sexta-feira, 2 de maio de 2008

Aos estudantes e profissionais do Direito



PRINCIPAIS VIRTUDES E DEVERES DO JURISTA

Autor: Dr. Paulo Oriente Franciulli

O QUE SÃO VIRTUDES E PARA QUE VIVÊ-LAS

1. DEFINIÇÃO DE VIRTUDE

Virtude é a perfeição de uma faculdade operativa. Vem do grego areté, que significa excelência, capacidade, valor; e do latim virtus, excelência, perfeição moral. Virtuoso, portanto, é quem sempre usa suas capacidades humanas – inteligência, vontade, faculdade tendencial sensível, faculdade tendencial irascível – para o bem; pratica o bem de um modo superior ao meramente “natural”, e de uma maneira alegre. Aristóteles resumia assim: virtuoso é aquele que realiza a vida boa, eupraxia, uma vida bem conseguida, porque ordenada pela reta razão.

As virtudes estão orientadas para a atividade, pois entram no plano antropológico do ser in fieri.

2. TIPOS DE VIRTUDES

A. Virtudes morais ou éticas: são as virtudes das tendências (vontade, apetite sensível, apetite irascível) que levam ao aprimoramento do caráter, das disposições afetivas, das inclinações naturais. Visam à excelência do homem no seu agir e ser. Tornam-no bom, aperfeiçoam-no.

B. Virtudes intelectuais ou dianoéticas: são as que produzem a perfeição da inteligência na captação e contemplação da verdade. Dependendo do tipo de entendimento, as virtudes intelectuais são:

- sabedoria (sophia) e ciencia (epistemé) no entendimento teórico;

- arte (techné) e prudência (phronésis) no entendimento prático.

O imperador Otávio Augusto via Virgílio, seu conselheiro e amigo pessoal, da seguinte forma: “Desde o primeiro momento, percebi em Virgílio uma autoridade que nunca encontrei em nenhum outro homem. Não era a autoridade que emana dos que estão acostumados a mandar [...]. A de Virgílio era bem diferente, e vinha de um domínio de verdades secretas, da sua capacidade de penetrar até o fundo das coisas” (Augusto, o Imperador Deus, p. 114).

3. COMPREENSÃO DO SENTIDO REAL DE VIRTUDE.

Quando se fala em virtude, aponta-se para a perfeição: a perfeição das faculdades que torna possível realizar bem os seus atos próprios. Todas as virtudes existentes radicam em alguma dessas faculdades ou tendências humanas: p.ex. prudência na inteligência, justiça na vontade, fortaleza no apetite irascível, temperança no apetite sensível.

A virtude, do ponto de vista moral, é mais do que um hábito estável, fruto da repetição de atos bons. Ela é como uma segunda natureza adquirida, graças à qual a respectiva faculdade pode realizar seus atos de acordo com a verdade, produzindo coisas boas, belas e justas. Assemelha-se a um instinto adquirido.

Aristóteles: a razão não exerce sobre as tendências um domínio despótico, mas sim político, o mesmo que se tem sobre os seres livres.

De fato, as tendências sensíveis podem entrar em conflito com a razão; daí a necessidade de “racionalizar” as tendências, para que cheguem a ser um princípio do atuar humano inteiramente conformes à reta razão.

Logo, na pessoa virtuosa não há somente um conjunto de atos bons, repetidos um dia após o outro. Há, na verdade, uma harmonia entre o homem e todas as suas tendências, entre a sua razão e a sua afetividade. Assim, para citar um exemplo, o homem justo ama os demais como a si mesmo, e quer dar-lhes o que em justiça devem receber.

E mais: “as coisas conforme a virtude são prazerosas para o que ama a virtude” (Aristóteles). Não é virtuoso quem não se compraz nas boas ações. A virtude, do ponto de vista moral, significa conaturalidade afetiva, conaturalidade do homem com todas as suas tendências, ou de todo o homem.

O atuar virtuoso acerta o que é verdadeiramente bom de modo espontâneo e seguro.

A afetividade é absolutamente decisiva, porque, na prática, guia o juízo da razão. Isso significa que quando escolhemos algo mau, a razão foi obscurecida e desviada pela afetividade. É a ignorantia electionis ou error electionis.

No homem virtuoso, os seus afetos se dirigem ao bem conforme a razão. Porque ele conseguiu que as suas tendências fossem “empapadas” pela razão. Encara o cumprimento do dever como algo bom e prazeroso, e a sua afetividade não se rebela ante as dificuldades que supõe o atuar virtuoso, antes alegra-se. Não encara o bom como o dever, mas como aquilo que lhe convém, que lhe trará felicidade.

Assim, a virtude moral é a mais alta atualização da liberdade e da razão.

PARTE II – ALGUMAS DAS PRINCIPAIS VIRTUDES DO JURISTA

1. PRUDÊNCIA

É a virtude da função imperativa da razão prática, que determina diretamente a ação. Trata-se de uma virtude intelectual ou dianoética que depende das tendências e tem por função dirigir continuamente a ação. Auriga virtutum: a condutora de todas as virtudes.

Não se confunde com a panourgia: astúcia ou refinamento para o mal, como no caso de um hábil traficante, ou no chefe de um grupo terrorista. A prudência é a destreza da razão para o bem.

À prudência corresponde determinar os meios, isto é, as ações concretas encaminhadas à consecução de um fim. Bons os meios, bom o fim. Constitui a verdade prática do atuar, a reta tendência ao fim bom.

Constitui-se de três partes: deliberação, juízo, mandato ou império para atuar. O homem prudente é o bom por excelência.

No caso do jurista, como de qualquer profissional, a prudência também implica na aquisição de habilidades e conhecimentos específicos. Ou seja, o atuar prudente do juiz, do advogado, do promotor supõe que conheçam bem o Direito e o caso concreto que têm nas mãos.

2. JUSTIÇA

Trata-se do aperfeiçoamento da vontade no que diz respeito à tendência para o bem dos outros. É a vontade determinada e constante de dar a cada um o que é seu, o que lhe corresponde, nos diferentes âmbitos da justiça (comutativa, distributiva, legal).

Regras de ouro da virtude da justiça: “Não faças aos outros o que não quererias que fizessem a ti” e “ama o teu próximo como a ti mesmo”.

Como, naturalmente, a razão e a vontade procuram apenas o próprio bem, somente a virtude da justiça pode proporcionar essa segunda natureza que permite tender ao bem dos demais com a mesma determinação com que se busca o próprio bem.

O homem justo alegra-se com o bem do próximo como se fosse o seu. O outro passa a ser um alter ipse. Logo, a justiça não é a imposição do mais forte, como no caso do Vae victis de Breno, quando os gauleses invadiram a Península Itálica, saquearam Roma e exigiram o resgate de 3600 kg de ouro; ao pesá-lo, foi colocada na balança a espada de ferro dos vencedores. Justiça é benevolência.

Honestidade: necessidade dessa virtude nos dias que correm, quando o comum parece ser a corrupção e a aproveitamento ilícito da posição. Tem a ver com o respeito a si próprio e aos outros.

3. FORTALEZA OU VALENTIA

É a virtude que aperfeiçoa os atos ou paixões da faculdade tendencial irascível, ou brio, tornando-os conforme à reta razão.

A fortaleza leva a acometer as tarefas necessárias – aggredere – e a suportar as dificuldades e esforços prolongados – resistere. Da fortaleza formam parte a audácia, bem como a paciência e a constância. O forte distingue-se pela serenidade. Interessante a coincidência entre Tolstói (“a paciência e o tempo, eis os dois paladinos que fazem a guerra por mim”, in Voina i Mir) e Balzac (“Todo poder humano é uma mistura de paciência e tempo”, in Eugenia Grandet).

Os vícios opostos à essa virtude são o medo ou covardia e a temeridade.

A fortaleza leva à prudência e vice-versa. Quem se afana por fazer o bem, sempre encontra dificuldades, necessitando pois de fortaleza; e só o prudente pratica o bem. Por outro lado, a fortaleza sem justiça e prudência leva ao fanatismo.

Há duas classes de dificuldades: as internas, oriundas da imperfeição do próprio sujeito e da rebelião freqüente dos sentimentos e instintos contra a razão; e as externas, provenientes das outras pessoas e das estruturas injustas da sociedade.

Algumas manifestações da fortaleza no jurista: enfrentar os casos difíceis, ir contra a corrente quando a justiça o exigir, resistir às pressões (ambiente, tentativas de suborno, ameaças), serenidade nos momentos difíceis de um pleito, terminar as causas (ir até o final).

4. VERACIDADE

Diz-se da virtude daquele que sempre manifesta a verdade. As palavras e ações da pessoa veraz são conformes às realidades que expressam. Essa virtude é essencial para a vida em sociedade.

A veracidade opõe-se a toda sorte de mentira – isto é, ato de enganar o outro, fazendo com que as palavras ou as ações sejam contrárias à realidade que deveriam manifestar; vem de mendacium: contra a mente –: duplicidade, simulação, hipocrisia – vem do grego hypocrita, cômico que entrava em cena com uma máscara em que se desenhava uma face sorridente, ou triste, etc.

