boni Consilli, ora pro nobis
Referências Bibliográficas:
[1] DE MONTFORT, S. Luíz Maria Grignion. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. 30a Edição. Petrópolis, Editora Vozes, 2002. Pg. 56.
[2] MAYER, D. Antônio de Castro. Por um cristianismo autêntico. Campos: Editora Vera Cruz, 1971. pg. 65.
[3] DEL GRECO, Pe. Teodoro da Torre. Teologia Moral, Compêndio de Moral Católica para o clero em geral e leigos. São Paulo: Paulinas, pag.115.
[4] Gênesis 1,26; 3,15.
[5] Sâo João 2, 13-17.
[6] JOLIVET, Régis. Curso de Filosofia. Trad. Eduardo Prado de Mendonça. 15ª Edição. Rio de Janeiro, Agir, 1984. Pg.183.
[7] São João 2,16.
[8] São Mateus 11,29.
[9] Gálatas 1, 9.
[10] I Coríntios 5,5; I Timóteo 1,20.
[11] I Cor 4, 21.
[12] RATZINGER, Cardeal Joseph. Compreender a Igreja Hoje. Vocação para a comunhão. Trad. D. Mateus Ramalho Rocha, OSB. 3ª Edição. Petrópolis, Editora Vozes, 2006. pg. 66.
[13] I Timóteo 3,14.
[14] São Mateus 23, 1-36.
[15] Amós 4,1.
[16] Ezequiel 23,19-21
[17] Oséias 8,9
[18] Isaias 1,3
[19] Ezequiel 13,4
[20] Ezequiel 29,3
[21] LECLERQ, Abbé Jacques. São Francisco de Sales, Doutor da Perfeição. Traduzido do Francês. 3ª Edição. Petrópolis, Vozes, 1957. Pag. 120-121.
[22] LECLERQ, Abbé Jacques. São Francisco de Sales, Doutor da Perfeição... pag. 178.
[23] LIGÒRIO, S. Afonso de. A Prática do Amor a Jesus Cristo. Trad. Pe. Gervásio Fabri Dos Anjos, C.SS.R. São Paulo: Santuário, 1982. 161
[24]II Coríntios 10, 5.
[25] II S. Timóteo 4, 2.
[26] RATZINGER, Joseph; MESSORI, V. A fé em crise? O Cardeal Ratzinger se interroga. Trad. Pe. Fernando J. Guimarães, CSSR. Sâo Paulo, E.P.U, 1985. Pg. 21-22.
[27] MAYER, D. Antônio de Castro. Por um cristianismo autêntico. Campos: Editora Vera Cruz, 1971. pg. 64. Conf. Também: Ibidem. RATZINGER, Cardeal Joseph. Compreender a Igreja Hoje...
[28] Atos 4,20 : Trad: “Não podemos ...”.
[29] São João 8, 44.
[30] São João 8, 59.
4 comentários:
realmente o texto está muito bom. me ajudou muito abrir minha mente ], espero q mais pessoas possam ter acesso assim como eu tive por um material taum baum é isso ai..
Massa d mais rerererererererereer
belezzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Se em ira podemos não pecar então podemos lutar com mais força contra as mentiras do demônio.
Depois de ler este artigo me sentirei mais a vontade no Orkut. Agora compreendo o que alguns falavam la sobre a necessidade de algumas vezes nos mostrarmos mais intransigentes.
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