“A última palavra da razão sobre si mesma é o reconhecimento de um vazio que só as promessas cristãs poderão preencher.”
(Pe. Leonel Franca)
(Pe. Leonel Franca)
Por Saulo Eleazer
Filosofia (etimologicamente philos sophias) é um amor à sabedoria que se objetiva na busca da Verdade à luz do Logos; uma disciplina da razão construída com processos demonstrativos de ordem intelectual. De acordo com a história, Pitágoras de Samos (± 580 – 500 a.C.) fora o primeiro a utilizar-se desta nomenclatura. Certa feita, aclamado como “sábio”, julgou-se indigno desta denominação. Pedira, então, para ser chamado, tão somente, “amigo do saber”. Esta postura, do pré-socrático revela-nos duas características essenciais num filósofo: humildade e perseverança.
Antes, porém, de aprofundar o sentido desta ciência, é necessário ter em mente alguns dados fundamentais. Prescindir de certas informações basilares poderia nos levar a conclusões errôneas e perigosas.
A realidade compreende duas zonas (ou ordens) especificamente unidas e intercomunicadas: uma “Natural”, acessível às luzes da razão, e outra “Sobrenatural”, cognoscível pela Divina revelação. A esta corresponde, obviamente, um conhecimento sobrenatural, a fé[1]; enquanto que àquela corresponde um conhecimento natural: estamos aqui no terreno próprio da Filosofia.
Ora, Deus é autor de ambas as ordens, portanto, não pode haver jamais qualquer incompatibilidade ontológica entre elas. Assim como a realidade natural se submete à sobrenatural, de igual modo, o conhecimento filosófico (e o conhecimento natural como um todo) deve subordinar-se ao conhecimento sobrenatural, mantendo, entretanto, sua devida autonomia nos limites essenciais que lhe são próprios.
Embora a filosofia possua certa autonomia na medida em que reconhece como sua a consideração e o estudo das coisas criadas como tais (isto é, sua natureza e causa), não pode, no entanto, contradizer as afirmações dogmáticas da fé cristã. [2] Esta deve ser tomada, isto sim, como regra do procedimento correto da razão, pois, “Cristo iluminou a vida, e iluminando-a envolveu também a filosofia de claridades benfazejas.” [3] Assim, a Filosofia, este saber pelos supremos princípios, porque sustentada com elementos racionais, está submetida a uma sabedoria superior que lhe eleva e robustece.
Como se percebe facilmente, em virtude dessa subordinação, a Filosofia longe de ser desfalcada ou prejudicada, recebe da fé (e, por conseguinte, da teologia) grandes benefícios. A fé não ensina ao filósofo filosofar, nem mesmo se intromete em seus domínios próprios para sinalizar-lhe em que ponto seu raciocínio se extraviou, mas, ao contrário, se limita, tão somente, a indicar-lhe seu erro incompatível com a verdade que ela sabe ensinar com toda certeza. É o próprio filósofo quem deve recomeçar seu caminho para encontrar o desvio ocorrido durante o percurso investigativo.
Portanto, a Filosofia, ainda que especificamente distinta do conhecimento sobrenatural, ela, como expressão que é junto a este de uma realidade total (composta de natureza e sobre-natureza, intimamente unidos), forma com ele um saber onde ambos os setores se comunicam hierarquicamente para constituir a “Sabedoria Cristã”. Deste modo, preparando-nos racionalmente para o grande benefício da iluminação cristã, assimilando e desenvolvendo as suas riquezas investigáveis, a razão acompanha-nos sempre na vida como benfeitora e amiga.
Finalmente, no universo desta sabedoria, a verdadeira filosofia não cria a realidade; é, tão somente, seu arauto. Suas resoluções são conforme as exigências do ser, assim como, da natureza de nossa inteligência; com efeito, seus conceitos se sustentam e terminam nos aspectos distintos da realidade extra-mental.
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Bibliografia:
_ ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mertrezou, 1960.
_ DERISI, Octávio N. Filosofia Moderna y Filosofia Tomista. Buenos Aires: Sol y Luna, 1941. 242 pg.
_ FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 2 Ed.. Rio de Janeiro: José Olimpo, 1942. 302 pg.
_ RATZINGER, Joseph; D`ARCAIS, Paolo Flores. Deus existe? Trad.: Sandra Martha Dolinsky. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009.
_ MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. Os Filósofos do Ocidente. Vol.1. 2º edição. São Paulo: Paulinas, 1981. 232 pgs.
[1] A fé consiste num ato do entendimento submetido ao império da vontade com o auxílio da graça. Não confundir com o subjetivismo sentimentalista dos tempos hodiernos.
[2] Ao lado da doutrina revelada há um patrimônio de verdades acessíveis à razão no exercício natural de suas funções. Por exemplo, sem o auxílio da fé a razão humana é capaz de elevar-se a certo conhecimento de Deus e da lei moral. Existem, portanto, uma teodicéia e uma ética como disciplinas puramente racionais.
[3] FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 2 Ed.. Rio De Janeiro: José Olimpo, 1942. Pág. 178.
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