A veracidade é parte da virtude da justiça, e podemos especificá-la como “justiça comunicativa”. Logo, está radicada na vontade – é um ato da vontade, embora a pessoa também dependa do entendimento para chegar ao que é verdadeiro. Cada um tem o direito de receber comunicações verdadeiras.

Nas relações em juízo, essa virtude adquire uma especial importância, em vista da natureza do relacionamento criado. Daí a solenidade e a proteção legal que a revestem.

Sófocles: “A verdade é sempre o argumento mais forte.”

5. LABORIOSIDADE

Virtude que leva a trabalhar muito, e a trabalhar bem; quantidade de tempo e qualidade do serviço; perfeição no processo e no produto.

O trabalho faz parte da finalidade da existência humana, pois é o meio de aperfeiçoamento da própria pessoa e do entorno em que vive. Tem a ver com a diligência, de diligere, amar. A laboriosidade leva ao gosto pelo trabalho, a trabalhar com prazer. No caso do jurista, redunda no entusiasmo pela promoção da justiça.

O vício oposto é a preguiça, que constitui um defeito antropológico, na medida em que não se faz aquilo para o qual se foi criado. Clodomir Vianna Moog, no seu Bandeirantes e Pioneiros, explora a figura nacional do “mazombo”, cujas características são: ausência de determinação, ausência de gosto por qualquer tipo de atividade orgânica, carência de iniciativa e inventividade, falta de crença na possibilidade de aperfeiçoamento moral do homem, descaso por tudo que não fosse fortuna rápida. Cumpre-nos modificar essa característica e essa imagem do brasileiro.

PARTE III – OS DEVERES DO JURISTA

1. SENTIDO DEONTOLÓGICO DO DEVER

A moral kantiana do imperativo categórico, bastante difundida e defendida quando se estuda a Ética, incide no equívoco de entender a virtude como o estrito cumprimento do dever: tudo o que se faz em sociedade há de ser encarado como dever. A vida seria compartimentada por deveres, sejam eles cívicos (p.ex., a votação), sociais (promoção da paz social), familiares (sustento dos filhos) ou profissionais (o juiz que profere uma sentença).

O problema dessa visão é, por um lado, o reducionismo negativista da realidade: tudo passa a ser dever, e o dever necessita ser feito porque é um dever. Por outro lado, as suas conseqüências são nefastas para a Ética, uma vez que se acaba por perder de vista o real sentido do dever.

Qual seria o real sentido do dever? A contraprestação de um direito, que em justiça deve ser atendido, e virtuosamente atendido. Volta-se destarte ao âmbito salutar das virtudes: justiça/benevolência, prudência/recta ratio, fortaleza/valentia para realizar o bem, etc.

O ponto-chave dessa resposta é que o jurista – juiz, advogado, promotor, procurador, professor... – tem uma série de deveres a cumprir, não por eles mesmos, mas pelos respectivos direitos do Estado, da sociedade, de cada pessoa que, por qualquer motivo, recorra ou participe de um ato/âmbito do Poder Judiciário. E esse mesmo jurista cumprirá tais deveres como forma de exercitar virtudes e de ser virtuoso.

Alguns exemplos: as partes litigantes têm o direito a que o juiz preste a sua função com imparcialidade; a sociedade tem o direito a que o MP coloque todos os meios para a boa condução dos processos criminais; o Estado tem o direito a que o professor prepare as aulas.

Enfim, o âmbito preciso em que se encontram os deveres do jurista é o das virtudes requeridas para atender os direitos do Estado, da sociedade, das pessoas. Sendo encarados como produtos ou resultados de virtudes, esses deveres incidem também em outra esfera, a do aperfeiçoamento moral do jurista.

2. QUADRO DOS DEVERES DO JURISTA

Por uma questão didática, e limitando o estudo em função do tempo disponível, podem-se classificar esses deveres em três grupos:

A. Comuns a todos os juristas: conhecer o Direito e as circunstâncias do processo; sigilo profissional; buscar a melhor solução; respeito à lei justa;

B. do Juiz: prestar a função com diligência, imparcialidade, respeito pelas partes e advogados;

C. do Advogado: lealdade ao cliente, igualdade de trato e diligência cuidadosa, exatidão, decoro profissional.

3. DEVERES COMUNS A TODOS

A. Conhecer o Direito e as circunstâncias do processo:

Faz parte da virtude da prudência o domínio da profissão.

Também é objeto de uma virtude intelectual, a ciência, o conhecimento de um ramo do saber humano que possibilita a perfeita atuação profissional.

É um dever principal do jurista praticar o estudo teórico, o estudo de atualização, a reflexão, o aprofundamento nos “quês” e nos “porquês”. Também são tempos de trabalho. Há o risco de o profissional do Direito tornar-se um “prático”, um tecnólogo, deixando então de ser jurista. O diferencial do profissional excelente é o estudo constante, se possível diário.

Em concreto, estudar o processo que se há de julgar ou defender. É claro que se trata de um dever exigente em vista do volume de trabalho e da pressão dos prazos, mas se deve apontar sempre para o seu cumprimento, empregando as diligências necessárias.

Virtudes que aparecem no cumprimento desse dever: prudência, justiça, fortaleza, veracidade e laboriosidade.

B. Sigilo profissional (arts 5 e 13 do C.I.D.F. - Código Internacional de Deontologia Forense).

Faz parte da relação de confiança que há entre o advogado e o cliente, e constitui-se num meio vital para uma boa defesa. No caso do juiz e do promotor, o dever do sigilo aparece nos casos não públicos, e naquilo que não devem revelar por força da função.

Virtudes envolvidas: prudência, justiça, fortaleza, veracidade, lealdade e discrição.

Meios concretos, especialmente no caso dos advogados: não estudar ou comentar esses assuntos em lugares públicos, por telefone, internet, etc.; cuidado com o arquivo dos documentos, as anotações, fitas gravadas, etc.; destruir os documentos confidenciais findo o processo; não citar experiências reais em aulas, artigos, etc.

C. Buscar a melhor solução (art. 10 do C.I.D.F.)

Aqui entram em jogo as virtudes da justiça, da prudência e da laboriosidade. A melhor solução para dar a cada um o que é seu, evitando meios imperfeitos. E se deve buscar a melhor solução para as partes e para o bem comum, não para o juiz ou o advogado.

D. Respeito à lei justa

A lei justa – emanada de autoridade competente e com conteúdo de acordo com a moral – está para ser obedecida e respeitada. Faz parte da justiça e da prudência.

Não importa que a lei justa seja contrária ao parecer do jurista, quando se tratar de matérias opináveis: p.ex., o advogado é contra o dispositivo do Código Civil que prevê o prazo de um mês para a cobrança do mútuo em contrato sem data estipulada; isso não quer dizer que ele possa desobedecer ou desrespeitar esse dispositivo. Outro problema: a psicose do “como burlar a lei?”

Por outro lado, a lei injusta não obriga, e em alguns casos deverá ser desatendida.

4. DEVERES DO JUIZ

A. Prestar a função com diligência.

É o primeiro que se espera de um juiz: que julgue os processos que lhe são confiados, e que os julgue bem, com prudência e justiça.

Exemplo literário: julgamento de Sancho Pança em Barataria no caso do empréstimo de dez ducados, com o mutuário de bengala jurando que havia devolvido (D. Quixote, Miguel de Cervantes).

Diligência neste caso é laboriosidade, dar conta das tarefas, pontualidade.

B. Imparcialidade.

Virtude própria de quem é justo. O juiz deve estar eqüidistante das partes, o que facilitará a sua decisão.

Esse dever está ligado à uma parte da prudência e da sabedoria (virtude intelectual) que é a racionalidade boa, ou seja, o domínio da razão sobre os afetos e as paixões. Na prática, significa não se deixar levar por simpatias, preconceitos, impressões, aspectos circunstanciais.

Também está ligado à fortaleza, pois muitas vezes suporá decisões difíceis, politicamente incorretas e impopulares.

C. Respeito pelas partes.

Justiça-benevolência e humildade: o juiz não é superior aos outros. Deve evitar atitudes ou posturas prepotentes, cínicas, imperativas, orgulhosas, esquisitas. Apreço e consideração pelas partes, zelo pelas boas formas.

O que não quer dizer servilismo, fraqueza, deixar-se dominar pelas partes. É possível ser firme e rigoroso sem faltar ao respeito.

5. DEVERES DO ADVOGADO

A. Lealdade ao cliente (art. 9 do C.I.D.F.).

Trata-se de um dever-virtude. A lealdade é a virtude que torna o advogado conforme às leis da probidade e da honra.

Elementos constitutivos: franqueza com o cliente; emprego dos cuidados exigíveis para o bom sucesso da causa; sigilo.

Aspecto previsto nos art. 9, II e 16 do C.I.D.F.: o advogado somente poderá retirar-se do processo por um motivo justificado, e num momento em que não haja prejuízo irreparável para o cliente.

Vão contra esse dever a revelação do segredo profissional, o acordo com a parte contrária à revelia do cliente e a desinformação do cliente.

A lealdade persiste inclusive depois de encerrado o processo.

B. Igualdade no desempenho dos casos (art. 9 do C.I.D.F.)

O advogado deve empregar os mesmos cuidados e diligências nos casos de um cliente milionário, e nos de um indigente; nos pagamentos à vista e nos parcelados. Está em jogo a virtude da justiça.

A tradução desse dever é a diligência habitual: evitar as dilações daninhas, não patrocinar mais casos que os passíveis de diligência ordinária, etc.

C. Exatidão (Art. 6, II do C.I.D.F.)

Dever correlato à virtude da veracidade. O advogado deve fornecer informações exatas ao tribunal. Não deve mentir nem aconselhar a mentir. Também lhe é vedado falsear dados, inventar ou destruir documentos, etc.

Casos negativos clássicos: a agressão ao cliente assassino e a ingestão do documento probatório.

D. Decoro profissional (art. 2 e 4 do C.I.D.F.)

Motivos desse dever: não danificar a reputação profissional e nem diminuir o seu prestígio. Decoro é conveniência, dignidade, conduta honrada.

Atitudes de falta de decoro: propaganda do próprio escritório que fomente o espírito litigioso, ou que seja espalhafatosa e estranha; comprar o pleito; enganar o cliente quanto aos honorários (“inflar” a causa, p.ex.); comportamentos indecorosos: ofensas à parte contrária ou ao juiz, comportar-se desrespeitosamente no tribunal; ameaçar a parte contrária, etc.

Também entra em tela de juízo a pulcritude com assuntos econômicos: art. 14 e 16 do C.I.D.F.

PARTE IV – CONCLUSÃO

A grande pergunta é: por que e para que tudo isso?

1. Porque toda pessoa busca a felicidade. A verdadeira felicidade se encontra na vida virtuosa – vida boa de Aristóteles, eupraxia, o atuar segundo a virtude –, que supõe o aperfeiçoamento pessoal e o aperfeiçoamento social, afinal a melhora individual é o melhor caminho para a melhora coletiva.

As virtudes pessoais têm o seu eixo no trabalho, onde grande parte delas é conseguida. Logo, o jurista há de ser virtuoso, aperfeiçoar-se e ser feliz precisamente através do seu trabalho.

2. O ideal ético é o melhor fim possível para a existência humana. Porque é o único que a melhora e torna feliz, e contribui positivamente para a melhora da sociedade e a consecução do bem comum.

3. Igualmente são fins, embora equivocados ou parciais: o brilho profissional, a aquisição de meios econômicos, a conquista do poder, a busca de uma vida cômoda e prazerosa. Contudo, são fins que não trazem a felicidade. Geram, sim, a sensação de vazio e fracasso.

A insatisfação existencial da carreira vivida à margem da Ética, sem o esforço pelo aprimoramento pessoal, redunda na visão do trabalho como carga, algema, ou mero instrumento para a obtenção de objetivos que logo se mostram decepcionantes.

4. A grande peculiaridade do jurista é que, ao contrário dos outros tipos de trabalho, a sua profissão consiste em fazer valer uma virtude. É um promotor da justiça, em analogia com os artistas e as musas. O seu trabalho profissional é promover o aperfeiçoamento social, aperfeiçoando-se a si mesmo ao realizar os seus afazeres.

Isto é uma grande honra, mas também uma enorme responsabilidade, o que nos leva a refletir e assumir as idéias e os ideais éticos.

Fonte: http://www.iics.org.br/direito/Site/newsletter_interno.aspx?id=20

terça-feira, 29 de abril de 2008

Futebol e Cristianismo


Organizado e adaptado por Paulo Oliveira

Para os católicos, o futebol bem pode ser uma maneira de encontro com o Senhor, de segui-lo e de caminhar rumo à santidade. No jogo, reconhecemos valores nobres como o trabalho em equipe, o jogo limpo, a solidariedade, a unidade e o companheirismo. Efetivamente, o futebol é um dos fenômenos que mais paixões desperta no mundo, mas ao mesmo tempo ajuda «a estabelecer relações fraternas entre os homens de todas as classes, nações e raças», como diz o número 61 da «Gaudium et Spes».

A diversão é algo próprio da condição humana, e o futebol diverte. Nesse sentido, pode-se dizer que o futebol está a serviço do homem. Porém, é preciso prestar atenção para que não seja o inverso, para que homem não se submeta ao futebol até ferir sua dignidade, porque o jogador, o aficionado, pode chegar a converter-se em um escravo dessa diversão, pela desmedida exaltação de ídolos, rivalidades, mercantilização do esporte e violência.

João Paulo II definia o futebol como «uma forma de jogo, simples e complexa ao mesmo tempo, na qual as pessoas sentem alegria pelas extraordinárias possibilidades físicas, sociais e espirituais da vida humana».

O cardeal Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI, disse: «a fascinação pelo futebol consiste, essencialmente, em saber unir de forma convincente estes dois sentidos: ajudar o homem a se autodisciplinar e ensiná-lo a colaborar com os outros dentro de uma equipe, mostrando-lhe como pode enfrentar os outros de forma nobre».

O mundial de futebol (Copa do Mundo) é uma escola de humanidade quando muitos países chegam a um acordo comum para realizar uma atividade que respeite umas normas precisas e busque uma superação contínua em um ambiente de sã competitividade. Estas características fazem do futebol (...) uma ferramenta pedagógica da convivência.

Com ocasião da bênção do Estádio olímpico de Roma, antes do Mundial de 1990, o Papa João Paulo II dizia aos jogadores: «Os esportistas do mundo inteiro estão olhando para vocês. Sejam conscientes de sua responsabilidade! Não só o campeão no estádio; também o homem com toda sua pessoa há de converter-se em um modelo para milhões de jovens que têm necessidade de líderes e não de ídolos. Têm necessidade de homens que saibam comunicar-lhes o gosto pelo que é árduo, o sentido da disciplina, o valor da honra e a alegria do altruísmo. Seu testemunho, coerente e generoso, pode impulsioná-los a enfrentar os problemas da vida com igual empenho e entusiasmo».

Referências Bibliográficas:
 www.zenit.org/article-11545?l=portuguese
www.zenit.org/article-11663?l=portuguese

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Considerações sobre o uso de tabaco e bebidas alcoólicas por católicos

Ratzinger_cerveja

Autor: Rafael Vitola Brodbeck

Questionam alguns fiéis acerca da licitude moral da prática de certas atividades que envolvam risco de vida. De fato, o V Mandamento do Decálogo, ao proibir o assassinato, estabelece também deveres de salvaguarda para com a própria vida. São esses, aliás, que fundamentam a legítima defesa, inclusive armada, contra a injusta agressão, ainda que cause a morte dos malfeitores (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2263-2267; Santo Tomás de Aquino. S. Th., II-II, q. 64, a. 7; Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Encíclica Evangelium Vitae, 56; ARRIGHI, A. Não matar, Pádua, 1946).

Enquadram-se no rol das ações perigosas determinadas práticas desportivas - luta, boxe, alpinismo, rapel, automobilismo -, algumas artes circenses - doma de feras, acrobacia, trapézio -, e mesmo atividades de lazer - caminhada no mato, acampamento em local ermo, banho de mar um pouco afastado da praia ou sob "bandeira vermelha"). Também o uso de substâncias nocivas à saúde.

A pergunta pode ser assim reproduzia: é imoral lutar boxe, praticar rapel, domar leões, fazer acrobacias, escalar montanhas? Ou: peca-se contra o V Mandamento desenvolvendo-se tais atividades perigosas? Ou ainda: é pecado consumir tabaco?

Para bem responder a instigante questão, devemos preliminarmente expor algumas noções fundamentais implicadas com a ordem divina de não matar (cf. Êx 20,13).

O mandamento implica em dois tipos de cuidados, uns para com a vida do próximo, outros para com a própria vida. Este segundo grupo é o que nos interessa.

Dentre os cuidados com a vida, tanto a nossa - objeto do presente estudo - quanto a do próximo, há uma série de deveres elencados pelos moralistas: a) positivos: usar dos meios aptos para a preservação da vida, se existirem; b) negativos: evitar os meios que ordinariamente causem intencionalmente a morte própria ou de outrem (cf. BAYET, A. O suicida e a moral, Paris, 1922; ODDONE, A. O respeito à vida, in "Civiltà Cattolica", nº 97, III, 1947, pp. 289-299; DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. Teologia Moral, São Paulo: Paulinas, 1959, pp. 228-244).

De início podemos afirmar que o ninguém é autorizado a atentar contra a próproa vida, donde a proibição do suicídio direto. Já em relação ao suicídio indireto, este é, em geral, proibido, mas pode ser permitido ocorrendo razão grave. "Mata indiretamente a si mesmo quem, conscientemente, pratica uma ação que visa a um efeito bom, compreendido o desejado, capaz, porém de também causar a morte. Neste caso, o efeito bom compensa o mau. É lícito atirar-se da janela paa fugir a um incêndio; para fugir do violador do próprio pudor; para evitar o cárcere, etc. É lícito, na guerra, fazer saltar um depósito de pólvora, uma fortaleza, uma nave etc, mesmo com perigo certo da própria vida. É lícito, por caridade ou por profissão, servir os pestilentos, os leprosos ou outros doentes infecciosos." (DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. op. cit., p. 229)

Também é proibido a abreviação da própria vida por vários anos, salvo "por uma necessidade moral ou pelo exercício da virtude." (DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. op. cit., p. 229) - exemplo de necessidade moral: ganho honesto que faça um ferreiro estar em contato contínuo com o fogo ou um químico com produtos tóxicos; exemplo de exercício da virtude: mortificação do próprio corpo com jejuns, penitências, disciplinas. Claro que a necessidade moral será aferida caso a caso, e a virtude deve ser exercitada com o auxílio de um diretor espiritual, para não ocorrer excessos - que podem, aliás, ser pecado de soberba, orgulho espiritual: "vejam como sou santo, como jejuo, como etc." Se não existe perigo próximo de morte, também o consumir bebidas alcoólicas e o fumar tabaco não constituem pecado, a não ser que o uso seja excessivo, quando será pecado venial (cf. GENICOT-SALSMANS, Pe. J., SJ. Institutiones Theologiae Moralis, vol. I, Bruxelas, 1951, p. 363) - havendo perigo próximo de morte, o pecado é mortal; o uso de drogas para fins recreativos, i.e., não necessários, pode ser pecado grave ou venial, havendo, no primeiro caso, perigo próximo de morte, e, no segundo, excesso sem o tal perigo próximo. Como o consumo social de álcool ou tabaco, ordinariamente, constituem, no máximo, perigo remoto de morte, não há pecado - evidentemente, se houve excesso, há pecado, e, com o perigo próximo, este é agravado (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2990). Consumir maconha ou cocaína, por outro lado, é pecado quando feito fora de uso terapêutico ou necessário, por constituir-se perigo próximo e não remoto de morte (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2991).

A mutilação é pecado grave, "desde que não se pratique com a finalidade de conservar a vida." (DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. op. cit., p. 230)

O desejo de morrer, outrossim, é lícito, desde que haja causa justa, v.g., o gôzo de Deus, a contemplação da bem-aventurança eterna, ser libertado de uma enfermidade longa e sofrida, e quem o desejo submeta-se à vontade divina.

Também, pelo V Mandamento do Decálogo, deve o homem conservar a "própria vida e a saúde, usando de todos os meios ordinários." (DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. op. cit., p. 231) Daí a proibição da eutanásia passiva (a eutanásia ativa é proibida pelos deveres para com a vida alheia), mas não da ortotanásia: "A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da 'obstinação terapêutica'. Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la." (Catecismo da Igreja Católica, 2278)

Enfim, e aqui o objeto próprio de nosso articulado, proíbe-se a exposição temerária ao perigo de morte. Analisemos alguns conceitos.

Exposição temerária é colocar-se frente ao perigo sem a tomada das devidas cautelas. Desse modo, sabendo-se que uma determinada atividade representa um perigo à própria vida - não uma certeza, pelo que seria imoral, mas um perigo, o que motiva nosso debate -, é necessária a adoção de medidas assecuratórias normais. Não se requer o uso de medidas extraordinárias, bastando a adesão à regulamentação da atividade, o conhecimento prévio do perigo, a habilidade e a destreza (exigidas nas ações mais perigosas, e que tornem o risco remotíssimo quando se tem fim de lucro), e a utilização de adequado equipamento.

Expor-se ao perigo de morte, usando das cautelas acima referidas, não é pecado se o fim é bom. Assim, quem faz rapel movido pelo desejo de uma justa diversão ou para admirar a criação de Deus e estar em contato mais íntimo com a natureza; quem pratica acrobacias no circo para emocionar a platéia com a beleza de sua arte, e desde que o lucro não seja o fim exclusivo; etc, não pratica pecado, usando das medidas normais de segurança. O risco assumido não é imoral, nesses casos, havendo quem o assume pelo exercício da atividade perigosa tomado "todas as providências tendentes a evitar ou minimizar as possibilidades de dano (...)." (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. 1, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 164)

Objetarão alguns que os fins não justificam os meios. A expressão, todavia, deve ser melhor formulada: os fins não justificam os meios maus. Porém, quando os meios são neutros, i.e., nem bons nem maus em si mesmos, os fins bons estão plenamente justificados.

Ora, os fins de contemplar a natureza, divertir-se moderadamente, descansar etc são bons, e assumir um risco de morte é um meio neutro. Pode-se, logo, desenvolver atividades perigosas à própria vida, presente o fim bom e ausente algo que transforme o meio, em si neutro, em coisa má (por exemplo, não usar equipamento adequado).

Tomando, se existirem, as devidas cautelas (o que mantém o meio neutro, sem torná-lo mau) e com um fim bom, a prática de atividades que envolvam perigo para a própria vida é moralmente lícita, não constituindo pecado contra o V Mandamento.

"A virtude da temperança manda evitar toda espécie de exceção, o abuso da comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos." (Cat., 2290)

O Catecismo da Igreja Católica é claro: o pecado está no abuso do fumo, não no mero uso. E, como diz o adágio dos moralistas, "o abuso não tolhe o uso". O Catecismo não condena o uso do fumo, mas somente o abuso. Ora, se o abuso é tido como pecado, logicamente é porque não considera a Igreja que o mero uso o seja. Se a Igreja quisesse ensinar que o mero uso fosse pecado, não teria dito que o abuso o é, mas diria simplesmente que o uso já configuraria pecado. Não foi esse o ensino, porém.

Por outro lado, a argumentação de que todo uso do fumo é abuso não procede, dado que está objetivando algo que é subjetivo. Em sendo abuso, ok, é pecado. Mas se existe abuso é pq também pode haver mero uso. Dizer que todo uso do cigarro é abuso é desvirtuar o próprio sentido de abuso, o que contraria toda a lógica da teologia moral clássica, notadamente a ensinada por Santo Tomás.

Do excelente e ortodoxo manual "Teologia Moral", do Fr. Teodoro da Torre Del Greco, OFMCap:

"À gula se refere a intemperança no beber até à perda do uso da razão (embiraguez), a qual, se é perfeita, isto é, se chega a impedir completamente o uso da razão, é pecado mortal 'ex genere suo', se causada sem motivo suficiente.

Por graves razões, provavelmente, pode permitir-se a embriaguez, como por exemplo, para curar uma doença ou para com mais segurança submeter-se alguém a uma operação cirúrgica. Afastar a melancolia não é motivo suficiente para embriagar-se. A embriaguez que priva só parcialmente do uso da razão (imperfeita) é somente pecado venial, mas poderia tornar-se mortal pelo dano ou escândalo produzido, pela tristeza que poderia causar aos pais etc.

Em relação ao uso dos entorpecentes (morfina, cocaína, heroína, clorofórmio etc) valem os mesmos princípios, isto é: usados em pequenas doses por motivo suficiente, por exemplo, para acalmar os nervos, dores etc, são lícitos. Sem motivo justo, porém, é pecado venial.

Mas tomá-los em doses tais que privem o homem do uso da razão, é pecado grave, salvo se há motivo suficiente proporcionado; por exemplo, uma operação cirúrgica, dar alívio a um paciente de doenças muito dolorosas etc."

A conclusão é de que:

a) o uso do álcool e de drogas, em si, não é pecado;

b) o pecado está em algumas condutas, dependendo da finalidade;

c) a embriaguez completa com justo motivo não é pecado;

d) a embriaguez completa sem justo motivo é pecado mortal;

e) a embriaguez incompleta é pecado venial;

f) a embriaguez incompleta pode tornar-se pecado mortal por outros fatores (escândalo, atos pecaminosos, em si, produzidos por força da embriaguez ainda que parcial, etc);

g) a embriaguez acidental não é pecado;

h) o consumo do álcool sem embriaguez não é pecado (para afastar a melancolia, v.g., só é pecado se houver embriaguez; pode-se, outrossim, beber por quaisquer outros motivos não-pecaminosos - comemoração, alegria, motivos de saúde, acompanhar os amigos etc - sem embriaguez; havendo outros motivos pecaminosos - ganhar "coragem" para adulterar, para fornicar, para furtar etc -, há pecado mortal mesmo sem embriaguez, mas a causa do pecado não é o uso do álcool, e sim a intenção do ato posterior);

i) o consumo de drogas em pequenas doses, com motivo suficiente, não é pecado;

j) o consumo de drogas em pequenas doses, sem motivo suficiente, é pecado venial;

k) o consumo de drogas em outras quantidades, com motivo grave e proporcionado, não é pecado;

l) o consumo de drogas em outras quantidades, sem motivo grave e proporcionado, é pecado mortal;

m) o consumo de drogas exige sempre justo motivo para ser lícito, ao contrário do uso do álcool, porque é de sua essência o entorpecimento, ao passo em que o álcool só o é acidentalmente.

O caso do fumo (tabaco) é bem diverso, de vez que ele não é entorpecente nem embriagante. Noutros termos, fumar cigarro, cachimbo ou charuto não afeta a consciência da pessoa. Por isso, o juízo a ser feito em relação a ele não deve ser o mesmo das drogas e do álcool. Não podemos simplesmente "colocar tudo no mesmo saco". Aliás, se nem mesmo o álcool e as drogas, em si, são ilícitos (pois se há um uso lícito, não podem ser ontologicamente ilícitos, sendo, pois, neutros, havendo licitude ou ilicitude conforme o caso), apesar de seu efeito narcótico, muito menos o seria o tabaco, que não é embriagante nem entorpecente.

Fonte: http://ultramontano.blogspot.com/

sábado, 19 de abril de 2008

A Mulher Cristã e o Dever de Cultivar a Beleza

Por Paulo Oliveira

 

Nas linhas abaixo, trecho de uma entrevista de São Josemaría Escrivá. Quis destacar a parte onde o santo fala sobre a importância que a mulher cristã deve dar à busca da beleza, com a intenção de agradar a Deus e ser agradável ao próximo. De fato, se Deus é a Beleza infinita, é agradável aos seus olhos buscarmos nos assemelharmos a Ele, no espírito de sermos perfeitos assim como Ele é.Tal busca, contudo, deverá ser pautada no exercício das virtudes cristãs - como a modéstia e o pudor – e no aperfeiçoamento da consciência, seja pela oração, pela leitura espiritual e direção espiritual. S. Josemaría fala diretamente às mulheres casadas, mas tal circunstância não impede a aplicação do mesmo conselho às vocacionadas ao casamento.

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Que conselhos daria à mulher casada para que, com o passar dos anos, a sua vida matrimonial continue sendo feliz, sem ceder à monotonia?

(...)

A mim parece-me que, com efeito, é um assunto importante, e por isso o são também as possíveis soluções, apesar da sua aparência modesta. Para que no matrimónio se conserve o encanto do começo, a mulher deve procurar conquistar o seu marido em cada dia, e o mesmo teria que dizer ao marido em relação à mulher. O amor deve ser renovado em cada novo dia, e o amor ganha-se com o sacrifício, com sorrisos e com arte também. Se o marido chega a casa cansado de trabalhar e a mulher começa a falar sem medida, contando-lhe tudo o que lhe parece que correu mal, pode-se surpreender que o marido acabe por perder a paciência? Essas coisas menos agradáveis podem-se deixar para um momento mais oportuno, quando o marido esteja menos cansado, mais bem disposto.

Outro pormenor: o arranjo pessoal. Se outro sacerdote vos dissesse o contrário, penso que seria um mau conselho. À medida que uma pessoa, que deve viver no mundo, vai avançando em idade, mais necessário se torna melhorar não só a vida interior como - precisamente por isso - procurar estar apresentável. Evidentemente, sempre em conformidade com a idade e as circunstâncias. Costumo dizer, por brincadeira, que as fachadas, quanto mais envelhecidas, mais necessidade têm de reparação. É um conselho sacerdotal. Um velho refrão castelhano diz que la mujer compuesta saca al hombre de otra puerta, a mulher arranjada tira o homem de outra porta.

Por isso atrevo-me a afirmar que as mulheres têm a culpa de oitenta por cento das infidelidades dos maridos, porque não sabem conquistá-los em cada dia, não sabem ter pequenas amabilidades e delicadezas. A atenção da mulher casada deve-se centrar no marido e nos filhos. Assim como a do marido se deve centrar na mulher e nos filhos. E para fazer isto bem é preciso tempo e vontade. Tudo o que torne impossível esta tarefa é mau, não está bem.

Não há desculpa para não cumprir esse amável dever. Para já, não é desculpa o trabalho fora do lar, nem sequer a própria vida de piedade, a qual, se não é compatível com as obrigações de cada dia, não é boa, Deus não a quer. A mulher casada tem que se ocupar primeiro do lar. Recordo uma antiga da minha terra, que diz: La mujer que, por la iglesia, / deja el puchero quemar, / tiene la mitad de ángel, / de diablo la otra mitad. - A mulher que, pela igreja, / deixa esturrar a comida, / tem metade de anjo, / de diabo a outra metade. A mim parece-me inteiramente um diabo.

 

Fonte:

http://pt.escrivaworks.org/book/temas_actuais-ponto-107.htm


terça-feira, 15 de abril de 2008

Faleceu Dom Estevão Bettencourt


Estimados leitores,

É com pesar que vos comunico o falecimento do grande D. Estevão Bettencourt. Seguem-se algumas notícias que compilei da internet sobre a vida e a morte deste humilde monge beneditino. Vá em paz, Dom Estevão, receber o prêmio celeste que Nosso Senhor tem reservado aos seus fiéis. Ser-nos-á mais útil no céu, junto de Deus, do que foi aqui na Terra. Paulo Oliveira.

*Nos nossos links, foi adicionado o site da recomendada Revista Pergunte e Responderemos On-line, editada por mais de 50 anos por Dom Estevão.

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NOTÍCIAS

Entristeceu-nos a todos a notícia do falecimento, nesta segunda-feira, dia 14, do monge beneditino Dom Estêvão Bettencourt, da Abadia Nossa Senhora do Monserrate, no Rio de Janeiro. Tomada pelo sentimento de esperança de quem crê na Ressurreição, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifesta sua solidariedade à família beneditina pelo passamento deste servo do Senhor cuja vida foi marcada pela fidelidade a Cristo e à Igreja.


Por sua inteligência privilegiada, aliada a uma humildade própria dos santos, Dom Estêvão deixou-nos um legado em obras e pensamento cuja marca é o amor radical a Deus e que a história se encarregará de perenizar. Quantos não terão encontrado o caminho da vida graças aos seus ensinamentos e testemunho!


“Servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor!” (Mt 25, 21). Estas são as palavras que Dom Estêvão ouve agora como prêmio pelo bem que realizou movido pela certeza que sempre pregou: em Cristo a vida e a salvação.

Brasília, 15 de abril de 2008

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB


Fonte: CNBB

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Dom Estevão faleceu na manhã desta segunda-feira, 14, no Rio de Janeiro, aos 89 anos, em decorrência de um infarto agudo no miocárdio. Há alguns anos, o monge vinha enfrentando uma série de problemas de saúde e, ultimamente, tinha dificuldades para falar e respirar.

Segundo Dom Justino, OSB, do Mosteiro de São Bento, há uma semana Dom Estevão enviou um bilhete a Dom José, no qual dizia que queria fazer uma confissão geral porque estava chegando ao final de sua vida terrestre.

Dom Estevão, muito enfermo, só saia de sua cela para participar da Santa Missa. Ontem, 13, inclusive, participou da Celebração às 10 horas. "Mas com muita dificuldade", conforme informou Dom Justino.

Monge, exegeta e teólogo, Dom Estevão ficou conhecido como um sábio professor da Sagrada Escritura. Escreveu obras que se tornaram referência para os católicos. Além disso, assinou diversas publicações no exterior.

Fonte:

Canção Nova (http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=257151)


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Com 88 anos, morreu, ontem, no Mosteiro de São Bento, de múltipla falência de órgãos, o monge dom Estêvão Tavares Bettencourt.

– Era um santo. Dele se pode dizer que passou a vida ensinando e fazendo o bem – proclamou um freqüentador do mosteiro.

Para além de suas obrigações de monge e zeloso professor, dom Estêvão ainda arranjava tempo para falar todo dia na Rádio Catedral e escrever, praticamente só, a revista mensal Pergunte e Responderemos. Também para atender pessoas que iam a ele em busca de orientação espiritual ou simplesmente para se confessar.

Afeito aos sobressaltos da Segunda Guerra Mundial, quando os aviões nazistas bombardeavam a cidade de Roma, onde estudava, dom Estêvão nunca soube o que era vida fácil. Dormia não mais que cinco horas por noite e comia pouco, não mais que o estritamente necessário para sobreviver. Uma fruta, uma torrada de pão, um pedacinho de queijo e um copo de leite era, muitas vezes, o seu jantar.

Longos anos dedicou incansavelmente ao magistério em universidades e outras instituições católicas. E, com 61 anos, quando já poderia requerer aposentadoria, assumiu o cargo de vice-diretor da Faculdade Eclesiástica de Filosofia João Paulo II. Todos os dias, dom Estêvão dava aulas que ele sempre preparava, com fichas e tudo, como se não passasse de mero iniciante.

Foi enterrado ontem à tarde, no claustro do mosteiro onde entrou em 1º de fevereiro de 1936, com apenas 16 anos.

Fonte:JB-Online (http://jbonline.terra.com.br/editorias/rio/papel/2008/04/15/rio20080415008.html)






quinta-feira, 10 de abril de 2008

"O QUE DEUS UNIU"

Publicamos aqui um excelente texto sobre a espiritualidade do matrimônio, rico em unção espiritual e fina psicologia cristã. Esperamos que seja de grande valia para os nossos leitores.

Autor: Gustave Thibon


Capítulo III : AMOR E CASAMENTO


A ESCOLHA

 

Não pretendo ensinar aqui a arte de escolher cônjuge, tal como outros se gabam de ensinar a arte de se defender na rua ou de ganhar na bolsa. Não tenho receitas práticas para este fim. Um casamento (e refiro-me às uniões mais refletidas) está condicionado por tantos acasos (acasos de situações, de encontros, de fortuna, de sentimentos etc.) que seria ridículo ingressar nestes domínios armado de regras matemáticas. De resto, a escolha humana está rodeada de uma tal obscuridade que aquele que tenha a pretensão de fazer uma escolha definitiva, aquele a quem paralisa uma idéia excessivamente precisa da «alma gêmea» se arrisca bastante, ou a nunca mais se casar, ou a fazer uma escolha absurda, uma dessas escolhas «que nunca se poderia imaginar» como diz La Fontaine, como a experiência nos revela todos os dias. «Em toda a parte tenho conhecido compradores cautelosos ― escreve, não sem um certo exagero, Frederico Nietzsche ― mas mesmo o mais esperto acaba por comprar a mulher a olho». Mesmo nas uniões mais clarividentes, há um aspecto de salto no desconhecido, de «pari», no sentido pascaliano da palavra. Deste modo, as poucas indicações gerais que vou dar sobre este assunto não visam fornecer certezas, mas simples probabilidades. (Continue lendo aqui).

 

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segunda-feira, 7 de abril de 2008

IMPACTO DA VIOLÊNCIA MIDIÁTICA NA PERSONALIDADE


Antonio Jorge Pereira Júnior

Quando se dedica a analisar especificamente os efeitos adversos gerados pelo conteúdo violento dos programas de TV, os autores do Guia médico recordam que a maioria dos produtores e emissoras de TV não está preocupada em educar, mas limitam seu objetivo a gerar lucros. "A transmissão da TV é paga por anunciantes que têm produtos e serviços a vender. Quanto mais as pessoas assistem certos programas (quanto mais altos os índices de audiência), as empresas de televisão podem cobrar mais pelo espaço comercial". Por isso a televisão tem por meta captar a atenção do público e mantê-la por tempo suficiente para que os anunciantes possam vender seus produtos. Em face da dificuldade de captar a atenção de alguém e mantê-la com recursos que aprimoram a formação humana, o que exigiria maior criatividade, as emissoras apelam para estímulos que provoquem mais facilmente resposta do público, mediante o incitamento de emoções fortes que prendam sua atenção. Nesse jogo de captação de atenção, há estímulos mais baratos e menos trabalhosos para provocar respostas. Aqui entra o apelo à violência, "altamente eficiente para provocar uma resposta. A violência é universalmente compreendida e valorizada, cruzando fronteiras geográficas e culturais de maneira eficaz, uma vantagem decisiva para ampliar ao máximo o mercado de um programa".

Desde o começo da TV, a violência foi ingrediente para prender a atenção do telespectador. São incontáveis os estudos acerca dos efeitos do entretenimento violento sobre as crianças: pesquisas, análises de conteúdo, experiências, estudos epidemiológicos, estudos em nível nacional e estudos longitudinais (protraídos no tempo), etc. Apesar de variar a qualidade de tais pesquisas, a uniformidade e a coerência das conclusões é impressionante. Inúmeras organizações profissionais se dedicaram ao assunto e concluíram, após estudos sistemáticos desenvolvidos durante anos, que há evidências irrefutáveis de que o entretenimento violento promove atitudes e comportamento agressivos, o que significa deformação ética. Dentre as entidades que assim concluíram destacam-se: (1) Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência; (2) Academia Americana de Pediatria; (3) Associação Médica Americana; (4) Associação Americana de Psiquiatria; (5) Associação Americana de Psicologia; (6) Centros para Controle e Prevenção de Doenças; (7) Instituto Nacional de Saúde Mental; (8) Ministério da Saúde dos EUA.

"A literatura [científica] é suficientemente ampla para permitir uma meta-análise, um conjunto de procedimentos estatísticos que permite a inclusão de dados de grande número de estudos. Os pesquisadores de mídia Comstock e Paik empreenderam essa meta-análise e relataram que há uma clara relação de causa e efeito entre a exposição à violência da mídia e as atitudes e o comportamento agressivos. A Professora Aletha Huston, da Universidade de Kansas, afirmou perante o Congresso que praticamente todos os pesquisadores concordam que há evidências de que a TV pode causar comportamento agressivo" .

O Guia médico também chama a atenção para os vídeos games, que seguem a linha de apelativo à violência: crescem a tecnologia e a violência ofertada nos jogos, muitos deles produzidos na esteira de filmes populares violentos. Esse mercado movimenta bilhões de dólares em todo o mundo e está voltado para o público infanto-juvenil. Os criadores dos jogos se vangloriam do realismo da violência que simulam. Nos anos de 1995 e 1996, quando veio à tona o Guia médico, os jogos mais vendidos eram Mortal Kombat, o Mortal Kombat II e o Doom, em versões sucessivamente mais violentas, onde o jogador deveria chegar a derrotar seu oponente com requintes de crueldade. "Esses jogos são particularmente envolventes, uma vez que os usuários são ativos ao invés de passivos, e são recompensados com escores mais altos por cometerem mais mutilações".

Apesar de as classificações oficiais acerca dos filmes mais violentos não surtir, como seria desejável, o efeito de manter os jovens afastados de tais longas-metragens, estudiosos do tema chamaram a atenção ao efeito pior do relaxamento nessa atividade, que facilita o aumento de conteúdo violento nos filmes para público infanto-juvenil. Assim, se por um lado a classificação não garante total eficácia de controle sobre o que assistem criança e adolescente, de alguma forma ela alerta os pais para os conteúdos. Também é fato, constatado por algumas pesquisas, que algumas crianças ficam mais interessadas por um filme quando sua classificação indica que se trata de obra recomendada para pessoas mais velhas, incluindo-se nesse grupo as mais agressivas, que são mais facilmente atraídas pelo chamariz de agir fora dos limites.

São alguns dos motivos para a redução da eficácia da classificação indicativa de filmes não recomendados para menores de idade: (1) os trailers apresentados em publicidade massiva despertam a curiosidade e são apresentados em horários acessíveis ao público menor de idade, aguçando-lhes a vontade por assistir tais produções; (2) alguns pais não selecionam os filmes aos quais levarão seus filhos para assistir, a despeito de classificações e análises; (3) em muitas salas de cinema não se restringe o acesso do público em idade inferior à aconselhada; (4) as locadoras, onde os filmes chegam depois, não controlam a retirada de filmes por pessoas de faixa etária menor que a aconselhada para a assistência.

A partir dos estudos colecionados, quais seriam os efeitos da violência na mídia no comportamento e atitudes dos espectadores infanto-juvenis?

Primeiro impacto é o estímulo à imitação de comportamento, em razão de a observação e a imitação ser a principal forma de aprendizado das crianças e adolescentes. As pesquisas comprovam que desde os 14 meses de idade os bebês já imitam o que vêem na TV, tanto as condutas sociais positivas quanto os comportamentos violentos e agressivos. "Para as crianças mais pequenas essa imitação inclui quadrinhos e desenhos, [sendo que] elas não distinguem [a violência imaginária] da violência real. Programas como Power Rangers e Tartarugas Ninja são exemplos que demonstram esse fenômeno".

Outras informações que influem na fixação de modelos dignos de imitação para as crianças, são os heróis violentos. As crianças imitarão os modelos que lhes são apresentados, especialmente aqueles que lhes geram maior empatia. Por esse motivo os heróis agressivos são mais perniciosos do que os vilões violentos.

Também efeito negativo pode resultar da violência recompensada. A violência, quando valorizada ou mostrada como eficaz, transmite à criança a idéia de que a conduta agressiva é premiada em nossa sociedade. Isso aumenta a imitação desse comportamento na vida real.

Também é nociva a exposição da violência justificada. "A violência tende a ser mais imitada se ela contiver implícita a mensagem: está correto recorrer à violência, contanto que você acredite estar no seu direito. Qual criança não acredita estar com a razão em uma situação de conflito?".

Vários dos efeitos relatados no Guia Americano coincidem com os estudos elaborados pela UNESCO.

Outro efeito adverso é a insensibilização, a deterioração da sensibilidade da criança. Os sentimentos deveriam ser respostas afetivas a estímulos reais. A exposição freqüente a estímulos fictícios que provocam emoções fortes sem a realidade casual correspondente, leva à insensibilização. A exposição constante da brutalidade na mídia enfraquece a capacidade de reagir do público em face da violência. Há como que uma fadiga das potências afetivas, que necessitarão de maiores estímulos para reagir. Além de ocorrer decréscimo na reação pessoal perante a violência, que repercute no aumento da falta de solidariedade para com as vítimas de ataques violentos.

Outro efeito sobre o comportamento, apresentado pelos médicos, psiquiatras, psicólogos e pediatras norte-americanos, é o aumento do medo. O cenário de violência retratado pela mídia transforma o mundo em um lugar atemorizante para o espectador infanto-juvenil, mais impressionável que o adulto. As crianças são especialmente afetadas pelo fato de não possuírem capacidade de discernir o que é fictício do que é real. Ao longo do tempo essa indução ao medo produz a síndrome do mundo cruel. O Guia alerta que "a exposição a um único filme, programa de televisão ou reportagem pode resultar em depressão emocional, pesadelos ou outros problemas relativos ao sono em muitas crianças", particularmente as mais novas. Crianças amedrontadas estão mais sujeitas a se tornarem vítimas ou agressores.

Outro efeito deformativo dos conteúdos midiáticos violentos é aumentar o apetite pela violência. A insensibilização aumenta a tolerância e o gosto do espectador por mais violência: quanto mais violência alguns espectadores assistem, mais violência eles querem. Algumas das pesquisas que apóiam as conclusões do Guia demonstram que as seqüências dos filmes de ação (pense-se nos filmes da série Rambo I, II, III ou da série O Exterminador do Futuro I, II e III) quase sempre apresentam mais violência nos episódios sucessores.

Segundo pesquisas, quanto mais realista a violência, maior a atração e pior o impacto nas crianças. Programas policialescos e sensacionalistas, por exemplo, prendem-lhes mais a atenção.

Outro fenômeno que se cultiva com a violência na mídia é a cultura do desrespeito.

"De acordo com o Psicólogo David Walsh, talvez o efeito mais prejudicial do regime constante de entretenimento violento voltado às crianças seja a criação e a sustentação de uma cultura do desrespeito. O comportamento violento em si mesmo é o ato máximo do desrespeito. Para cada jovem que pega uma arma e atira em alguém, há milhares de outros que não o fazem. Mas eles estão desrespeitando-se uns aos outros, empurrando, puxando, batendo e chutando com freqüência crescente. Isso torna mais fáceis de serem cruzadas as linhas que separam aqueles comportamentos. O resultado é que nós redefinimos a forma como devemos tratar uns aos outros".

Outro ingrediente que atrapalha o desenvolvimento da percepção ética da criança é o frenesi da velocidade das informações que bombardeiam o telespectador infanto-juvenil, em uma mídia que deseja disparar estímulos para prender ao máximo sua atenção. Esse proceder violenta a capacidade de se dedicar tempos diferentes aos assuntos segundo hierarquia proporcional à importância do tema para os projetos vitais. Por vezes o mesmo destaque à tragédia do terrorismo no Iraque que à fofoca relativa ao aniversário da filha de apresentadora destaque.

"O que se ganha por um lado como informação rápida [...], perde-se, por outro, como aceleração do tempo vital, sob a apresentação de uma instantaneidade igualadora. Todas as coisas têm mais ou menos a mesma importância e são igualmente todas fugazes; todas são somente cotidianas".

A mídia televisiva para crianças e adolescentes tende a preferir a o redemoinho superficial, "a agitação imediata, o estremecimento profundo; o homem fica, assim, à disposição dos ritmos mais efêmeros, das aparências, das vibrações mais epidérmicas do mundo sensorial".

As informações trazidas pelo Guia Médico de 1996 foram reafirmadas em 2001, em outro estudo publicado pela Academia Americana de Pediatria.

E assim, por meio de programas, filmes e novelas fixam-se valores na memória da criança e do adolescente mediante o uso de histórias e situações. Transmitem-se modelos estereotipados que atuam sobre a inteligência, sobre psique infanto-juvenil, sobre sua vontade e sobre sua afetividade. A criança é estimulada a assimilar comportamentos apresentados como bons sem capacidade de julgar acerca da correspondência entre essa apreciação e o agir ético respectivo. A dimensão afetiva é hipertrofiada, querendo-se levar a pessoa a induzir que tudo que é prazeroso é bom, e tudo o que gera algum desconforto ou algum tipo de sofrimento, é mau. Isso é trabalhado pela mídia e em um ritmo que dificulta pensar, refletir.

Os efeitos da programação de TV sobre a personalidade da criança e do adolescente são inegáveis. O poder de indução de comportamentos é maior à medida que se permanece mais tempo sob sua exposição. Também o estudo acerca das propagandas e publicidades ocultas traz muito de aplicável à programação televisiva, como se poderá ver logo mais, sobretudo porque o modelo de TV vigente no Brasil é o da TV comercial.

1 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 13.

2 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 13.

3 Cf. TAVARES, André Ramos. Liberdade de informação e comunicação: conteúdo, limites e deveres relacionados. Cadernos de Direito. Piracicaba. V..3. n. 5. p. 46-66. dez. 2003, p. 62.

4 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 13. Na página seguinte do Guia encontra-se um breve e sintético mostruário de alguns dos estudos que serviram a tais conclusões.

5 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 15

6 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 15-16.

7 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 16.

8 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 16.

9 Cf. GROEBEL, Jo. Percepção dos jovens sobre a violência nos meios de comunicação de massa. Brasília: UNESCO, 1998, p. 34-35.

10 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 16

11 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 17

12 Cf. WALSH, David; GOLDMAN, Larry S.; BROWN, Roger, Physician Guide to Media Violence, p. 17

13 Cf. INNERARITY, Daniel. Libertad como pasión. Pamplona: EUNSA, 1992, p. 116.

14 Cf. INNERARITY, Daniel. Libertad como pasión, p. 117

15 Cf. American Academy of Pediatrics. Committee on Public Education. Children, Adolescents, and Television. Pedriatics, v. 107, n. 2, p. 423-426, February, 2001.

16 Cf. FERNANDES NETO, Guilherme. Direito da Comunicação Social, p. 117-140

Fonte: http://www.iics.org.br/direito/Site/newsletter_interno.aspx?id=36

segunda-feira, 31 de março de 2008

Santa Joana D’Arc


Autor: D. Estevão Bettencourt

A figura de Joana D´arc

Os precedentes

O cenário histórico em que aparece Joana d’Arc, é o da guerra dita “dos Cem Anos” (1337´1453) entre a França e a lnglaterra. Em 1415 Henrique V da lnglaterra invadiu a França com o intuito de derrubar o rei Carlos VI. Os invasores encontraram apoio da parte da Borgonha, cujo duque Filipe o Bom reconheceu Henrique V da Inglaterra como legítimo soberano da França; ao mesmo tempo, Carlos VI, cuja saúde mental estava abalada, deserdou seu filho e nomeou o monarca inglês herdeiro e regente do país. Em 1422, morreram Henrique V e Carlos VI. o filho deste, Carlos VII fez´se coroar em Poitiers, e estabeleceu sua corte em Bourges, enquanto os ingleses caminhavam em território francês e assediavam a cidade de Orleães. Carlos VII era figura fraca, que nada fazia para deter os invasores, mas, ao contrário, permitia que homens ineptos e gozadores dirigissem o seu povo. Foi então que entrou em ação uma jovem de 17 anos, que prometia salvar a França.

lntervenção de Joana

Joana nasceu em Domrémy, de família camponesa, aos 6 de janeiro de 1412. Não aprendeu a ler e escrever, mas possuia profundo senso religioso. Aos 13 anos de idade, começou a ouvir certas vozes, que ela identificou com as de S. Miguel Arcanjo, S. Catarina de Alexandria e S. Margarida de Antioquia, virgem e mártir; exortavam´na a ir socorrer a França. A este propósito já se põe uma questão debatida: as revelações que Joana anunciava e que se repetiram até a sua morte, não terão sido mero fenômeno de alucinação? ´ Note´se que a alucinação significa um estado patológico, fonte de falsos juízos e de comportamento moral descontrolado. Ora em toda a conduta de Joana d’Arc não há vestígios de prostração física nem de aberração intelectual ou de incoerência de dizeres e atitudes; ao contrário, clarividência e firmeza notáveis se manifestaram. Torna´se, por conseguinte, difícil, se não ilógico, sustentar a tese das “alucinações”. Somente três anos mais tarde, em 1428, a jovem resolveu atender aos apelos celestes. Um tio levou´a então à presença do capitão Robert de Baudricourt, delegado do rei em Vancouleurs. Vendo´a, o oficial desprezou´a, devolvendo´a a seu pai; este ameaçou afogá´la. Joana voltou a procurar o capitão, impressionando´o por sua energia. Roberto mandou´a ter com o rei Carlos VII, acompanhada por uma escolta de seis homens, que deviam defendê´la na caminhada por estradas perigosas. A donzela pediu e obteve também um cavalo e trajes masculinos (mais adaptados à missão militar que ela empreendia). Chegando em Chinon aos 6 de março de 1429, Joana identificou o rei dissimulado entre os seus cortesãos. Logo lhe pediu soldados para ir levantar o cerco de Orleães. Todavia aquela jovem de 17 anos, vestida de trajes masculinos, não inspirava confiança. Tendo insistido, Joana foi submetida a interrogatórios e exames sobre a fé e a moral pelo espaço de três semanas; já que o laudo resultou favorável, Carlos VII reconheceu o possível valor do empreendimento de Joana. A situação para a França era tão grave que somente uma intervenção do céu poderia salvar a nação. O rei concedeu´lhe então um pequeno batalhão destinado a ir socorrer a sitiada cidade de Orleães, que estava para cair. Joana não combateria, mas estimularia os guerreiros, empunhando um estandarte branco, sobre o qual estava a figura de Cristo entre dois anjos. Finalmente, aos 8 de maio de 1429 os ingleses muito imprevistamente levantaram o cerco de Orleães, dando entrada na cidade a Joana d’Arc e sua tropa. Assim vitoriosa, a jovem quis levar Carlos VII a Reims para que recebesse a sagração régia ´ o que se deu a 17 de julho de 1429. Ao lado do monarca, a benemérita heroína Ihe disse então: “Gentil roi, maintenant est faict le plaisir de Dieu... Gentil rei, agora está feito o prazer de Deus”. Joana dava por finda a sua missão, quando o rei Ihe pediu continuasse a guerra. A donzela, dócil, muito se empenhou pela reconquista de Paris, mas aos 23 de maio de 1430, perto de Compiégne, foi presa pelos burgúndios, aliados dos ingleses. Estes a compraram pelo preço de 10.000 francos´ouro, e a levaram para Ruão, onde Joana deveria ser julgada. Aos ingleses interessava não apenas manter a donzela encarcerada, mas também destruir o seu prestígio aos olhos do público. ´ Este plano haveria de ser executado mediante pretextos religiosos que, para os homens da época, eram os mais persuasivos.

Mentalidade do século XV

Não se poderiam entender adequadamente o processo e as maquinações empreendidos contra Joana d’Arc se não se levasse em conta a mentalidade de ingleses e franceses da época:

a) Joana dera à sua missão militar um caráter religioso, dizendo que Deus queria por seu intermédio libertar a França. ´ Por conseguinte, os inimigos, para desprestigiá´la, tentariam demonstrar que Joana de modo nenhum podia ser enviada de Deus, por estar sob a influência do demônio, como herege, bruxa, impostora, etc. ´ Caso isto ficasse comprovado, também o rei Carlos VII perderia a sua autoridade; seria evidente que se aliara a uma filha de Satanás, por obra da qual havia sido sagrado. Os franceses poderiam então perder a esperança de obter a vitória final.

b) A mentalidade popular da época era levada a crer que vitória obtida em guerra era sinal de que Deus apoiava o vencedor. Ora os ingleses haviam conseguido um triunfo retumbante em Azincourt (1415), onde cinco mil guerreiros tinham prostrado toda a cavalaria francesa, lutando um soldado contra seis cavaleiros. Tão fulgurante vitória, pensava´se, só teria sido alcançada com a colaboração do céu; donde podiam muitos concluir que Joana contradizia ao curso dos acontecimentos sobre o qual Deus já proferira o seu juízo.

c) A própria conduta de Joana se prestava a deturpações... As calamidades que assolavam a França havia cerca de 75 anos, excitavam a imaginação popular, provocando o surto sucessivo de falsos taumaturgos e visionários. Como naquela hora se distinguiria Joana de uma Catarina de la Rochelle ou do pastor Guilherme de Gévaudan, comprovadas vítimas da ilusão? ´ Além disto, o espírito medieval podia facilmente escandalizar´se com a figura de uma jovem vestida de cavaleiro a cavalgar junto com uma tropa de soldados; ora tal era o caso de Joana. Ninguém concebia que uma virgem cristã se pudesse apresentar nesses termos. Compreende´se então que muitos dos contemporâneos da heroína se tenham podido iludir a seu respeito.

d) Será preciso levar em conta também a colaboração da Universidade de Paris, setor de grande autoridade, que os ingleses ganharam para a sua causa. O espírito que então animava os professores dessa instituição, não era muito sadio. Tendiam a considerar´se os luzeiros da S. Igreja; os mais moderados entre eles ficavam céticos ao ouvir falar de Joana; muitos, porém, Ihe eram energicamente contrários. A pobre camponesa, com seus poucos anos de idade, deixava´se guiar por pretensas visões mais do que pelas idéias dos professores; queira passar por mais perita do que os capitães do exército, sem pedir vênia nem autorização aos doutos lentes!

À luz destas características da mentalidade da época, analisemos agora.

O desfecho da história de Joana

Os ingleses, tendo que apelar para motivos religiosos na sua ação contra a jovem guerreira, encontraram apoio valioso na pessoa do bispo de Beauvais, Pierre Cauchon, todo devotado à causa dos invasores e, por isto, refugiado em Ruão, território possuído pelos ingleses. Não foi difícil encontrar pretexto para se iniciar um processo contra Joana: as suas apregoadas mensagens celestiais forneciam fundamento a acusações de bruxaria e heresia! Cauchon foi constituído presidente do respectivo tribunal. Para dar ao júri o aspecto e a autoridade de tribunal da Inquisição (tribunal oficial da S. Igreja!), chamaram a participar da mesa o Vice´inquisidor de Ruão, Jean Lemaitre. Cauchon convidou ainda grande número de assessores e jurados, aos quais o governo inglês fez saber que tinha meios para os coagir, caso rejeitassem participar do processo; 113 juristas aceitaram a intimação, dos quais 80 pertenciam à Universidade de Paris. O júri era de todo ilegítimo, pois Cauchon não tinha sobre Joana nem a autoridade de bispo diocesano nem a de legado pontifício. A Santa Sé não fora em absoluto informada da constituição de tal tribunal. Contudo o processo foi encaminhado. A jovem sofreu maus tratos físicos e morais; submetida a interrogatórios capciosos, que visavam a arrancar´lhe a confissão de heresia e superstição, respondeu sempre com simplicidade e nobreza; chegou a apelar para o Santo Padre: “Peço que me leveis à presença do Senhor nosso, o Papa: diante dele responderei tudo o que tiver que responder Tudo que eu disse, seja levado a Roma e entregue ao Sumo Pontífice, para o qual dirijo o meu apelo!” Em vão, porém, apelou. Finalmente, após peripécias diversas, Joana foi fraudulentamente condenada qual herege, relapsa, apóstata, idólatra. Entregue ao braço secular, sofreu a morte pelas chamas aos 30 de maio de 1431, enquanto olhava para o Crucifixo e orava. Na última manhã de sua vida, ainda dizia Joana a Cauchon: “Eu morro por causa de V.S.; se me tivésseis colocado nos cárceres da Igreja.... isto não teria acontecido.” A opinião pública viu´se profundamente abalada pelo ocorrido. Apesar de todas as acusações, a massa do povo ainda tinha Joana na conta de vítima da injustiça de seus inimigos. Conseqüentemente, pouco depois de entrar solenemente em Ruão (dezembro de 1449), o rei Carlos VII deu início a uma revisão do processo condenatório, revisão que terminou favorável a jovem. Seguiu´se em 1445 o inquérito pontifício, já que Joana fora abusivamente sentenciada em nome da Inquisição: após numerosos interrogatórios, o arcebispo de Reims, aos 7 de julho de 1456, perante numerosa assembléia de clérigos e leigos em Ruão, publicou a conclusão do “processo do processo”, reabilitando a memória da donzela. De modo oficial e solene, a Igreja restaurou a memória de Joana d’Arc, reconhecendo´lhe os méritos e a santidade em 1920. Por que tanto se fez esperar essa completa reabilitação? Os tempos que se seguiram ao ano de 1456, foram de reação contra o espírito e a vida da Idade Média: na época da Renascença o adjetivo “gótico” vinha a ser sinônimo de “bárbaro”; quebravam´se os vitrais das catedrais para substitui´los por vidraças brancas; o famoso poeta Pierre de Ronsard (†1585), imitador dos clássicos gregos e latinos, qualificava o período medieval de “séculos grosseiros”; mais tarde, Voltaire (.†1778) e ainda Anatole France († 1924) mostravam´se diretamente infensos à jovem guerreira de Domrémy. Foi preciso que a opinião pública em geral proferisse um juízo mais objetivo sobre a Idade Média para se pensar em exaltar a figura tão caracteristicamente medieval de Joana d’Arc. Em conclusão: a condenação de Joana d’Arc é fato histórico profundamente doloroso. Jamais, porém, poderá ser considerado fora do contexto do séc. XV, que bem o marca e ilumina. Trata´se de um processo inspirado por interesses políticos e nacionais e justificado perante a opinião pública do séc. XV mediante pretextos religiosos (pretextos que podiam impressionar naquela época). Lamentavelmente houve prelados e clérigos que se prestaram ao papel de juízes de Joana d’Arc. Não procederam, porém, em nome da autoridade suprema da Igreja, mas, sim, por autoridade a eles conferida pelo rei da Inglaterra. Entende´se, pois, que a S. lgreja, de maneira oficial e solene, tenha procedido à reabilitação e canonização de Joana d’Arc.

Fonte: http://www.cleofas.com.br/virtual/texto.php?doc=ESTEVAO&id=deb0635